Assassinato de PC Farias completa 1/4 de século sem solução

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Foto: Reprodução

Perícias técnicas divergentes, inquérito policial anulado, guerra de versões na imprensa, ameaças a membro do júri e, no fim, nenhum condenado.

Passados 25 anos, as mortes do empresário Paulo César Farias, peça-chave do escândalo de corrupção que levou à queda do ex-presidente Fernando Collor em 1992, e de sua namorada, Suzana Marcolino, seguem sem respostas.

Na madrugada do dia 23 de junho de 1996, em Gaxuma, litoral norte de Maceió, os dois foram encontrados mortos, com um tiro no peito cada, na cama de casal da casa de veraneio de PC Farias, como era conhecido o tesoureiro da campanha vitoriosa de Collor à Presidência em 1989.

Familiares de Suzana, mesmo com o caso definitivamente encerrado na esfera judicial desde 2019, ainda têm esperança numa reviravolta que provoque a reabertura das investigações.

“A gente tem receio de mexer com isso sim. Nunca tivemos advogado. Mas eu acho que um dia alguém pode ter a consciência do que a gente passa e resolver contar o que realmente aconteceu. Tenho essa esperança”, diz a jornalista Ana Luiza Marcolino, irmã de Suzana.

Ela revela que a família precisou sair de Maceió por temer algum tipo de represália. “Tive que ir para Paraíba. Comprei uma casa em João Pessoa com o dinheiro do meu trabalho.”

Em maio de 2013, 17 anos após o crime que abalou a República, quatro policiais militares que faziam a segurança de PC Farias na casa de praia foram absolvidos por clemência.

Os jurados reconheceram a tese do Ministério Público de Alagoas de que se tratava de um duplo homicídio triplamente qualificado por omissão dos seguranças, que nada teriam feito para impedir os assassinatos. Os autores do crime, no entanto, nunca foram identificados.

Adeildo Costa dos Santos, Josemar Faustino dos Santos, José Geraldo da Silva e Reinaldo Correia de Lima Filho alegaram em interrogatório que uma terceira pessoa não havia entrado na casa.

Dois deles disseram, sem apresentar provas, que Suzana havia matado o namorado. Hoje, apenas um deles continua na ativa. Os outros três estão na reserva da Polícia Militar de Alagoas.

Na época, os policiais afirmaram que não escutaram os tiros porque havia muitos fogos naquela noite em razão da realização de festas juninas na região. Na versão apresentada, eles arrombaram a janela do quarto e encontraram os dois mortos.

Até hoje, não se sabe se houve um mandante. As primeiras investigações policiais, com base em laudo pericial assinado pelo médico-legista Fortunato Badan Palhares, da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), apontaram para crime passional.

Suzana, após um ano e quatro meses de namoro com PC Farias, teria comprado um revólver calibre 38, o matado e cometido suicídio em seguida porque ele supostamente queria terminar o relacionamento.

A defesa alegava que a compra da arma apontava que o crime havia sido premeditado. Por outro lado, a acusação insistia que Suzana adquiriu o revólver para defesa pessoal.

Outro ponto bastante questionado tinha relação com resíduos de pólvora encontrados apenas nas mãos de Suzana, o que indicaria que ela poderia ter atirado.

No julgamento, a defesa dos policiais militares destacou que a arma foi encontrada entre os dois corpos, o que embasava a suspeita de que os tiros eram do mesmo revólver.

A acusação, no entanto, apontou que a concentração de pólvora era maior na palma da mão de Suzana, o que indicaria que ela estava em posição de defesa.

Na madrugada do crime, Suzana deixou três recados na caixa postal do celular de um dentista em São Paulo, com quem se consultara na véspera. “Espero um dia rever você, nem que seja na eternidade”, disse.

Novas perícias técnicas desmontaram a investigação inicial da Polícia Civil de Alagoas e apontaram que se tratava realmente de um duplo homicídio e que Suzana havia sido esganada antes do assassinato. As investigações foram anuladas e outro inquérito foi aberto.

“Provei tecnicamente e digo novamente nesta entrevista que passional foi o inquérito. Não houve suicídio. Trata-se de um duplo homicídio. O governo estava protegendo a criminalidade”, diz o legista George Sanguinetti, que contestou na época a tese apresentada por Badan Palhares.

Ele chegou a ser condenado por calúnia após dizer que Palhares havia recebido R$ 400 mil para assinar o laudo. “Até hoje, esta condenação é uma medalha para mim”, declara. A Folha não conseguiu localizar Badan Palhares para entrevista.

Na sequência, outros exames técnicos assinados por diversos peritos também afastaram a hipótese de suicídio.

Sanguinetti, que é coronel reformado da PM e professor de medicina legal da Universidade Federal da Alagoas, teve que andar com proteção da polícia federal por mais de dez anos. “Eu sei como as coisas funcionam em Alagoas”, afirma.

Um novo relatório policial, após reportagens da Folha, demonstrou que a altura de Suzana era entre 1,53 m e 1,57 m, o que não a colocaria na trajetória da bala que supostamente teria disparado contra si.

A revelação mudou os rumos da investigação. Em 1999, os repórteres Mário Magalhães, Ari Cipola e Paulo Peixoto, da Folha, conquistaram o Prêmio Esso de Jornalismo pela série de reportagens.

Dois meses depois do crime, foram revelados pela Polícia Científica de Alagoas indícios de que houve luta corporal na sala da casa e que funcionários haviam mentido em relação ao arrombamento da janela para entrar no quarto.

Em 1999, o irmão de PC Farias, o então deputado federal Augusto Farias (PPB-AL), chegou a ser indiciado no novo inquérito como coautor do crime.

As investigações apontavam que as mortes estavam ligadas a um jogo de poder e dinheiro e que o político tinha vários desentendimentos com o irmão por questões financeiras.

