Ministro comprou 90 tratores com recursos do Orçamento Secreto

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Foto: Marcos Corrêa/PR

O ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, empenhou recursos do orçamento secreto para a compra de 90 tratores, nove motoniveladoras e 12 pás carregadeiras para o Rio Grande do Norte, seu estado de origem. As verbas foram direcionadas à Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf).

Revelado numa série de reportagens do Estadão, o orçamento secreto é um esquema criado pelo governo de Jair Bolsonaro, no ano passado, para beneficiar aliados políticos com indicação de destinação de recursos das emendas de relator-geral (de sigla RP9) e garantir apoio no Congresso.

Marinho depõe hoje em sessão conjunta nas comissões de Trabalho e de Desenvolvimento Urbano da Câmara. Deputados querem que o ministro explique o esquema do orçamento secreto montado pelo governo, como revelou o Estadão.

Apesar de declarar que o Legislativo tem o domínio do orçamento secreto, Marinho também teve sua cota de indicações dentro do total de R$ 3,3 bilhões empenhados pelo governo federal em dezembro, só da parte do Ministério do Desenvolvimento Regional. Dos R$ 130 milhões que o gabinete do ministro direcionou — sem ser a pedido de parlamentares —, dois terços (R$ 88 milhões) têm como destino o Rio Grande do Norte.

Os preços previstos para essas aquisições superam os valores que a Codevasf vai pagar para a compra de máquinas dos mesmos tipos também com recursos originários das emendas de relator-geral do orçamento. Além disso, estão acima da tabela de referência de preços da própria pasta.

Do montante definido pelo gabinete do ministro, R$ 76,4 milhões serão executados pela Codevasf. Além disso, a pasta firmou convênios com municípios do Rio Grande do Norte com valores que, ao todo, chegam a R$ 11,5 milhões. Os investimentos vão para pavimentação, compra de máquinas, perfuração de poços artesianos e implantação de sistema de abastecimento de água em vilas.

As indicações aparecem com a sigla “GM” (Gabinete do Ministro) no planilhão elaborado pelo ministério, em que se pode ler os nomes de mais de 285 parlamentares dos agraciados com cotas dentro do bolo de R$ 3,3 bilhões que a pasta do Desenvolvimento Regional empenhou em dezembro, enquanto o governo articulava para eleger o deputado Arthur Lira (Progressistas-AL) presidente da Câmara dos Deputados e o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG) presidente do Senado.

Indicado pelo ministro, um Termo de Execução Descentralizada (TED) prevê a compra de 90 tratores agrícolas, pela Codevasf, junto à empresa CNH Industrial Brasil LTDA, pelo preço de R$ 112 mil por unidade, com custo total de R$ 10 milhões, para entrega no Rio Grande do Norte. Por outro lado, a Codevasf vai pagar por cada um dos onze tratores que vai entregar em Pernambuco, ao preço de R$ 92 mil. Nos dois casos, os tratores têm 75 cavalos e tração 4×4. Apesar disso, a diferença de custos, no entanto, é de 21%.

Além dos tratores, o ministro também indicou a compra de motoniveladoras com valores elevados. No Portal da Transparência, é possível ver que a empresa XCMG Brasil Indústria LTDA fornecerá à Codevasf no Rio Grande do Norte nove máquinas do tipo ao preço unitário de R$ 695.500,00. O valor representa 43% a mais do que a própria Codevasf vai pagar à mesma empresa XCMG por cada uma das seis motoniveladoras que serão entregues em Minas Gerais também com recursos do orçamento secreto — o custo unitário sairá por R$ 462 mil, de acordo com o Portal da Transparência.

Também está prevista a compra de doze pás carregadeiras com valor unitário de R$ 345 mil, via Codevasf, junto à empresa Otmiza, para entrega no Rio Grande do Norte. O valor por é cerca de R$ 95 mil a mais do que a Codevasf pagará para a entrega de pás carregadeiras em Minas — R$ 249 mil.

Os valores totais para as aquisições dessas máquinas pesadas para o Rio Grande do Norte são R$ 20,4 milhões. Se fossem praticados os preços que a Codevasf pagará em outros estados, por itens do mesmo tipo, a economia seria de R$ 5 milhões.

O uso das verbas por indicação do gabinete do ministro contradiz a versão apresentada por Marinho sobre quem controla o destino dos recursos da emenda de relator-geral do orçamento, chamada de RP9.

O ministro afirma que é “prerrogativa” do Congresso o direcionamento dos valores. O Estadão tem mostrado que a definição cabe ao governo, mas o Executivo resolveu entregar a aliados o controle do orçamento em dezembro de 2020. A destinação, como foi feita, descumpriu regras orçamentárias e vetos do presidente Jair Bolsonaro, e foi feita de maneira desigual, priorizando apoiadores do governo.

Outro lado. A reportagem questionou o Ministério do Desenvolvimento Regional sobre as indicações feitas diretamente pelo ministro e sobre os valores previstos para a aquisição de máquinas, com recursos especificamente relacionados ao montante de R$ 3 bilhões liberados pela pasta no fim do ano, com créditos originados de emenda de relator-geral do orçamento (RP9). Em nota, a assessoria de imprensa disse que “tratam-se de recursos alocados pelo relator-geral do orçamento, fruto da solicitação encaminhada por parlamentares da bancada potiguar e pelo próprio ministério”. “Os R$ 80 milhões citados pela reportagem correspondem a cerca de 3% dos recursos do RP9 encaminhados pelo Congresso para ações conduzidas pelo MDR”, disse a assessoria.

O ministério disse que “solicitou ao relator-geral do orçamento a alocação de recursos para obras estruturantes como a transposição do São Francisco e obras hídricas, que receberam R$ 560 milhões oriundos dessa fonte orçamentária, e ações do saneamento básico de grande porte que foram contempladas com R$ 416 milhões, por exemplo”.

Esses valores citados pela assessoria não fazem parte das indicações relacionadas aos R$ 3,3 bilhões, que são o tema da reportagem.

A pasta atribuiu a fatores logísticos e geográficos os custos elevados das máquinas que serão compradas pela Codevasf para o Estado, na comparação com os preços que a empresa pagará em outros estados por itens do mesmo tipo. As compras, segundo o ministério, acontecem em diferentes processos licitatórios, estados e quantidades. “A regionalização das licitações é prática consolidada que segue recomendações dos órgãos de fiscalização e controle. Fatores logísticos, como frete, quantidade de equipamentos e impostos, podem influenciar no preço”, ressaltou. “Há que se levar em conta também as variações ocorridas na economia em decorrência da pandemia, como pode ser verificado em matéria publicada por este jornal, no dia 16 de maio”, disse.

A pasta disse, também, que “todos os processos conduzidos pela CODEVASF foram realizados por meio do Comprasnet, com registro de todos os atos praticados no certame”. E finalizou a nota dizendo que Marinho “continuará trabalhando de forma técnica e legal na missão institucional da pasta de enfrentar as desigualdades regionais”.

Questionada sobre os preços das máquinas que vão para o Rio Grande do Norte, a Codevasf disse que “fretes, impostos, quantidades previstas em Atas e preços de insumos” podem influenciar os valores. “As licitações da Codevasf são regionalizadas, uma prática consolidada que está de acordo com recomendações de órgãos de fiscalização e controle”, disse a empresa, que também citou o site Comprasnet como local onde ficam registrados os atos praticados nos pregões.

Estadão