Bolsonaro inventou “fortes indícios” a favor da cloroquina

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Foto: Dida Sampaio/Estadão

É falso que a Universidade de Oxford tenha encontrado “fortes indícios” da eficácia da ivermectina contra a covid-19. Essa alegação feita pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) a apoiadores nesta quarta, 23, tira de contexto o anúncio feito pela universidade de que vai testar a eficácia do medicamento contra o novo coronavírus.

“Vocês viram que Oxford encontrou fortes indícios de que ivermectina realmente previne ou no primeiro momento é salutar e começaram a estudar com mais profundidade a ivermectina”, disse Bolsonaro. Um vídeo com a fala do presidente foi vista ao menos 171 mil vezes no canal Foco do Brasil e compartilhado 741 vezes no Facebook.

É verdade que a universidade inglesa testará a eficácia da ivermectina no tratamento não hospitalar da covid-19. Contrariando Bolsonaro, a instituição disse que os estudos existentes com seres humanos que teriam apontado contribuição para a recuperação dos doentes são “pequenos”. Além disso, a universidade falou em recuperação, não em prevenção com o remédio.

“Embora a ivermectina seja usada rotineiramente em muitos países, há pouca evidência de grandes estudos clínicos randomizados e controlados que demonstrem que ela pode acelerar a recuperação ou reduzir hospitalizações”, diz a nota de Oxford.

Pesquisador-chefe do estudo, o professor Chris Butler, do Departamento de Ciências de Saúde de Atendimento Básico, disse que a droga tem sido usada contra a covid-19 em alguns países por causa de “resultados preliminares promissores em alguns estudos”. “Ao incluir a ivermectina em um estado de larga escala, esperamos produzir evidências robustas que digam se a ivermectina é eficaz contra a covid-19 e se há benefícios ou malefícios em seu uso”, acrescentou ele.

A ivermectina é um remédio para parasitas como piolho e sarna. Ela entrou na mira de Oxford porque já apresentou capacidade de eliminar a replicação do Sars-CoV-2 em laboratório. Como mostrou o Estadão Verifica, essa é a primeira de uma série de etapas necessárias para se provar a eficácia de um medicamento e por si só não serve de evidência. Isso porque é necessário analisar qual o desempenho do remédio em contato com o metabolismo e se ele é eficaz em doses seguras para o ser humano.

A agência europeia de medicamentos (EMA) revisou a literatura científica sobre o medicamento e disse não haver evidências que provem sua eficácia contra a covid-19. O mesmo posicionamento tomou a agência de alimentos e medicamentos dos Estados Unidos (FDA), alertando que recebeu relatos de pessoas hospitalizadas após ingerirem ivermectina autorizada apenas para uso em animais.

A Organização Mundial da Saúde (OMS), a Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa) e o Ministério da Saúde não recomendam o uso da ivermectina fora do estipulado em bula (doenças parasitárias) ou fora de ensaios clínicos controlados.

O estudo com a ivermectina será feito dentro do programa Principle, que faz ensaios clínicos randomizados com possíveis fármacos contra o coronavírus. Ele é financiado pelo governo britânico na busca por tratamentos não hospitalares para a covid-19.

A ivermectina é o sétimo remédio testado. Em abril, o estudo encontrou evidências de que o spray nasal budesonida, usado para asma e rinite não infecciosa, reduziu em três dias o tempo de hospitalização dos pacientes. Por isso foi incluído no protocolo clínico do Reino Unido.

Outro medicamento não teve a mesma sorte. Em janeiro, o estudo não encontrou benefícios do antibiótico azitromicina contra o coronavírus. A azitromicina até hoje figura em postagens nas redes sociais brasileiras que promovem o “kit covid”, um conjunto de medicamentos sem eficácia comprovada contra a covid-19.

O Estadão Verifica fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus disponíveis no dia 24 de junho de 2021. Leitores solicitaram a checagem deste conteúdo pelo WhatsApp, 11 97683-7490.

A reportagem entrou em contato com o Palácio do Planalto, mas não recebeu resposta até a publicação desta checagem.

Estadão