Falta de investimentos federais dificultam transmissão de energia

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Foto: Eduardo Anizelli/Folhapress

Restrições na rede brasileira de transmissão de energia estão restringindo a transferência de eletricidade de outras regiões para socorrer os reservatórios das hidrelétricas do Sudeste e Centro-Oeste, que entram no período seco com níveis alarmantes.

A maior capacidade de transporte da energia da região Norte, por exemplo, poderia ter reduzido a necessidade de geração térmica no Sudeste durante o período chuvoso naquela região, diz o ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico).

O problema, segundo o operador, foi causado por atrasos na conclusão do sistema de transmissão que interliga a usina de Belo Monte, no Pará, à região Sudeste, que ficará totalmente pronto apenas em novembro de 2021.

Sofrendo com fortes chuvas desde o início do ano, as hidrelétricas da região Norte estão hoje com 84% de sua capacidade de armazenamento de energia, quase o triplo dos 31% verificados no subsistema Sudeste/Centro-Oeste.

Mesmo com as restrições, a energia do Norte tem sido fundamental para garantir o suprimento nas duas regiões, que vem sendo castigadas desde 2020 pela pior seca já registrada. Em abril, a transferência de energia entre as regiões bateu recorde histórico de 9.634 MW (megawatts) médios.

O ONS diz que o período de maior disponibilidade de energia no Norte já passou e a transmissão da energia daquela região não é mais um gargalo. Agora, segundo especialistas, as dificuldades se concentram na capacidade de transporte da energia gerada no Nordeste.

Com o início da estação dos ventos, a geração eólica em estados nordestinos começa a ter papel importante no fornecimento de energia no país. Na última quarta (9), foi responsável por 11% de toda a eletricidade injetada no sistema.

O sistema de transmissão que interliga o Nordeste ao Sudeste/Centro-Oeste passou por reforços nos últimos anos, mas ainda tem gargalos, provocados principalmente pela quebra da espanhola Abengoa, que venceu leilões para a construção de grandes ramais.

A presidente da Abeeólica (Associação Brasileira de Energia Eólica), Élbia Ganoun, diz acreditar que os impactos dos gargalos são marginais, sem possibilidade de reverter a situação crítica do subsistema energético do Sudeste/Centro-Oeste.

​Ela frisa, porém, que é necessário um esforço para ampliar a capacidade de transmissão entre os dois subsistemas para o aproveitamento da expansão da capacidade de geração eólica já contratada.

“Como eólico e solar estão crescendo muito, o planejamento da transmissão precisa de mais leilões”, diz ela. “A capacidade de geração está crescendo numa velocidade tão grande que a transmissão precisa acompanhar.”

O intercâmbio de energia é feito por grandes linhas de transmissão que interligam os quatro grandes subsistemas em que é dividido o setor elétrico brasileiro. O sistema foi planejado para aproveitar as diferentes características de cada região.

O Norte, por exemplo, tem capacidade de geração muito maior que o seu consumo de energia e, por isso, pode exportar grandes volumes durante o período chuvoso. Já no Nordeste, os ventos ficam mais fortes no inverno, quando as hidrelétricas do Sudeste estão mais secas.

O sistema de transmissão vem passando por forte expansão, mas dados da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) apontam elevado índice de atrasos em obras: 26% dos projetos contratados atualmente estão fora do cronograma.

As razões para os atrasos vão desde dificuldades na obtenção de licenças ambientais à caducidade de contratos assinados nos anos 2010, principalmente da espanhola Abengoa, que pediu recuperação judicial em 2016 e, no ano seguinte, teve nove contratos suspensos.

Para Patrícia Agra, sócia do LO Baptista Advogados, os gargalos na transmissão são resultado de falhas no planejamento e leilões de concessão mal sucedidos e foram agravadas pela pandemia, que atrasou obras em curso.

Não há estimativas de quanta energia deixou de ser transferida entre regiões por gargalos no sistema de transmissão. A Absolar (Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica) calcula que as perdas nos parques solares somaram 70,8 mil MWh (megawatts hora) em 2020.

O dado, porém, inclui diferentes tipos de restrições operativas — como, por exemplo, quando o ONS reduz a geração por manutenção em linhas de transmissão ou queda na demanda.

“Para a ampliarmos cada vez mais o uso de grandes usinas renováveis, as linhas de transmissão são estratégicas”, diz o presidente executivo da Absolar , Rodrigo Sauaia. “Não adianta só construir novas usinas se não pudermos transmitir essa energia.”

O ONS diz que uma maior capacidade de transferência de energia não teria ajudado a preservar água nos reservatórios do Sudeste porque há hoje limites mínimos de vazão nas principais barragens para atender a outros usuários rio abaixo.

Flexibilizar essas restrições é um dos focos de atuação do governo no esforço para evitar racionamento. A ANA (Agência Nacional de Águas) já emitiu um decreto de emergência hídrica que prevê a possiblidade de alterar as outorgas para captação de outros usos, como a irrigação.

Folha