Armamentistas pró-Trump viram réus por invasão ao Capitólio

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Foto: Jim Lo Scalzo/EFE

Promotores federais americanos indiciaram por conspiração, na quinta-feira (10), seis homens da Califórnia que teriam vínculos com um movimento radical em defesa do direito às armas conhecido como Three Percenters —eles foram acusados de conspirar para atacar o Capitólio em 6 de janeiro.

São as primeiras acusações criminais formalizadas contra envolvidos no planejamento dos atos políticos promovidos na semana do ataque.

Apresentado em um texto de 20 páginas, o indiciamento foi também o primeiro registrado contra um grupo de supostos participantes do Three Percenters, um movimento que deriva seu nome dos supostos 3% da população colonial americana que combateu os britânicos.

Registradas na Corte Distrital Federal de Washington, as novas acusações foram formalizadas no mesmo dia em que o diretor do FBI, Christopher Wray, em depoimento perante um comitê da Câmara, disse que promotores estão movendo outras acusações de conspiração contra alguns dos invasores do Capitólio.

Investigadores vêm dizendo há meses que vários grupos extremistas tiveram envolvimento no ataque. Mas, enquanto os Three Percenters foram mencionados ocasionalmente em documentos judiciais, a maioria dos extremistas acusados faz parte de duas outras organizações: a milícia Oath Keepers e o grupo nacionalista de extrema direita Proud Boys. As novas acusações criminais podem sugerir que os promotores começaram a voltar sua atenção não apenas àqueles que participaram diretamente do ataque ao Capitólio, mas também aos que ajudaram a fomentar o ataque.

Os dois réus principais abrangidos no indiciamento são Alan Hostetter, 56, ex-chefe de polícia que depois se tornou instrutor de ioga, e Russell Taylor, 40, designer gráfico que aprecia automóveis Corvette vermelhos. Eles já estavam sendo investigados pelo governo desde que o FBI revistou suas casas, em janeiro.

Hostetter e Taylor eram líderes de um grupo intitulado American Phoenix Project, fundado para combater a “tirania baseada no medo” das restrições ligadas ao coronavírus. O grupo mais tarde aderiu às mentiras do ex-presidente Donald Trump sobre uma eleição fraudada, ajudando a organizar um comício com grande número de presentes promovido diante da Suprema Corte em 5 de janeiro, no qual os oradores incluíram Roger Stone, um ex-assessor de Trump.

No entanto, não obstante a atenção voltada a eles pelos órgãos policiais, a imprensa e seus vizinhos em Orange County, nem Hostetter nem Taylor haviam sido vinculados publicamente ao Three Percenters até serem indiciados.

Segundo o texto do indiciamento, a partir de pouco após a eleição, Hostetter passou a utilizar o American Phoenix Project “para defender o uso de violência contra certos grupos e indivíduos que defenderam os resultados da eleição de 2020”. No final de novembro, por exemplo, ele postou um vídeo no canal da entidade no YouTube em que acusou de traição à pátria aqueles que não contestavam os resultados da eleição. “Algumas pessoas do mais alto escalão precisam ser feitas de exemplo, com uma execução ou três”, disse.

No mês seguinte, num ato público em Huntington Beach, na Califórnia, Hostetter fez um discurso em que reiterou suas ameaças de morte às pessoas que duvidavam que Trump tivesse vencido. “A execução é o castigo justo para os líderes deste golpe”, ele teria dito, conforme o texto do indiciamento.

Os promotores disseram que Hostetter, Taylor e alguns de co-réus –entre os quais Derek Kinnison, 39, Felipe Antonio Martinez, 47, e Erik Warner, 45— usaram mensagens de texto, Facebook e o aplicativo Telegram para planejar sua participação no ataque ao Capitólio. Mais de 30 pessoas teriam participado de um grupo no Telegram intitulado “Brigada de Patriotas da Califórnia em DC”, um canal que Taylor descreveu como sendo destinado a “indivíduos fisicamente aptos que vão para [Washington] DC em 6 de janeiro” e que estão “preparados e dispostos a lutar”.

