Relatos de cidadãos de países ricos e pobres revela desigualdade na pandemia

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Foto: César Ferreira

Pessoas que vivem em países ricos já aproveitam os benefícios coletivos da vacinação contra a Covid-19, enquanto moradores de nações pobres enfrentam incertezas diante de um alongamento da pandemia.

Para as já vacinadas Sheila Yogev, que vive em Israel, e Naiara Cother, moradora da Inglaterra, a vida vai começando a voltar ao normal. Com 15% da população mundial, países ricos concentram quase metade das vacinas disponíveis, e um terço de seus habitantes recebeu ao menos uma dose.

Mas Rosalito Guzmán, da Guatemala, e Tumi Motsoatsoa, da África do Sul, ainda esperam chegar a sua vez na fila da imunização. Nas nações pobres, a proporção de pessoas que receberam pelo menos a primeira dose é de apenas 0,2%.

Leia, abaixo, seus depomentos, sobre os impactos da desigualdade global no acesso à vacina.

Fui vacinada em janeiro. O sistema de saúde aqui em Israel é muito eficiente. Agora qualquer um pode se vacinar, até adolescentes de 16 anos.

A vacina fez uma grande difer ença para mim porque agora voltaram os abraços. Meus sogros moram aqui do lado e somos muito apegados a eles. Ficamos muito tempo sem vê-los, sem abraçá-los.

Tivemos lockdowns muito rígidos, você não podia visitar nem seu vizinho, só podia sair a 100 metros de casa.

Agora estamos tendo concertos, eventos, tudo com menos público, mas tem. As escolas reabriram, voltei a praticar esportes, as crianças voltaram para o futebol. Os restaurantes estão abertos, mas com distanciamento entre as mesas e com entrada só para pessoas vacinadas.

Algumas coisas vão permanecer mesmo com o fim da quarentena. A vida ficou mais caseira, menos consumista. Os parques nacionais, que antes eram entupidos de gente, agora estão com horário marcado de visitação.

O ruim é que em agosto vai fazer dois anos que não vejo minha família porque o Brasil está essa catástrofe. Queria que meus pais viessem, mas o país está fechado para brasileiros. Fiquei seis meses sem emprego, mas as questões financeiras a gente resolve. A distância é o pior de tudo.

Sheila Yogev, 47, operadora de turismo e produtora de TV, mora em Tzur Yitzhak, em Israel, país em que 59% dos habitantes já foram totalmente vacinados.

Tomei a vacina no ano passado ainda, na segunda semana de dezembro, como profissional de saúde na Inglaterra. Minha mãe, no Brasil, tem quase 60 anos e ainda não chegou a vez dela. Aqui estão vacinando pessoas de 30 e poucos anos.

No ano passado eu fui convocada para trabalhar na UTI de Covid-19, estava muito difícil. Agora mudou demais, não temos nenhum paciente na UTI do hospital. Voltamos a ter cirurgias eletivas, meu trabalho como anestesista está praticamente normal.

Continuamos em lockdown, mas estão abrindo cada vez mais coisas. Todo mundo está desesperado para sair, mesmo no frio as pessoas iam para a área externa dos restaurantes encontrar os amigos. Agora já podemos entrar nos restaurantes, viajar para alguns países, ir à casa um do outro.

Há um medo de termos um novo pico no verão por causa da variante indiana, mas, com a campanha de vacinação, deve ser moderado. A esperança é que no meio de junho a vida volte ao normal.

Não vejo a hora de viajar. Sinto muita falta de não ter que ficar pensando: ‘Será que a gente pode fazer isso? Será que é autorizado?’ Só quero voltar a não ter que me preocupar com isso mais. Mas a máscara acho que ainda vamos usar por muito tempo.

Naiara Cother, 29, médica, mora em Hereford, na Inglaterra, país em que 31% da população já foi totalmente vacinada.

Sou hipertensa, tenho mais de 60 anos e estou desesperadíssima, muito ansiosa mesmo para tomar a vacina na Guatemala.

Fui ao posto de saúde quatro vezes para ver se conseguia, peguei fila às 5h da manhã, levei carta do médico falando da minha doença, mas não quiseram me atender porque ainda não tinha chegado minha faixa de idade.

Só que eu sei de pessoas mais novas do que eu que foram vacinadas, então o sistema tem erros. Tivemos casos também de políticos que furaram fila e se vacinaram antes dos grupos prioritários.

Tenho pânico dessa doença. Esta noite me disseram que uma grande amiga está intubada, na UTI.

Tenho amigos que morreram de Covid. Minha prima e o marido dela foram infectados, ele morreu. O problema é que você nunca sabe como esse vírus vai se comportar se te contaminar.

Quero me vacinar porque quero ter a liberdade de sair, de ir a um supermercado que seja. Tenho dez irmãos e não consegui vê-los porque eles também estão se cuidando muito. Não pude ir à minha cidade, quando encontro alguém temos que manter distanciamento.

Ouvi dizer que na semana que vem vão vacinar pessoas da minha idade. Tomara. Serei a primeira da fila.

Rosalito Guzmán, 64, é advogada aposentada e mora na Cidade da Guatemala, país que vacinou apenas 0,01% da população com as duas doses.

Há uma extrema frustração aqui na África do Sul com o ritmo lento da vacinação. Eles ainda estão vacinando cidadãos com mais de 60 anos, não terminaram de vacinar os idosos .

Da minha família, só minha mãe, enfermeira, foi vacinada. Não tenho nem ideia de quando chegará minha vez.

Os hospitais não estão tão lotados como no ano passado, mas os números estão aumentando neste momento. Apesar disso, menos pessoas estão adotando as medidas preventivas, e há muito mais eventos sociais do que antes.

Estamos no nível 1 de restrições, o que significa que o país está aberto. Não há grandes exigências no momento, exceto termos que usar máscaras e higienizar as mãos.

Eu uso a minha máscara, lavo as mãos, trabalho de casa e limito minhas atividades sociais sempre que consigo.

Conheço cinco pessoas que morreram com essa doença, duas delas com menos de 60 anos. Não perdi amigos próximos, graças a Deus, mas uma pessoa que era minha colega de trabalho morreu. Era do mesmo setor que eu.

Ainda não pensei no que quero fazer depois que me vacinar porque acho que esse dia está distante demais. O que eu sei é que quero viajar para o exterior assim que isso for possível.

Tumi Motsoatsoe, 33, profissional de cultura, é de Joanesburgo, na África do Sul, país em que apenas 1% da população já foi totalmente vacinada.

Folha