Aras e lavajatistas do Rio se estranham

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Foto: Agência O Globo

Depois de anos de parceria em investigações no Rio, há um rompimento em curso na relação entre a Procuradoria-Geral da República (PGR) e os antigos integrantes da Lava-Jato do Rio, atualmente lotados no Grupo de Atuação de Combate ao Crime Organizado (Gaeco).

O que causou o atrito foi a proposta de delação premiada do advogado Nythalmar Dias Ferreira Filho, aprovada pela PGR e ainda aguardando homologação do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Em sua colaboração, Nythalmar, que advogou para nomes como os empresários Fernando Cavendish e Artur Soares Filho, questiona métodos supostamente ilegais da operação no Rio.

Em nota após a revelação de que a PGR aceitou a delação de Nythalmar, a antiga força-tarefa da Lava Jato considerou “surpreendente que a Procuradoria-Geral da República tenha celebrado acordo de colaboração com Nythalmar Dias Ferreira Filho, figura conhecida por distorcer a realidade de fatos para obter benefícios pessoais”. Procuradores fluminenses se consideram traídos pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, e sua sub, Lindôra Araújo.

Além disso, o grupo pediu a revogação da portaria que o investia de poderes para investigar o conteúdo da delação de José Carlos Lavouras, ex-presidente da Fetranspor, já homologada pelo ministro Félix Fischer, do STJ. O acordo de Lavouras lista oito desembargadores (um deles aposentado), um juiz e um promotor do Rio supostamente agraciados com propinas para favorecer nas sentenças as empresas de ônibus. Aras não aceitou o pedido dos procuradores e, agora, eles querem ir pessoalmente a Brasília, para reafirmar o pedido de encerramento da parceria.

Como a PGR não conta com estrutura própria para conduzir todas as investigações de figuras com foro no Rio, as medidas costumam ser confiadas aos procuradores da República de primeiro grau. Entre 2020 a 2021, as duas operações mais relevantes da parceria PGR e Lava-Jato foram a “Tris in Idem”, que resultou no impeachment do ex-governador Wilson Witzel, e “Mais Valia”, responsável pela prisão de quatro desembargadores do trabalho. No total, foram seis operações do gênero, todas desenvolvidas por equipes do Rio.

Nythalmar resolveu procurar a PGR após ser alvo de investigação do Ministério Público Federal (MPF) por suspeita de usar o nome do titular da 7ª Vara Federal Criminal do Rio, Marcelo Bretas (responsável pela Lava-Jato fluminense) e dos procuradores da República da força-tarefa da Lava Jato no Rio para angariar clientes oferecendo facilidades a alvos da operação. Ele chegou a ser alvo de mandados de busca e apreensão cumpridos pela Polícia Federal (PF) no dia 23 de outubro de 2020.

No mês seguinte às buscas, o diretor administrativo da 7ª Vara Federal do Rio, Fernando Antonio Serro Pombal, relatou em depoimento à PF ter recebido mensagens e telefonema anônimos com ameaças a Bretas e com recado para arquivamento da investigação. Investigações da PF, com a quebra do código Imei (identidade internacional) do celular de Nythamar, demonstraram que as tentativas de intimidação haviam partido do telefone do advogado, que para fazê-las havia trocado de chip, mas não de aparelho. O risco de prisão, que seria a consequência natural do inquérito, teria encorajado Nythalmar a buscar uma blindagem por intermédio de delação.

São muitos os elementos apresentados pela delação de Lavouras que, por ora, não teve consequências no Rio devido ao rompimento das relações entre PGR e procuradores. O pagamento de propinas em troca de decisões judiciais favoráveis a empresas de ônibus é visto como um duradouro esquema de corrupção fluminense, em curso desde 1989. Por ser atribuição do STJ, a responsabilidade pelo inquérito é da PGR, que mais uma vez havia pedido a colaboração dos colegas do Rio.

De acordo com o relato de Lavouras, que se encontra foragido em Portugal e negocia o retorno ao Brasil, a Fetranspor fez repasses a desembargadores responsáveis por decidir ou votar em casos considerados importantes para o setor dos transportes coletivos. A orientação para os pagamentos, segundo ele, partia do “conselhinho”, um conselho informal da organização, composto pelo próprio Lavouras, então presidente da entidade, e outros três empresários.

Procurado pelo GLOBO, Nythalmar Dias encaminhou uma nota: “Sobre as matérias veiculadas na mídia sobre minha pessoa, tenho a informar que tramitou junto à 3ª Vara Federal inquérito cujos procedimentos foram por mim questionados junto ao STJ, via reclamação, cujos desdobramentos se encontram sob sigilo, no aguardo das providências que a justiça entender pertinentes”.

Após a delação de Lavouras, a Fetranspor afirmou que “as notícias recentes referem-se a fatos supostamente ocorridos antes da posse da nova diretoria executiva” da entidade.

O Globo