Exército só teve 11 generais negros em toda história

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Foto: Forças Armadas

Desde que foi fundado, em 1822, o Exército brasileiro teve apenas 11 generais negros. É o que aponta o jornalista e escritor Sionei Ricardo Leão em seu livro “Kamba’Racê”. O número evidencia que a falta de representatividade no alto escalão da instituição é algo recorrente ao longo de seus 199 anos.

Para fazer o levantamento, lançado em maio, Leão recorreu a documentos históricos, fotos e entrevistas com os próprios militares e seus familiares. Esse foi o caminho encontrado, visto que o Exército não tem controle nem copila esse tipo de dado.

De acordo com a pesquisa do escritor, nenhum dos 11 generais alcançou o posto de 4 estrelas, o mais alto da instituição. O grau mais alto atingido por eles foi o de general de divisão, correspondente ao de 3 estrelas. Porém, apenas dois militares negros chegaram ao cargo: o general Lourival do Carmo, promovido em 1950, e general João Baptista de Mattos, promovido em 1961. Todos os outros foram generais de brigada, o primeiro nível do generalato.

Atualmente, há apenas um general negro no Exército que continua na ativa: André Luiz Aguiar Ribeiro, promovido em 2019 e que hoje é comandante da 10° Brigada de Infantaria Motorizada.

Dos 11 generais, seis foram promovidos ao cargo nos últimos 13 anos. Antes, a ascensão dos militares ao generalato estava distribuída entre 1950 e 1999. Em relação a esse último ano, a promoção de Jorge Alves de Carvalho pelo então-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) chamou a atenção da imprensa na época, que o noticiou erroneamente como sendo o segundo general negro da história do Exército — sendo Baptista de Mattos o primeiro. Naquele tempo, ainda não se tinha conhecimento público de Lourival do Carmo, do general Octávio Mendes de Oliveira, promovido em 1975, e de Job Lorena de Sant’Anna, promovido em 1984.

— A promoção do Jorge Alves de Carvalho coincidiu com o momento que eu fazia a minha pesquisa. Na época, teve uma repercussão muito grande falando que seria o segundo general negro da história. Porém, como eu já tinha falado com a família de um dos generais, na minha contagem eu já tinha outros nomes, então aquele dado estava errado — conta Leão, que, sem dados oficiais do Exército, descreve sua pesquisa como “golpes de sorte” que conseguiu para encontrar outros nomes da lista.

O Exército afirma que “não há qualquer seleção pautada na cor ou raça de uma pessoa, desde o seu ingresso nas Forças Armadas até o instante em que o militar é transferido para a inatividade”. A progressão na carreira militar segue critérios diversos, como concurso público, antiguidade, experiência medida por pontuação e escolha direta de superiores hierárquicos.

A ideia do levantamento é valorizar a contribuição histórica da população negra dentro do Exército. Daí a importância de listar aqueles que chegaram aos cargos mais altos da instituição — uma forma de exaltar a representativa e servir de exemplo para demais militares, segundo afirma Leão. O autor acredita que a tendência é que haja mais negros no generalato no futuro.

— O meu objetivo é valorizar a contribuição histórica da população negra. E, nisso, a representação dos generais é importante. Assim como é importante ter negros no Congresso, na Academia, também é essencial ter negros nesses altos níveis das Forças Armadas. Vamos pensar em um jovem que quer entrar na instituição, é bom que ele tenha um modelo, que ele fale “eu quero ser um general”. E se ele for negro, ele possa falar “quero ser um general negro, como esse general”. Você precisa ter modelos, pessoas em que se espelhar. Isso é fundamental.

Veja a lista dos generais negros do Exército brasileiro:

Lourival do Carmo, da artilharia, promovido a general de brigada em 1944 e, depois, a general de divisão em 1950.
João Baptista de Mattos, da infantaria, promovido a general de brigada em 1955 e a general de divisão 1961
Octávio Mendes de Oliveira, médico e ex-comandante do Hospital das Forças Armadas, promovido a general de brigada em 1975
Job Lorena de Sant’Anna, da engenharia de combate, promovido a general de brigada em 1984
Jorge Alves de Carvalho, promovido a general de brigada em 1999
Luiz Carlos Rodrigues Padilha, da artilharia, promovido a general de brigada em 2008
Sérgio José Pereira, da artilharia, promovido a general de brigada em 2009 (brigada)
Luís Antônio Silva dos Santos, da artilharia, promovido a general de brigada em 2009
Antônio Carlos de Souza, da infantaria, promovido a general de brigada em 2011
Comunicações: Carlos José Ignácio, das comunicações, promovido a general de brigada em 2011
André Luiz Aguiar Ribeiro, da infantaria, promovido em 2019
‘Lamento negro’

O nome do livro “Kamba’Racê” é referência a uma chacina que aconteceu na Guerra do Paraguai (1864-1870). Em maio de 1867, durante o episódio conhecido como “retirada da Laguna”, uma tropa de cerca de 700 homens do Exército brasileiro recuava da região onde fica o estado do Mato Grosso do Sul, após a invasão de paraguaios na área.

O efetivo precisava, no entanto, carregar cerca de 130 soldados que sofriam de cólera. Com receio da deserção dos militares sadios, o comandante da tropa tomou a decisão de abandonar os doentes no caminho. Os enfermos foram depois encontrados pelo exército rival e houve um extermínio; de acordo com Leão, apenas um soldado enfermo foi capaz de escapar.

Em guarani, kamba’racê significa “lamento negro”, como ficou conhecido o episódio. Foi a partir dessa fatídica história que o jornalista, que é militar da reserva, decidiu iniciar sua pesquisa sobre os negros no Exército.

Leão explica que os soldados que lutaram na Guerra do Paraguai eram majoritariamente negros. Eram também frequentemente alvos de ataques racistas por parte da imprensa paraguaia.

O Globo