Policiais do Rio estão participando de assaltos com bandidos

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Foto: Montagem sobre foto de Domingos Peixoto / Agência O Globo

Faltavam poucos minutos para as 2 horas quando uma viatura da Polícia Militar embicou na calçada à direita da Rua Major Ávila, na Tijuca, Zona Norte do Rio de Janeiro, em frente à sede administrativa da Companhia Municipal de Limpeza Urbana do Rio, a Comlurb. Era madrugada de 8 de junho de 2004, uma terça-feira, e a via estava deserta. Um policial abriu a porta do banco do carona e se dirigiu a uma cabine onde ficavam os vigilantes da empresa, sociedade de economia mista que é a maior organização de limpeza pública da América Latina. A três seguranças, o policial disse que a patrulha precisava averiguar ali uma denúncia de que o suspeito de um roubo nas cercanias havia entrado no imóvel durante a fuga, pulando um muro lateral. O portão, então, foi aberto.

A viatura entrou no estacionamento — que fica numa área externa à direita do prédio que abriga a sede da empresa — e outros três homens fardados desembarcaram. A “varredura”, na verdade, era o primeiro passo de um assalto cinematográfico. Os vigilantes foram rendidos e seus três revólveres tomados pelos agentes. Foram então trancados, ao lado de mais sete funcionários que davam plantão no prédio naquela madrugada, dentro da sala de telemarketing. Mais tarde, a polícia descobriria que só o motorista e o carona eram, de fato, PMs. Para não chamar a atenção de testemunhas, o carro da polícia, que deveria estar patrulhando a cidade naquele momento, saiu da Comlurb depois que os assaltantes conseguiram acessar o prédio.

Os outros três ocupantes da viatura, um PM e dois civis disfarçados de policiais que ficaram no local, dariam início à segunda parte do plano. O portão da empresa foi novamente aberto para a entrada de dois furgões — um Renault Trafic e uma Mercedes Sprinter — e um outro carro, um Golf preto, de onde sairiam outros três integrantes da quadrilha, todos encapuzados. Os assaltantes entraram no prédio da Comlurb e foram em direção a duas salas: uma delas abrigava caixas eletrônicos de cinco bancos diferentes, e a outra o caixa-forte da empresa. Alguns funcionários feitos de reféns foram obrigados, sob a mira de fuzis e pistolas, a ajudar no transporte dos seis cofres até os furgões.

Com o dinheiro dividido entre os dois carros, o bando deixou o prédio, levando a chave da sala onde os funcionários e seguranças ficaram trancados. A 100 metros da empresa, quando os furgões e o Golf ocupados pelos criminosos alcançaram a Avenida Maracanã, via importante que cruza todo o bairro, pelo menos quatro viaturas da PM se juntaram ao comboio, para prover segurança ao montante nos 16 quilômetros que separam a companhia de limpeza urbana de uma empresa no bairro de Rocha Miranda, também na Zona Norte — onde os cofres seriam serrados, e o butim dividido.

O bando, no entanto, estava sendo monitorado. Parte dos criminosos seria interceptada e presa antes de chegar ao destino. O esquema foi desvendado pela Corregedoria da PM a partir do depoimento de um integrante da quadrilha — que resolveu entregar seus comparsas. O grupo era formado, em parte, por tenentes, todos contemporâneos da Academia Dom João VI, responsável por formar os oficiais da Polícia Militar do Rio. E o caso da Comlurb não foi o único: depoimentos que integram o Inquérito Policial Militar (IPM) apontam que o bando participou de uma série de roubos de caixas eletrônicos. Com base em documentos que só agora vêm à tona, ÉPOCA mostra como os agentes, que deveriam impedir os roubos, agiam para retirar o policiamento da região onde os assaltos aconteciam e garantir a segurança dos ladrões. Todos os oficiais identificados — até os que foram condenados pelos crimes — seguem na PM até hoje. Alguns já chegaram à patente de tenente-coronel, a segunda mais alta da hierarquia da corporação.

No início dos anos 2000, o Rio assistiu a uma explosão nos casos de roubos de caixas eletrônicos. De sete casos registrados em 2003, o número saltou para 72 em 2005 — até hoje, o mais alto da história do estado. Para policiais que investigavam assaltos na época, o fenômeno tinha forte ligação com a diminuição simultânea de outra modalidade criminosa, a de roubos a bancos, que passaram de 56 casos em 2003 para apenas 20 dois anos depois. Espalhafatosos, assaltos a agências bancárias tinham de ser realizados de dia, no horário de funcionamento dos estabelecimentos — o que, claro, aumentava a possibilidade de confrontos com a polícia. Entre 2002 e 2003, mais de 100 ladrões de bancos foram presos no estado, muitos deles depois de trocar tiros com a polícia.

