CPI interrogará hoje médica que quis pôr covid na bula da cloroquina

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Foto: Pedro Ladeira/Folhapress

A cúpula da CPI da Covid do Senado quer que a médica Nise Yamaguchi diga à comissão como conheceu Jair Bolsonaro, dê detalhes das reuniões com o presidente e explique o episódio de tentativa de mudança na bula da hidroxicloroquina.

O depoimento da médica na comissão está marcado para esta terça-feira (1º). Oncologista e imunologista, Nise é defensora do uso da hidroxicloroquina e da cloroquina, remédios sem comprovação de eficácia no tratamento contra a Covid-19, e se tornou conhecida pela proximidade com o governo.

O comando do CPI quer que ela esclareça exatamente como se aproximou de Bolsonaro a ponto de virar uma espécie de conselheira e quais de suas recomendações foram acatadas ou não pelo presidente.

Uma das linhas de investigação da CPI é a existência de um gabinete paralelo que dá orientações e ajuda a formular políticas de combate da pandemia do governo à revelia do Ministério da Saúde e de recomendações sanitárias.

Nise seria uma das integrantes desse grupo, do qual também faria parte o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ).

Segundo relatos à CPI do ex-ministro Luiz Henrique Mandetta (Saúde) e do presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres, a médica estava em uma reunião no Palácio do Planalto no ano passado quando foi apresentada a ambos uma proposta de decreto que visava alterar a bula da hidroxicloroquina.

A intenção era recomendar o uso do medicamento no tratamento da Covid-19. Nise participou de ao menos quatro encontros no Planalto, de acordo documentos entregues à comissão.

Como mostrou a Folha na semana passada, em um deles, em abril do ano passado, tratou sobre hidroxicloroquina. O presidente chegou a fazer postagens sobre a médica nas redes sociais para falar sobre o medicamento.

Os senadores do grupo majoritário da comissão, formado por congressitas de oposição e independentes, querem focar o depoimento na participação da médica no chamado gabinete paralelo.

O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), contou na comissão que Nise chegou a ir ao gabinete dele pedir para ser ouvida no colegiado depois que governistas fizeram requerimentos para que ela fosse ao órgão.

“A informação que eu tenho sobre a Nise é que ela é uma pessoa que tem suas crenças, mas fala a verdade, não vai mentir. Espero que ela fale a verdade. Ela precisa esclarecer as reuniões com o presidente e o decreto da cloroquina, por exemplo”, disse Aziz à Folha.

Uma preocupação de senadores, porém, é tentar evitar que a oitiva se transforme numa discussão a respeito da eficácia do medicamento defendido por Nise. “Não vou entrar nessa questão da cloroquina, até porque ela é uma especialista e eu não sou”, disse Aziz.

O senador Otto Alencar (PSD-BA), que é médico, também reforça que a oncologista foi chamada à comissão por causa da investigação de existência do gabinete paralelo, e não pela defesa do tratamento precoce.

“Ela vai colocar a posição dela. Me parece que ela é uma pessoa que tem lá as suas convicções. Nós discordamos, mas não podemos levar a CPI para um debate sobre se a hidroxicloroquina funciona ou não funciona, se a opinião da OMS, dos grandes institutos é que não funciona”, afirmou Otto.

A médica já esteve envolvida em polêmicas não só por sua posição a respeito da cloroquina. Nise foi afastada da sua posição no corpo clínico do Hospital Israelita Albert Einstein em julho do ano passado após dar declarações em que comparava o medo da pandemia de Covid-19 ao sentimento das vítimas do Holocausto.

“O medo é prejudicial para tudo […]. Te paralisa, te deixa massa de manobra. Você acha que alguns poucos militares nazistas conseguiriam controlar aquela massa de rebanho de judeus famintos se não os submetessem diariamente a humilhações, humilhações, humilhações, tirando deles todas as iniciativas? Quando você tem medo fica submisso a situações terríveis”, disse em entrevista à TV Brasil em 5 de junho de 2020.

À época Nise atribuiu a suspensão ao fato de defender o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina contra a Covid-19.

Além da médica, a previsão é que a comissão ouça nesta quarta-feira (2) o depoimento da médica Luana Araújo. Ela chegou a ser anunciada pelo titular da Saúde como secretária especial de Enfrentamento da Covid, mas teve sua indicação retirada.

Inicialmente, estavam previstos para esta quarta o depoimento de quatro especialistas para debater medidas de combate da pandemia, entre eles o uso da cloroquina defendido sem base científica por Bolsonaro. O presidente Omar Aziz decidiu antecipar a oitiva de Luana Araújo.

Senadores do grupo majoritário iam debater na noite desta segunda-feira (31) como ficará o calendário das próximas sessões. Congressistas querem convocar logo o ministro Marcelo Queiroga (Saúde) para prestar novo depoimento.

O presidente da CPI quer primeiro ouvir Luana, para colher a versão dela sobre a saída do ministério, e em seguida confrontar Queiroga com o argumento.

A CPI completou um mês de funcionamento na semana passada. De lá para cá, foram realizadas 13 sessões, tomados dez depoimentos e quase 600 documentos recebidos para a análise.

Folha de S. Paulo