Enquanto EUA faturam com maconha, Brasil fica preso ao preconceito

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Foto: Luke Dray/Getty Images

Amazon anunciou a decisão de apoiar a aprovação de uma lei para legalizar a maconha nos Estados Unidos. Dave Clark, um dos principais executivos, fez um comunicado público sobre essa “atualização da visão” da empresa.

Clark foi além: informou que a empresa resolveu mobilizar seus recursos de lobby em políticas públicas para influenciar o Congresso dos EUA a votar, no segundo semestre, a favor do projeto de liberação e estímulo ao investimento e comércio de produtos derivados da Cannabis sativa, conhecido como Lei de Oportunidades da Maconha (“More”, na sigla em inglês).

É um peso-pesado entrando no ringue político. Líder em comércio eletrônico, computação em nuvem, streaming e inteligência artificial, a Amazon deve somar um milhão de empregados contratados em agosto. Suas ações têm valor de mercado (US$ 1,7 trilhão) maior que toda a riqueza produzida pelo Brasil no ano passado (US$ 1,4 trilhão).

Os EUA estão empenhados em avançar na hegemonia de produtos de maconha — das fibras aos remédios. Dias atrás, a Câmara que é controlada pelo Partido Democrata aprovou a abertura do sistema financeiro às empresas com operações legalizadas na cadeia de produção da Cannabis sativa.

A lei (Safe Banking Act), que agora está no Senado, legitima transações de rotina, como contas correntes, folhas de pagamento e linhas de crédito, e também suprime obstáculos que existiam no acesso ao mercado de capitais.

O efeito Amazon foi imediato. Pouco depois do comunicado da Amazon, na manhã de ontem, as ações de empresas como Canopy Growth, Cronos Group, Tilray e Hexo subiram até 1,5% em negociações prévias à abertura do mercado financeiro. Negócios com papéis de empresas de maconha proporcionaram lucro anual de 41% até ontem, de acordo com o índice S&P-TSX Cannabis/Dow Jones.

A resposta política americana à percepção de uma nova e promissora fronteira de negócios realça a letargia do Congresso brasileiro no debate sobre a produção industrial de derivados da maconha.

Enquanto deputados em Washington abrem o sistema financeiro às empresas legalizadas, em Brasília o governo e sua bancada no Congresso impedem o avanço de um projeto (PL 0399/15) para permitir a fabricação e o comércio nacional de medicamentos formulados a partir da Cannabis.

Remédios à base de óleo de canabidiol estão em políticas públicas de saúde em meia centena de países e no Brasil já têm autorização da Anvisa. São indicados no tratamento de esclerose múltipla, epilepsia, diabetes, AVC, câncer terminal, autismo, doenças de Parkinson e Alzheimer, entre outras. Hoje custam em média R$ 2.800, quase três salários-mínimos. E, por isso, a Justiça tem permitido cultivos em escala artesanal para fins medicinais.

Na bancada governista, porém, prevalece a absoluta intolerância, sob o argumento da “guerra às drogas” — paradoxalmente, uma criação do belicismo americano depois da IIª Guerra Mundial.

“Somos contra qualquer tipo de legalização”, decretou o deputado Francisco Eurico da Silva, do partido Patriota de Pernambuco. Comerciante e pastor da Assembleia de Deus, ele usou a última reunião da comissão da Câmara que discute o projeto de lei para fazer uma síntese das motivações governistas: “Aqui tem, sim, defensores das drogas. Tem deputados maconheiros que querem legalizar a maconha via essa substância medicamentosa.”

Preferiu não citar nomes dos parlamentares que acusou, como também optou por não expor em público a autoria de uma suposta tentativa de suborno, que relatou na comissão: “Eu, o Osmar Terra e o Givaldo Carimbão queríamos colocar uma advertência nos rótulos de bebidas sobre os malefícios do álcool. Fomos chamados para uma reunião com uma empresa de bebidas, que ofereceu R$ 500 mil a cada um de nós, para nós ficarmos calados. Nós dissemos que não, não nos dobraríamos a isso, mas nós perdemos lá no plenário [da Câmara]. Mas ouvi dizer que eles gastaram R$ 2 milhões. E não foi comigo. Foi com alguns parlamentares”.

Há quem veja por trás desse tipo de radicalismo uma dose de preocupação político-religiosa com eventuais perdas no caixa de entidades voltadas à assistência a usuários de drogas.

Mas há, também, quem intérprete como “pura desonestidade intelectual” a tentativa de confundir uma atividade lícita em vários países — a produção de medicamentos formulados a partir do óleo de maconha — com o crime organizado. “Não deviam fazer isso, além de desonesto é degradante para a política”, retrucou a deputada Alice Portugal, do PCdoB da Bahia.

Enquanto em Brasília patina-se no preconceito no debate, em Washington trabalha-se na abertura de uma nova fronteira de negócios com produtos derivados da maconha.

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