Os assaltantes passaram a perceber que a maior simplicidade da ação não compensava os riscos envolvidos e migraram para roubos e furtos de caixas eletrônicos — igualmente lucrativos, mas muito mais silenciosos, já que as ações aconteciam de madrugada e, muitas vezes, só eram descobertas na manhã seguinte. As empreitadas, no entanto, demandavam um nível maior de especialização: as quadrilhas passaram a ter, além de um braço armado para render vigilantes, integrantes responsáveis pelo transporte, pela escolta dos valores e também por abrir os cofres. Para surpreender esses grupos, rondas bancárias eram inócuas. A polícia precisaria de ações de inteligência.

“OFICIAIS DA PM PARTICIPARAM DO PLANEJAMENTO DO ASSALTO E DERAM COBERTURA À FUGA DO BANDO NAQUELA MADRUGADA”

Foi nesse contexto que, em 6 de junho de 2004 — dois dias antes do roubo da Comlurb —, policiais civis da Delegacia de Roubos e Furtos (DRF) pediram à Justiça a quebra do sigilo telefônico de um número que havia feito e recebido ligações de vários assaltantes já monitorados pelos agentes. A linha pertencia ao ex-paraquedista do Exército Alexandro Prado de Moraes. Nos dias que antecederam o assalto à companhia de limpeza, Moraes revelou a data e o local do crime em diálogos com comparsas. A DRF, então, montou uma operação para surpreender os assaltantes.

Após os dois furgões e o Golf virarem na Avenida Maracanã, o comboio seguiu na via por 1 quilômetro, seguido por pelo menos três viaturas da PM. Na altura do mais famoso estádio de futebol do mundo, homônimo da via, os assaltantes foram surpreendidos por um bloqueio montado por dez agentes da DRF. Um dos furgões, o Trafic, e o Golf foram parados. Com fuzis em punho, os agentes mandaram seus ocupantes descerem. Cinco dos assaltantes foram presos — entre eles, o sargento da PM Adilson Soares dos Santos, lotado no 5º BPM (Praça da Harmonia), que participou à paisana do assalto. Apesar de não ser policial, quem estava fardado no momento da abordagem era Moraes, o ex-paraquedista monitorado pela polícia. Com os detidos, foram apreendidos maçaricos, barras de ferro, marretas, duas pistolas e os três revólveres roubados dos vigilantes. Nos cofres recuperados, havia R$ 24 mil. Na manhã seguinte, ao apresentarem a ocorrência para a imprensa, os policiais da DRF afirmaram que o outro furgão “conseguiu escapar ao cerco”.

Nenhuma menção à proteção dada por viaturas da PM aos assaltantes foi feita na ocasião. No entanto, como os vigilantes da Comlurb afirmaram à polícia que um carro da corporação foi usado no assalto, a Corregedoria começou a investigar o caso. Mais de um ano depois do crime, um dos assaltantes presos contou o que sabia. Num depoimento prestado em novembro de 2005 dentro do Batalhão de Choque — por segurança, o detento foi retirado temporariamente do Complexo de Gericinó —, ele revelou os nomes de dois oficiais da PM que participaram do planejamento do assalto e deram cobertura à fuga do bando.

De acordo com o relato, detalhes do roubo foram acertados numa reunião às 22h30 da noite anterior, na Praça da Bandeira, a 3 quilômetros da Comlurb. O encontro teve a participação de cinco assaltantes e quatro PMs, que o preso identificou como o sargento Osvaldo Luis Maia Machado, o cabo Sérvulo Najar Ferreira Junior e os tenentes Ademilson Ornelas Emerick e Márcio Passos Gomes. Como estavam de serviço naquela noite, o tenente Passos e o cabo Najar, seu motorista, estavam fardados. A viatura caracterizada da PM usada por eles foi estacionada a poucos metros do grupo.

“ALÉM DE REVELAR A PARTICIPAÇÃO DOS PMS NO ROUBO, O ASSALTANTE TAMBÉM ACUSOU OS POLICIAIS CIVIS QUE PARTICIPARAM DAS PRISÕES DE FICAREM COM PARTE DO DINHEIRO DO ROUBO”

No encontro, o plano acordado foi repassado em detalhes. O sargento Machado, que na época estava licenciado da PM para tratamento de saúde, seria o responsável por assegurar o acesso ao prédio. Ele e outro PM — que deveria estar trabalhando, no momento do roubo, num posto de policiamento no Morro do Turano, também na Tijuca — tinham de tirar uma viatura da corporação do patrulhamento da cidade para ser usada na abordagem e rendição dos vigilantes. Em seguida, caberia aos civis da quadrilha entrarem na empresa com os dois furgões roubados dias antes e levarem os cofres do prédio até os carros.