No entanto, após parecer da Procuradoria-Geral da República afirmar que não havia provas nos autos contra o parlamentar, o STF (Supremo Tribunal Federal) encerrou o caso, e Augusto Farias não foi processado.

O esquema de corrupção no governo Collor que tinha PC Farias como pivô foi revelado pelo irmão do presidente, Pedro Collor. Em entrevista à revista Veja e, posteriormente na CPI montada no Congresso, ele revelou o esquema de tráfico de influência e movimentação de recursos no exterior.

De acordo com as denúncias, PC Farias cobrava propina de empresários interessados em contratos do governo e depositava o dinheiro em contas fantasmas. Pedro Collor afirmou que o irmão era beneficiado e tinha contas pessoais pagas pelo esquema.

PC Farias teve a prisão preventiva decretada em janeiro de 1993, mas fugiu e só foi capturado cinco meses depois, em um hotel de luxo em Bancoc, na Tailândia.

Em dezembro de 1994, o Supremo confirmou a condenação do ex-tesoureiro a sete anos em regime semiaberto por falsidade ideológica em relação às contas fantasmas.

Um ano depois, ele passou a cumprir pena em regime aberto. Em 1996, PC Farias iria prestar depoimento no STF sobre o esquema de corrupção que operava no governo Collor.

Ouvido pela Folha, o advogado José Fragoso Cavalcanti, que defendeu Augusto Farias e os policiais militares, diz que o crime está solucionado.

“Já se chegou ao que ocorreu. Suzana matou Paulo César e cometeu suicídio. É a única verdade que existe em tudo isso. O resto é ficção. Tudo foi criado em função do personagem que Paulo César Farias representava. Os autos estão repletos de provas.”

Além de apontar a compra do revólver por Suzana, ele diz que PC Farias já dava demonstrações de que não continuaria com o relacionamento amoroso.

Aponta também que extratos bancários demonstravam que Suzana estava repleta de dívidas e que o empresário não mais sanava os problema financeiros da namorada.

Lembrado que a Justiça refutou, em 2013, a tese de homicídio seguido de suicídio, o advogado afirma que a redação complexa dos quesitos dificultou o entendimento dos jurados.

“Até a tese do Ministério Público era difícil de entender. Alguém entrou ali, fez aquilo, e todas as pessoas que estavam na casa deixaram fazer. Era isso que eles diziam”, comenta.

Marcus Mousinho, promotor que atuou no tribunal do júri, destaca que foi imputado aos policiais que faziam a segurança o crime de duplo homicídio doloso pelo fato de eles terem sido omissos.

“Os jurados reconheceram que eles podiam ter evitado o resultado das mortes sim. Mas, quando foi para absolver, absolveram”, relembra.

Mousinho reconhece que esse tipo de acusação prejudicou o entendimento do júri. “Dificultou muito esse tipo de acusação no tribunal do júri. Os leigos não são muito habituados a lidar. Não é que os seguranças efetuaram os disparos. A correlação é de que eles não impediram, seja Suzana ou seja qualquer outra pessoa.”

O promotor afirma que o caso está encerrado e já não tem esperança de que algo novo possa provocar a reabertura dos trabalhos. Ele ressalta que um ponto crucial para não se ter respostas até hoje sobre a autoria foi a não preservação da cena do crime.

“O trabalho da polícia foi bem prejudicial para o desenvolvimento do processo. Sujou a cena do crime. Modificou tudo ali e não teve mais como você fazer o levantamento, o que ensejou perícias para todo lado. Cada um dizendo uma coisa diferente”, afirma.

Mousinho diz que não pode confirmar se a polícia atuou de maneira intencional ao não preservar o local. “Acho que deveria ter havido uma investigação sobre trabalho policial.”

CRONOLOGIA DO CASO
23.jun.96
PC Farias e Suzana Marcolino são encontrados mortos com um tiro no peito cada na casa de praia dele em Guaxuma, litoral de Maceió

10.ago.96
Perícia técnica assinada pelo legista Badan Palhares aponta que PC Farias foi morto pela namorada, que cometeu suicídio em seguida

28.ago.97
Novo laudo encomendado pela Justiça de Alagoas diz não ter evidências técnicas de que Suzana havia matado PC Farias. A perícia apontava que Suzana media 1,57 m. Desta forma, o tiro que a matou teria atingido o rosto ou passado sobre o ombro e não o peito

24.mar.99
Promotoria anuncia nova investigação, reconstituição das mortes, inquirição de Badan Palhares e de novas e antigas testemunhas

​11.mai.99
O inquérito é reaberto

2.jun.99
Quatro ex-seguranças de PC Farias são presos por ordem da Justiça de Alagoas e indiciados como coautores das mortes

7.jun.99
Por meio de liminar (decisão provisória), os ex-seguranças são libertados

20.ago.99
Polícia Científica de Alagoas aponta que houve luta na sala da casa e que os seguranças mentiram ao contar que tinham arrombado a janela do quarto onde estavam os corpos

19.nov.99
O então deputado Augusto Farias, irmão de PC Farias, é indiciado por coautoria do crime

19.jan.00
Promotoria denuncia oito ex-funcionários de PC Farias como participantes do crime

13.nov.02
A pedido da Procuradoria-Geral da República, STF arquiva inquérito criminal contra Augusto Farias

11.mai.13
Jurados concluem que casal foi assassinado, mas absolvem os quatro seguranças que estavam na casa

17.mai.13
Promotoria alega que houve ameaça a um familiar de uma das juradas e pede anulação do júri

dez.18
Tribunal de Justiça de Alagoas nega recurso do Ministério Público para anular júri

abr.19
Justiça de Alagoas determina cumprimento da sentença de absolvição e caso é encerrado

Folha