Igrejas evangélicas se recusam a aglomerar em seus templos

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Foto: Reprodução/ Folha

Onde está seu Deus agora? Diante de uma pandemia que inseriu o distanciamento social no léxico popular, é o dilema que se impôs a milhares de igrejas evangélicas no Brasil.

A maioria decidiu permanecer de portas abertas sempre que os governos locais assim o permitissem, por entender que cultuar nos templos é parte essencial da fé cristã e também uma questão de saúde espiritual.

As exceções à regra dizem não ver sentido em expor pastores e fiéis a um vírus que já matou meio milhão de brasileiros. Até porque, como diz o pastor João Purin Jr., “o Novo Testamento ensina que o templo do Espírito Santo somos nós, indivíduos, não depende de templo físico, de prédio”.

Ele é líder da carioca Igreja Batista do Méier, raro exemplo de congregação que paralisou cerimônias presenciais em março de 2020, início da crise global, e ainda não voltou.

Purin não gosta de falar nestes termos, “igreja fechada”. Nunca fechou, diz. “Na minha compreensão, a igreja continua ativa, porque a igreja somos nós. Enquanto a gente está andando, vivendo, interagindo, servindo, a gente é igreja dando testemunho do amor de Deus na nossa vida.”

Assim que o caos sanitário se instalou, a denominação montou um comitê técnico para definir quando seria o caso de reabrir. Com base em índices como letalidade da Covid-19 no Rio e ocupação da rede hospitalar, estabeleceram parâmetros que iam de “risco muito alto” a “risco muito baixo”.

Retornariam às atividades presenciais se o risco fosse classificado como baixo, o segundo menos grave na escala. Só agora, um ano e meio de pandemia depois e com o avanço da vacinação, têm uma data: 18 de julho. Ainda assim, se uma nova onda mortífera começar, o plano vai para a gaveta.

Purin estava um pouco cabreiro em falar publicamente sobre o tema. Acha que essa discussão carregou nas tintas ideológicas.

“Como pastor, vejo-me obrigado a caminhar à sombra da cruz de Cristo. Já fui até chamado de isentão”, diz à Folha. “Mas a mensagem da cruz transita em todos os lados. Ela quer alcançar a todos revelando o propósito de Deus que é incomparavelmente mais elevado que esse eixo horizontal que distancia direita de esquerda.”

Para quem já foi chamado de “bolsonarista e esquerdopata quase ao mesmo tempo”, dá medo de se ver no meio de um debate que ganhou voltagem política, afirma.

Em abril, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu que estados e municípios poderiam vetar serviços religiosos in loco caso julgassem necessário em momentos mais críticos da pandemia.

Líderes de alta projeção nacional caíram em cima da decisão, como fez Silas Malafaia ao chamar o ministro Gilmar Mendes de “negacionista da Constituição”, acusando-o de ferir a liberdade religiosa. Eles argumentam que templos têm condições de sediar cultos seguindo o protocolo de segurança, como uso de máscaras e cadeiras intercaladas para evitar maior contato físico.

Carlos Novaes, à frente da Igreja Batista em Jacarepaguá, outra do Rio de Janeiro, não vê sentido em trazer à baila uma suposta inconstitucionalidade. “Foi só uma questão de cuidados sanitários. Igrejas causam aglomerações em seus cultos, e aglomerações devem ser evitadas no momento em que estamos”, afirma.

Muitas reuniões, mesmo em espaços funcionando com capacidade reduzida, não respeitam a distância mínima de um metro e meio entre fiéis, por exemplo. Ou são realizadas em galpões pouco arejados.

“Por uma questão de amor ao próximo, que, como ensina Jesus no Evangelho, é uma questão de amar a Deus. Só amamos a Deus se amamos o outro”, diz Novaes.

A quem especula perda de dízimos (que ajudam a manter templos e obras sociais) e de público, os três pastores com quem a Folha conversou dizem que isso não aconteceu. Novaes, por exemplo, conta que “não houve prejuízos maiores, pelo contrário”.

“Além de mantermos as pessoas da igreja conectadas, ampliamos o número de congregados virtuais que passaram a acompanhar as nossas transmissões com fidelidade. Claro que não menosprezo a importância dos cultos presenciais e da comunhão física. Mas tempos extraordinários exigem soluções extraordinárias.”

Purin dá números. O auditório de sua igreja, num dia lotado, comportava cerca de 600 pessoas, calcula. “E estávamos, por culto [online], tendo mais de 1.200 visualizações. Você multiplica isso por duas ou três pessoas, já que uma visualização em geral dá mais de uma pessoa. Então imagina o alcance que a gente estava tendo. Inclusive gente de fora do Brasil.”

Quando Marcelo Crivella (Republicanos), sobrinho do bispo Edir Macedo e então prefeito do Rio, incluiu igrejas no rol de serviços essenciais, no fim de maio de 2020, “houve um momento de certa crise”, segundo Novaes.

Era o caso de voltar aos cultos físicos? Alguns membros achavam que sim. “Continuei mostrando para a igreja que nossa atividade essencial era o cuidado da pregação da palavra e das pessoas, e que isso não dependeria do presencial.” Só faz a ressalva: missionários batistas nunca cessaram a distribuição de cestas básicas e refeições para pessoas em situações de rua.

Após o decreto municipal que autorizou casas religiosas a funcionarem durante a emergência de saúde pública, Israel Belo de Azevedo, pastor da Igreja Batista Itacuruçá, na Tijuca (zona norte do Rio), preferiu continuar como estava: na internet.

“Tão logo houve a ameaça da pandemia, ainda em fevereiro, alguns médicos da igreja recomendaram que nós suspendêssemos nossas atividades”, conta. “No início, eu mesmo fui muito resistente, achando que era um pouco de exagero. Depois, me convenci completamente.”

A partir de 15 de março, suspendeu os encontros presenciais. “Entendemos que não há segurança ainda. As condições hoje são piores do que quando a pandemia se instalou, então não há razão para voltarmos.”

A palavra igreja vem do grego “ekklesia” e significa assembleia. Como aparece no Evangelho de Mateus, disse Jesus Cristo: “Onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, ali eu estou no meio deles”.

Para Azevedo, hoje, com tantas possibilidades de interação remota, mesmo a distância física é possível se reunir em nome da fé. Onde está seu Deus agora?

Folha de S. Paulo