Falta de oxigênio em Manaus durou 20 dias

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Foto: BRUNO KELLY / REUTERS

Não é verdade que a falta de oxigênio no Amazonas durou apenas dois dias em janeiro, como afirmou Marcellus Campêlo, ex-secretário de Saúde do Amazonas, na CPI da Covid hoje (15). Campêlo inicialmente declarou que o problema havia ocorrido durante apenas os dias 14 e 15 de janeiro, mas depois reconheceu que a escassez do produto “no mercado” durou “pelo menos 20 dias”.

O governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), admitiu em 14 de janeiro que a demanda por oxigênio nas redes pública e privada do estado havia se multiplicado por cinco desde 31 de dezembro, bem antes do mencionado pelo ex-secretário. E em 27 de janeiro, o UOL noticiou que o próprio Campêlo, ainda no cargo de secretário estadual de Saúde, reconheceu que havia risco de desabastecimento de oxigênio no Amazonas — ou seja, já bem depois das datas citadas por ele na CPI. Veja o que o UOL Confere já checou:

Na nossa rede pública estadual, nós temos registro de intermitência de fornecimento de oxigênio nos dias 14 e 15″
Marcellus Campêlo, ex-secretário de Saúde do Amazonas, em depoimento à CPI da Covid

Diferentemente do que alega o ex-secretário, a falta de oxigênio durou bem mais que dois dias no Amazonas — e o próprio Campêlo e o governo do estado reconheceram isso ainda em janeiro.

Uma nota publicada no site do governo do Amazonas em 14 de janeiro atribui ao governador Wilson Lima (PSC) a informação de que a demanda por oxigênio no estado “passou a ser cinco vezes maior nos últimos 15 dias” — ou seja, desde 31 de dezembro.

Em 27 de janeiro — 12 dias após a data final mencionada pelo ex-secretário — o UOL noticiou uma fala do próprio ex-secretário admitindo que Manaus não havia reduzido a demanda e que ela havia aumentado no interior do estado. A reportagem foi citada na CPI pelo presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM).

Campêlo buscou restringir sua fala à rede estadual e aos dois dias citados, omitindo que bem antes o próprio governo do Amazonas já tinha conhecimento do risco de falta de oxigênio. O alerta veio no dia 7 de janeiro pela White Martins, fornecedora de oxigênio, e o governo amazonense encaminhou o comunicado ao Ministério da Saúde — o que Campêlo inclusive relatou na CPI hoje. O documento mandado pela White Martins foi divulgado ainda em janeiro em reportagem da Agência Pública.

Também antes das datas citadas por Campêlo, no dia 10 de janeiro, o governador Wilson Lima fez um apelo ao governo federal e a outros estados para que doassem oxigênio: “Hoje, as empresas que fornecem oxigênio para o estado não conseguem suprir essa demanda”.

Mais adiante no depoimento, Campêlo reconheceu que a crise de oxigênio “no mercado” durou pelo menos “20 dias” e que a população procurava oxigênio desde o começo de janeiro, mas continuou diferenciando o que chamou de “crise nas unidades de saúde por falta de oxigênio, ou intermitência no fornecimento, e no mercado local.”

Nós não temos registro no 28 de Agosto de ter acontecido isso [falta de oxigênio], senador.”
Marcellus Campêlo, ex-secretário de Saúde do Amazonas, em depoimento à CPI da Covid

Não há confirmação de falta total de oxigênio no Hospital e Pronto-Socorro 28 de Agosto, um dos principais de Manaus. No entanto, o ex-secretário omitiu que houve relatos de que o hospital esteve à beira do colapso em janeiro, com falta de leitos e estoque escasso de oxigênio.

Em depoimento ao UOL, Júlia Marques, diretora do 28 de Agosto, relatou uma situação desesperadora. Segundo ela, no auge da crise, os médicos chegaram a colocar até três pacientes no mesmo ponto de oxigênio. A certa altura, segundo ela, para entrar no hospital era preciso levar o próprio cilindro, pois não havia mais pontos disponíveis.

Um médico que trabalha no 28 de Agosto descreveu para a Folha no dia 13 de janeiro “um cenário de guerra com soldados cansados”. Também ao jornal, no dia 14, médicos relataram que o estoque de oxigênio no hospital não deveria durar até o fim daquele dia. No dia 15, o hospital desativou a triagem e deixou pacientes sem atendimento por falta de vagas.

O UOL também conversou com parentes de pacientes que passaram pela unidade de saúde. Um deles, o cantor Dani Sá, chegou a fazer uma vaquinha virtual para comprar um cilindro pelas redes sociais. Sua mãe esperava por um leito no corredor do Hospital 28 de Agosto e corriam boatos de que o oxigênio acabaria.

Para os senhores terem uma ideia: em dezembro tivemos 2,2 mil internações [por covid-19]; em janeiro, 7,6 mil internações.”
Marcellus Campêlo, ex-secretário de Saúde do Amazonas, em depoimento à CPI da Covid

De fato, o número de internações por Covid-19 no Amazonas explodiu entre dezembro de 2020 e janeiro deste ano, mas a alta em patamares elevados já vinha de novembro.

Segundo os dados do painel da FVS (Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas), em novembro, houve 1.363 internações por covid-19.

Em dezembro, foram 2.371 internações, número um pouco superior ao citado pelo ex-secretário na CPI e que representa um avanço de 73% de um mês para o outro. A quantidade de internados por covid-19 de dezembro foi a terceira maior do ano no Amazonas, abaixo apenas dos números de abril (2.853) e maio (3.962).

Em janeiro, foram 8.188 hospitalizações, cifra também superior à citada por Campêlo. O número de internações por covid-19 no primeiro mês do ano no Amazonas foi quase quatro vezes o de dezembro e o maior desde o começo da pandemia.

Até dezembro, até o final de dezembro, os números de internações ainda não tinham chegado ao número da primeira onda. Então, somente no final de dezembro é que nós começamos a notar que havia algo diferente, alguma coisa diferente na contaminação, que estava sendo muito mais rápida.
Marcellus Campêlo, ex-secretário de Saúde do Amazonas, em depoimento à CPI da Covid

Campêlo não explicou o que classifica como “primeira onda”, mas em meados de dezembro as internações diárias já estavam nos mesmos patamares de meados de abril.

Segundo dados do governo amazonense, no dia 15 de dezembro, houve 74 internações, número que seguiu crescendo dali em diante.

Na primeira onda, o estado registrou patamar parecido de hospitalizações por covid-19 em 9 de abril, com 78, e dali em diante a tendência também foi de alta.

Na última semana de dezembro, o Amazonas já registrava entre 120 e 140 internações diárias por covid-19, mesmo patamar da segunda metade de abril.

No dia 4 de janeiro, foram 241 internações, número superior ao pico da primeira onda, quando 213 pessoas foram internadas em um mesmo dia. O auge foi no dia 18 de janeiro, quando 397 pacientes que testaram positivo para covid-19 foram internados.

Uol