Na CPI, Terra admite erros e rejeita “imunidade de rebanho”

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Foto: Wilson Dias/Agência Brasil

O deputado federal Osmar Terra (MDB-RS) declarou hoje, em depoimento à CPI da Covid, que a tese de imunização de rebanho seria consequência natural de qualquer pandemia e afirmou que as medidas de restrição, como o isolamento social e o lockdown, não salvaram sequer uma vida durante a crise sanitária provocada pela covid-19 — apesar de evidências científicas mostrarem justamente a importância deste tipo de medida para conter a disseminação do coronavírus.

A imunidade de rebanho se sustenta na ideia de que é possível atingir um ponto em que há uma quantidade suficiente de pessoas em determinada população que sejam imunes ao vírus, interrompendo assim a transmissão comunitária. No entanto, após mais de um ano de pandemia, a comunidade científica não sabe precisar a proporção da população que deve estar imunizada para que isso de fato aconteça. Cientistas defendem que o caminho da imunidade coletiva é a vacinação, e não a contaminação.

O parlamentar também buscou minimizar erros cometidos por ele ao tentar prever, no ano passado, o número de mortes decorrentes do coronavírus. Em uma de suas apostas, Terra disse que o país teria cerca de 2.000 óbitos. No último sábado (19), o Brasil ultrapassou a marca de 500 mil vidas perdidas.

O depoente afirmou à comissão que “nunca falou de imunidade de rebanho” na condição de possível política pública a ser adotada pelo Ministério da Saúde. Durante a audiência, no entanto, o relator dos trabalhos, Renan Calheiros (MDB-AL), exibiu vídeos com entrevistas e declarações que dão margem a contestações.

Por mais de uma vez, o deputado se referiu à “imunização coletiva” no sentido de argumentar que a pandemia não se estenderia por muito tempo e não acarretaria consequências tão graves. Paralelamente, no mesmo contexto, Terra afirmava que a imunização vacinal viria “depois”, dada a necessidade de estudos, testes clínicos e aprovação de órgãos regulatórios.

Não existe nenhuma proposta aqui de deixar a população se contaminar livremente. Nunca se fez isso. A imunidade de rebanho é uma consequência. A imunidade de rebanho é como terminam todas as pandemias, é o resultado final.
Osmar Terra, em depoimento à CPI da Covid

O emedebista, ex-ministro da Cidadania do governo Bolsonaro (deixou o cargo em 14 de fevereiro do ano passado), é médico de formação e, com base nas investigações da CPI, foi apontado como padrinho do chamado “gabinete paralelo”.

Alvo da comissão, o grupo com viés negacionista e sem vínculo com o Ministério da Saúde era responsável por prestar consultoria informal ao presidente da República em questões relacionadas à pandemia, como o incentivo ao uso da cloroquina (remédio sem eficácia para tratamento da covid-19) e os esforços para aquisição de vacinas.

Além de Terra, fizeram parte dessa estrutura a médica Nise Yamaguchi, o ex-assessor Arthur Weintraub, o empresário Carlos Wizard, entre outros. Todos são investigados pela CPI.

Crítico do isolamento social e da interrupção das atividades em estados e municípios, Osmar Terra endossou argumentos contra as medidas de restrição declarou que considerava “fora da realidade”, à época em que o vírus começou a se alastrar pelo país, “trancar” pessoas em casa por 18 meses até que se tivesse uma vacina.

“Se trancar todo mundo em casa por 18 meses, as pessoas, em um mês, dois meses, vão morrer de fome. O mundo tem que funcionar para as pessoas se alimentarem, para terem assistência médica, para terem os serviços públicos mínimos, para terem segurança, para terem as coisas… A indústria não pode parar. Então, se criou um medo e um pânico.”

Estudos publicados em revistas científicas de prestígio atestam que medidas de distanciamento e isolamento social funcionam para conter o vírus, entre elas o lockdown, que é a medida mais restritiva de isolamento.

Na visão do depoente, as medidas adotadas por governadores e prefeitos com o objetivo de limitar o convívio social não ajudaram a salvar vidas no Brasil. A fim de traçar um comparativo, ele mencionou a situação de asilos —desconsiderando que há enorme desproporção estatística entre número de indivíduos residentes em asilos e a população brasileira em geral (mais de 210 milhões de pessoas).

“Eu quero chamar a atenção só para um dado aqui, que pra mim justifica: se isolamento funcionasse, não morria ninguém em asilo”, afirmou.

Além de desconsiderar o fato de que idosos em asilos têm contato com o público externo (funcionários, visitantes etc) e compõem os grupos populacionais mais vulneráveis aos efeitos da covid-19, Terra citou dados de outros países para supostamente embasar a sua teoria.

“Os asilos foram lugar de maior número de mortes no ano de 2020: 40% das mortes nos Estados Unidos, 46% foram em asilo, em 2020; 80% das mortes do Canadá, 70% da Suécia, que não fechou nada, orientou a lavar as mãos, guardar distância.”

Já sobre as previsões erradas quanto ao número de mortos na pandemia, o depoente se justificou ao dizer que elas se baseavam nos dados disponíveis à época, em referência aos primeiros meses da crise sanitária, entre fevereiro e março de 2020.

Segundo Terra, por outro lado, houve por parte de instituições acadêmicas e entidades de pesquisa previsões que ele classificou como “apocalípticas”, isto é, que calculavam um número de óbitos fora de um patamar supostamente razoável. Na visão do deputado, essas informações “assustaram muito a humanidade” e teriam sido responsáveis por disseminar “pânico”.

“Assustaram e criaram um efeito de manada, vamos dizer assim, em decisões em cascata de governantes, fechando tudo, trancando tudo, em cima de uma proposta que era de supressão”, declarou.

“Os fatos concretos que existiam em fevereiro e março eram a epidemia da China. A China teve um surto completo. Ela começou, subiu, desceu e terminou. Tem 4.000 mortes na China até hoje. Era o surto que tinha na época para ser analisado: 4.000 mortes num país de 1,4 bilhão de habitantes nos levaram à ideia de que não seria uma coisa tão grave.”

Uol