Por fim, entrariam em cena os oficiais. Os dois tenentes tinham o papel de, segundo o depoimento, “dar cobertura para a fuga dos responsáveis pelo roubo dos caixas eletrônicos, monitorar as escutas dos rádios sintonizados com a frequência da PM, avisar quanto à presença de policiais militares e civis na área do evento criminoso e também garantir a rota de fuga contra eventuais abordagens ou operações policiais no caminho”. Passos e Emerick contavam com a estrutura da PM para a missão: o primeiro, na época, era coordenador do atualmente extinto Grupamento Especial Tático Móvel (Getam), responsável pelas rondas na Região Metropolitana.

De acordo com o preso, no momento em que trafegava pela Avenida Maracanã no volante de um dos furgões, viu “pelo retrovisor, a 100 metros, quatro viaturas do Getam” atrás do comboio. À sua frente, segundo seu relato, ia a viatura ocupada pelos dois tenentes. O assaltante também afirmou que houve risco de confronto entre as duas polícias no momento da abordagem: “Quando encontrava-se dominado e algemado ao chão, viu as patrulhas do Getam aproximarem-se dos veículos da DRF, com fuzis apontados para os policiais civis, tendo estes gritado que eram da DRF, dizendo para o comboio prosseguir”. Os PMs, no entanto, conseguiram escapar ilesos.

Ao longo do depoimento, o assaltante também enumerou uma série de outros roubos de caixas eletrônicos nos meses anteriores que teriam tido a participação da dupla de oficiais. Passos e Emerick teriam participado, segundo o preso, “de um roubo ocorrido na Zona Oeste, e outro no setor administrativo do Banco do Brasil, em Jacarepaguá, no início de 2004, e também realizaram o roubo na prefeitura de Maricá em 2003”. O ladrão disse que a participação dos oficiais nesses crimes havia sido confidenciada a ele por um comparsa que já havia cometido crimes com a dupla. O preso repetiu a mesma versão que deu à Corregedoria durante audiência na Auditoria Militar, um ano depois.

Além de revelar a participação dos PMs no roubo, o assaltante também acusou os policiais civis que participaram das prisões de ficarem com a maior parte do butim. Segundo o assaltante, o valor roubado da Comlurb “seria de R$ 800 mil a R$ 1 milhão” — muito mais que os R$ 24 mil que a DRF alegou ter apreendido. A maior parte da quantia, segundo o preso, estava no caixa-forte da Comlurb, que foi colocado pelos assaltantes na Sprinter. Os policiais civis alegaram, horas depois da abordagem, que o veículo teria conseguido romper o cerco. Possíveis crimes dos agentes da DRF denunciados pelo preso nunca seriam provados.

O major Marcelo Lourenço Barbosa (à dir.) foi expulso da PM, mas conseguiu voltar à corporação após decisão judicial. Depois do retorno, ele chegou a ser nomeado subcomandante de batalhão. Foto: Reprodução
O major Marcelo Lourenço Barbosa (à dir.) foi expulso da PM, mas conseguiu voltar à corporação após decisão judicial. Depois do retorno, ele chegou a ser nomeado subcomandante de batalhão. Foto: Reprodução
Em depoimento, os dois tenentes negaram ter qualquer participação no roubo. Passos confirmou que estava trabalhando na noite do dia 7 e afirmou que voltava para casa no momento em que o comboio de assaltantes entrava na Avenida Maracanã. Disse que tudo não passava de uma coincidência. Emerick disse que estava de folga, em casa, e não havia mantido contato com Passos. A Corregedoria, entretanto, conseguiu comprovar, por meio da quebra de seus sigilos telefônicos, que os dois não pararam de se comunicar durante as horas em que o roubo era concretizado: ao todo, os celulares de ambos registraram 14 ligações de um para o outro durante a madrugada.