No dia 1º de janeiro, segundo promotores, Taylor transmitiu uma mensagem no grupo pedindo a seus membros para informarem se tinham alguma formação militar ou policial. “Estou supondo que vocês possuam armas de algum tipo que vão levar”, disse.

Hostetter e Taylor emergiram no ano passado como estrelas ascendentes do ressurgimento da extrema direita no sul da Califórnia. Ambos parecem ter sido radicalizados no início da pandemia e ajudaram a liderar uma nova geração de radicais que saiu das cidades litorâneas de Orange County, onde Richard Nixon converteu uma casa de frente para o mar em seu retiro presidencial e John Wayne mantinha ancorado seu iate, o Wild Goose.

A região foi um dos berços do movimento conservador moderno americano e de algumas de suas vertentes mais virulentamente racistas, antissemitas e paranoicas, como a John Birch Society nos anos 1960 e os grupos neonazistas e skinheads que se reuniam em seus locais de surfe duas décadas mais tarde.

Até o ano passado, Hostetter parecia muito distante desse passado histórico. Ex-militar e chefe de polícia, ele se radicou em San Clemente quase dez anos atrás e iniciou uma terceira carreira como guru de ioga, especializado em “cura sonora” com gongos, sinos tibetanos e didgeridus (instrumento de sopro dos aborígenes australianos). Era conservador, segundo pessoas que o conhecem, mas não mais do que muitas outras pessoas em San Clemente e na região.

Então veio a pandemia. Hostetter abandonou a ioga, declarou-se um “guerreiro patriótico” e fundou o American Phoenix Project. O grupo começou a organizar protestos e não demorou a atrair Russell Taylor. Sua lista de inimigos cresceu rapidamente, passando a abranger manifestantes do movimento Black Lives Matter, e em alguns momentos Hostetter pareceu aderir ao QAnon, o movimento conspiratório que alega falsamente que Trump combatia democratas adoradores do diabo e financistas internacionais pedófilos.

Promotores dizem que Derek Kinnison e seus correligionários do Three Percenter não ocultavam sua filiação no movimento e parecem ter feito planos para levar armas de fogo a Washington em 6 de janeiro. No dia 2 de janeiro Kinnison enviou mensagem de texto a Warner, Martinez e outro co-réu, Ronald Mele, 51, contendo uma foto que o mostrava usando um cinturão de munição para espingarda, segundo o texto do indiciamento.

De acordo com os promotores, depois de discursar no protesto diante da Suprema Corte em 5 de janeiro —“sou Russell Taylor e sou um americano livre”—, Taylor postou um vídeo num aplicativo de bate-papo criptografado mostrando armas e equipamentos diversos em cima de uma cama: um colete à prova de balas, duas machadinhas, um walkie-talkie, uma arma de eletrochoque e um facão. A legenda da foto dizia: “Me preparando para amanhã”.

Segundo o indiciamento, Taylor, usando e portando esses equipamentos, saiu do discurso de Trump em 6 de janeiro em marcha ao Capitólio na companhia de Hostetter e de outra pessoa identificada apenas como Pessoa Um. Segundo os promotores, Kinnison e seu grupo de Three Percenters chegaram ao prédio separados, e pelo menos um deles, Warner, o invadiu, passando por uma janela quebrada.

Os promotores não acusaram Hostetter ou Taylor de invadirem o Capitólio, mas alegam que os dois se juntaram a uma multidão enfurecida de manifestantes no terraço oeste inferior do prédio que passou por cima de uma linha de defesa de policiais.

“Passei o dia todo avançando em meio a traidores”, escreveu Taylor no Telegram às 18h18 daquele dia, segundo os promotores. “NÓS INVADIMOS O CAPITÓLIO! A liberdade foi plenamente demonstrada hoje.”

Folha