Servidor do Ibama acusa Salles em depoimento à PF

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Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Autor de depoimento à Polícia Federal (PF) usado como uma das provas para embasar a Operação Akuanduba, que teve como alvos o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e o presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Eduardo Bim, o analista ambiental Hugo Leonardo Mota Ferreira reforça as acusações sobre a gestão do ministro.

Em entrevista ao jornal “O Globo”, o servidor público do Ibama denuncia o desmonte das políticas ambientais instituídas no “período Salles” e afirma que o ministro é um “amparador da devastação e da destruição”, em um ambiente de perseguição dos integrantes dos órgãos que atuam de maneira contrária aos interesses dele.

“Quem não fornece o parecer [pedido] de alguma forma é combatido, seja por perda de cargo, remoção forçada, perseguição por motivo fútil via Corregedoria ou auditoria ou expulso da sala de trabalho, que foi o que aconteceu comigo”, disse.

Hugo Ferreira procurou espontaneamente a PF depois de sofrer assédio e perseguição. Ele bateu à porta dos investigadores no dia 7 de maio, um dia após ter sido expulso da sala onde trabalhava em retaliação a uma nota técnica dirigida ao Tribunal de Contas da União (TCU) assinada por ele. O relato é um dos elementos presentes na decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que autorizou a operação contra Salles.

No depoimento à Polícia Federal, Hugo relatou ter sido intimidado dentro do Ibama por um assessor especial do gabinete de Salles após ter assinado a nota informativa na qual revelou a quase total paralisação do sistema de multas ambientais em todo o país a partir da criação de uma fase de “conciliação”. Esse procedimento retirou a autonomia dos fiscais criando uma fase intermediária de negociação com o responsável pela infração ambiental.

Leia abaixo alguns trechos da entrevista:

Por que decidiu procurar de forma espontânea a Polícia Federal para prestar depoimento sobre a pressão vivida por técnicos do Ibama?

Hugo Ferreira: Depois de todo o contexto de abuso de autoridade e assédio moral que vivenciei e presenciei, fui em busca dos órgãos responsáveis para que as providências cabíveis fossem tomadas. Meu relato chamou a atenção do delegado porque já havia o monitoramento dos movimentos do Ministério do Meio Ambiente desde a famosa frase do Salles na reunião com o [ex-ministro da Justiça Sérgio] Moro.

A reunião de 22 de abril de 2020, em que o ministro fala em “passar a boiada”?

Hugo Ferreira: Exatamente. Ele já estava colocando aquilo em prática um pouco antes na questão das madeiras. Em fevereiro, se você olhar o despacho interpretativo, ele vem acolhendo o parecer para alterar a fiscalização e abrandar as regras para a exportação das madeiras. E o presidente do Ibama permitiu dar difusão ainda maior a isso. Essa política estava em linha com o ministério, que a todo tempo orientava o Ibama. O nível de declaração que parte do ministro é um permissivo para se explorar mais à vontade a madeira, incentivando indiretamente a questão da intervenção florestal.

Como se dá a atuação de Salles nesse contexto?

Hugo Ferreira: Daquela revelação dele de “caneta parecer”, a frase esdrúxula de “deixar passar a boiada”, ele deixou claro que não quer nenhuma atuação de forma coerente com o Meio Ambiente, pelo contrário, ele é um amparador da devastação e da destruição. É bem isso. O que ele quer é adotar uma posição de omisso e que os servidores das instituições lastreiem isso em forma de parecer.

O que acontece com quem não “lastreia” a posição do ministro?

Hugo Ferreira: Quem não fornece o parecer de alguma forma é combatido, seja por perda de cargo, remoção forçada, perseguição por motivo fútil via Corregedoria ou auditoria ou expulso direto da sala de trabalho, que foi o que aconteceu comigo. De alguma forma a punição vem.

Quais são os impactos diretos da política adotada pelo MMA nos grupos que são fiscalizados?

Hugo Ferreira: Os colegas que estão mais em atividade em campo devem ter percebido uma ampliação na quantidade de infrações, na agressividade das pessoas que são fiscalizadas em campo, porque, de forma indireta, esses agentes [o ministro do Meio Ambiente e o presidente do Ibama] acabam atuando para abrandar as regras, os normativos, e as diretrizes institucionais de controle e fiscalização. E aí, no outro lado, é que você vê o efeito, diretamente na ponta. Mesmo com acompanhamento policial, as equipes de fiscalização são agredidas com objetos, e esse tipo de situação tem ocorrido mais nos últimos três anos.

A Polícia Federal afirmou ao STF que vê “fortes indícios” de que Salles esteja envolvido em um “grave esquema de facilitação ao contrabando de produtos florestais”. É do seu conhecimento que o ministro atue para beneficiar algum grupo específico?

Hugo Ferreira: Grupo específico eu não tenho como dizer, mas que ele é um cidadão contrário a uma atuação ambiental voltada de fato para prezar pela sadia qualidade do meio ambiente e programas ambientais efetivos de proteção, ou de recuperação, é algo notório.

Um exemplo é a desconstrução do regramento da conversão indireta de multas. Essa medida previa executar projetos que foram selecionados para determinadas instituições ou pesquisadores com recursos de multas, por exemplo, na recuperação de nascentes, áreas de preservação permanente. O período Salles desconstrói isso. Esse programa foi trocado por um fundo que receberia os valores e projetos seriam selecionados. Mas o ministro não conseguiu implementar o fundo e não acolheu nenhum projeto selecionado. Ele travou uma política pública e não trouxe benefício efetivo ao meio ambiente.

O senhor recebeu pedidos para assinar ou dar pareceres que seriam ilegais?

Hugo Fereira: Ilegais, não. Mas me pediram para analisar processos, proferir opinião técnica sobre determinados temas, e aí em algumas ocasiões não era do agrado do que a alta administração queria. Sofri repreensões, porque não deveria ter validado determinado documento, no teor que eu validei, deveria ter mostrado antes a minuta para eles decidirem o que seria feito.

Qual é a sua expectativa sobre a investigação da Operação Akuanduba?

Hugo Fereira: O que eu espero é que eles, Salles e Bim, recebam punição compatível com os delitos e demais danos que eles cometeram e que sirva de exemplo para outros que venham a ocupar a pasta. Que (os sucessores) não pensem em repetir o mesmo tipo de postura, e nem caiam nessa linha infeliz do presidente Jair Bolsonaro, de olhar a instituição ambiental como mero entrave ao país, ou algo inutilizável, desrespeitando a nossa Constituição.

Por quanto tempo o senhor trabalhou no Ibama?

Hugo Fereira: Eu entrei em 2009, trabalhando com a fiscalização da Amazônia, no norte de Mato Grosso. Depois trabalhei em Sinop (MT), lavrando autuações, fiscalizando empreendimentos madeireiros da área de garimpo, queimadas. E, de um tempo para cá, trabalho com julgamento de processos, construção de normas. Tenho 11 anos de Ibama e fui expulso da sala sem nenhuma investigação criminal, sem nenhuma falta ou penalidade. Numa linguagem popular, é estranho ver um jogador ser expulso de campo sem levar cartão vermelho.

Valor  Econômico