A abundância de provas contra a dupla acendeu o alerta da Corregedoria, afinal “fortes eram os rumores na corporação sobre o envolvimento de oficiais, em torno de 25 agentes, em roubos e furtos de caixas eletrônicos, fartamente mencionados em Disque-Denúncias e Relatórios de Inteligência”, segundo o relatório de uma das investigações contra o grupo. A fama da quadrilha era tanta que, à boca pequena, o bando era conhecido dentro da PM como “Bonde dos Primeiros”, já que, à época, todos eram primeiros-tenentes. Os corregedores, então, passaram a fazer uma devassa nos oficiais mais próximos de Passos e Emerick.

Descobriram que dois outros tenentes que foram contemporâneos da dupla no Curso de Formação de Oficiais exerciam funções importantes naquela madrugada e poderiam ter agido para evitar o roubo. Ambos eram colegas de turma de Passos — Emerick é um ano mais “moderno”, como se diz no jargão policial — e um deles era seu subordinado naquela madrugada. Apesar de não estar sequer escalado para trabalhar na madrugada do roubo, o tenente André Balthar trocou com um colega para ocupar o posto de responsável por comandar as viaturas do Getam na região da Tijuca naquele horário. Como coordenador, seu colega Passos tinha de circular por toda a cidade para fiscalizar as patrulhas do grupamento, que ficavam espalhadas por vários bairros. Em depoimento, Balthar disse que encontrou Passos nas imediações do local do roubo por volta das 2 horas. O coordenador estava indo para casa ao final do expediente e pediu para que as viaturas do Getam o acompanhassem até que saísse do bairro. Balthar obedeceu à ordem e determinou que um comboio seguisse a viatura de Passos quando viu dois furgões entrarem na sua frente na Avenida Maracanã. Novamente, a versão de que tudo não havia passado de uma coincidência.

O outro colega de Passos e Emerick de serviço naquela madrugada era o então tenente Hudson Souza. Lotado no batalhão responsável por patrulhar a área do roubo, o 6º BPM (Tijuca), Souza estava escalado para circular pelo bairro supervisionando os pontos de patrulhamento da região. Um desses locais, onde uma viatura com dois soldados deveria estar baseada durante toda a madrugada, era justamente a esquina da Rua Major Ávila, a poucos metros da Comlurb. De última hora, no entanto, o supervisor ordenou, sem maiores explicações, que seus subordinados deveriam deixar o local e ocupar outro ponto, a 4 quilômetros de distância. A mudança foi relatada pelos próprios soldados, em depoimento. Na hora do roubo, não havia policiamento na esquina.

Ao final do IPM, os quatro oficiais foram denunciados à Justiça pelo Ministério Público. Outro oficial egresso das turmas de 1998 e 1999 da Academia, no entanto, também foi acusado de roubo de um caixa eletrônico naquele mesmo ano. Um quinto integrante da turma havia sido apontado, apenas duas semanas antes do ataque à Comlurb, como um dos autores de um crime bastante parecido: o roubo dos cofres do Banco Real da Rua General Polidoro, em Botafogo, na Zona Sul, por volta das 4 horas do dia 27 de maio de 2004. O modus operandi dos criminosos era praticamente idêntico ao usado na Tijuca: havia relatos de testemunhas sobre o uso de um furgão para que os cofres fossem levados e também sobre a participação de pelo menos uma viatura da PM no crime. Na manhã seguinte ao roubo, um oficial lotado no batalhão responsável pelo patrulhamento da região, o 2º BPM (Botafogo), denunciou a seu comandante que foi cooptado para participar do assalto por um colega de farda: o então tenente Marcelo Lourenço Barbosa, da mesma turma que o também tenente Emerick.

Por escrito, o policial alegou que, na véspera, estava de serviço, circulando pela região patrulhada pelo batalhão, quando foi contatado, por telefone, por Lourenço, que era lotado no batalhão da Barra da Tijuca, o 31º BPM. Como o colega queria conversar pessoalmente, marcaram um encontro no Largo do Machado por volta das 17 horas. No local, Lourenço teria admitido “sua experiência na prática de roubos e furtos de caixas eletrônicos, propondo, em seguida, que o oficial emprestasse remuneradamente seus serviços à associação criminosa para sua proteção e facilitação na rota de fuga”. Ainda de acordo com o oficial, Lourenço aventou também a possibilidade de que, se ele não quisesse participar da “escolta da rés furtiva, ao menos deveria ser afastado o policiamento previsto para o local para facilitar o crime”. O oficial rechaçou a proposta e a conversa foi encerrada.

Horas depois, já de madrugada, Lourenço, ainda segundo o relato do denunciante, foi à sede do 2º BPM e avisou ao oficial que, “mesmo sem o apoio pretendido, os integrantes da quadrilha estariam dispostos a levar adiante a empreitada criminosa”. O assalto ocorreria duas horas depois. Naquela madrugada, Lourenço deveria estar de plantão numa ocupação que a PM fazia na favela da Rocinha. No entanto, a investigação feita pela Corregedoria após a denúncia do oficial revelou que ele abandonou o serviço numa viatura que trafegou 186 quilômetros durante o plantão noturno. Até hoje, não se sabe ao certo onde Lourenço esteve naquele plantão: sem o conhecimento de seus superiores, ele trocou de motorista e viatura e passou a usar um carro da PM sem GPS. Durante uma acareação com o denunciante durante o inquérito, o tenente se justificou afirmando que, na verdade, procurou o colega de farda para propor “uma ação integrada entre ambos para reprimir uma quadrilha especializada em furtos de caixas eletrônicos”.

Em 21 de novembro de 2007, os já capitães Passos e Emerick foram condenados a 54 anos de prisão por facilitar o roubo à Comlurb. Também foram considerados culpados o sargento Osvaldo Machado, responsável pela captura dos vigilantes, e o soldado Sérvulo Ferreira Junior, motorista de Passos. Já os capitães Hudson Souza e André Balthar foram absolvidos por falta de provas pelo juiz Marcius da Costa Ferreira. Passos e Emerick entraram com uma série de recursos nas instâncias superiores e conseguiram diminuir suas penas duas vezes — primeiro, para 36 anos, em 2010, e depois, em 2015, para apenas nove anos. Em 2019, os dois receberam da Justiça o benefício do livramento condicional da pena, que permite o cumprimento da punição em liberdade.

Os dois saíram da cadeia e voltaram para a PM. Embora, em 2015, a Seção Criminal do Tribunal de Justiça do Rio (TJRJ) tenha determinado, por unanimidade, a expulsão de Passos e Emerick da corporação, como há recursos pendentes, ambos ainda são policiais militares e ganham seus salários em dia. Em abril passado, eles receberam, juntos, R$ 24 mil brutos dos cofres do estado. Ambos, hoje, estão lotados na Diretoria Geral de Pessoal, considerada a “geladeira” da PM. Já Balthar e Souza, após a absolvição, progrediram com suas carreiras na corporação e, hoje, são tenentes-coronéis.

“EM 2007, OS CAPITÃES PASSOS E EMERICK FORAM CONDENADOS A 54 ANOS DE PRISÃO. EM 2019, ELES PASSARAM A CUMPRIR A PENA EM LIBERDADE APÓS DECISÃO DA JUSTIÇA”

Marcelo Lourenço, apesar de não ter sido denunciado à Justiça pelo MP, chegou a ser expulso da PM por decisão do Órgão Especial do TJRJ, em 2010. Os desembargadores consideraram a conduta do agente no episódio do roubo em Botafogo incompatível com um oficial da PM: “A mera tentativa de cooptação de um militar por outro para a prática de um crime — tentativa que, no caso, realmente houve, como já se deixou patenteado — constitui em si mesmo motivo suficiente para punição exemplar”, escreveu o relator Manoel Alberto Rebêlo dos Santos. Lourenço, entretanto, recorreu da decisão e, em 2017, a 20ª Câmara Cível determinou a reintegração do oficial à PM. “Arquivado o inquérito policial, por insuficiência de provas, importa na sua volta aos quadros do serviço público”, escreveu a relatora do caso, desembargadora Marília de Castro Neves Vieira — que ficou conhecida nacionalmente depois de escrever numa rede social mentiras sobre a vereadora Marielle Franco.

Após voltar à corporação, Lourenço foi promovido a major e, em 2019, chegou ao cargo de subcomandante do batalhão de São Gonçalo, unidade de maior efetivo da PM. Atualmente, ele é lotado no Centro de Controle Operacional, órgão responsável pelo rádio da PM, que atua em conjunto com o atendimento 190 e é responsável por despachar viaturas para ocorrências. Em novembro do ano passado, o nome do oficial estava na lista enviada pela PM ao TJRJ como um dos oficiais “considerados aptos” a compor os Conselhos Permanente e Especial de Justiça, responsáveis por julgar PMs acusados de crimes na Auditoria Militar.

Procurada, a PM afirmou que Lourenço, Passos e Emerick tiveram seus portes de armas suspensos quando foram considerados culpados nos processos administrativos que determinaram suas expulsões. Como foi reintegrado por decisão judicial, Lourenço recuperou “sua condição de oficial da ativa sem restrições” e pode portar armas. Os outros dois aguardam a conclusão de seus recursos.

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