Ombudsmam da EBC critica bajulação a Bolsonaro e é censurado

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A EBC (Empresa Brasil de Comunicação) deixou de publicar nos relatórios de ouvidoria bimestrais divulgados em seu site as análises do ombudsman, que traziam críticas internas à programação e ao conteúdo noticioso dos veículos públicos.

A medida, de 22 de março, define que as manifestações saiam só no relatório anual. No último texto publicado, o ombudsman apontou para a falta de destaque das notícias sobre a crise de oxigênio em Manaus e da posse do presidente dos EUA, Joe Biden.

A deliberação, de número nº 12/2021, foi tomada pelo Consad (Conselho de Administração) da EBC, colegiado formado por maioria de membros do governo.

O relatório de março e abril, após a deliberação do Consad, traz apenas comentários sobre o papel da ouvidoria e as respostas a reclamações de leitores e espectadores feitas ao órgão. Em geral, os apontamentos são elogiosos —destacam que a ouvidoria atendeu aos pedidos. Não há críticas sobre o conteúdo das reportagens exibidas nos veículos da EBC.

A EBC afirma que tem compromisso com a transparência e que as “informações da ouvidoria permanecem sendo apreciadas bimestralmente pelo Conselho de Administração e pela diretoria executiva, com vistas a auxiliar os administradores na tomada de decisões”.

“Na prática, a deliberação significa esconder do público os problemas observados, principalmente os que apontam um cobertura jornalística parcial, sempre favorável ao governo e ao presidente Jair Bolsonaro”, afirma Joseti Marques, jornalista e ex-ouvidora da EBC.

Já em janeiro e fevereiro, o relatório traz críticas mais contundentes em temas sensíveis para o governo Bolsonaro. O documento aponta, por exemplo, que, em 14 de janeiro, os principais veículos do país destacaram a falta de oxigênio em Manaus, tema não abordado pelo jornal Repórter Brasil daquela data.

“A ausência da notícia que comoveu o país foi sentida. Como um dos serviços prestados pela EBC é o de fornecer conteúdo para a mídia nacional e estrangeira, omissões como esta expõem o jornalismo da empresa”, diz o documento.

A respeito da tímida cobertura da posse de Biden, o relatório aponta que a Agência Brasil “desprezou a relevância do fato jornalístico” e que o veículo, em 2017, transmitiu ao vivo a posse de Donald Trump.

“O fato concreto é que, agora, a cobertura da posse de Biden fugiu aos padrões de qualidade das grandes coberturas jornalísticas da própria Agência Brasil. Uma pena! A cerimônia passou ao mundo a mensagem de democracia e união tão necessária neste momento”, escreve o ombudsman.

O relatório do primeiro bimestre traz ainda reclamações de leitores e espectadores sobre mudanças na programação, erros em textos, links que não funcionam, falhas de volume e de transmissão.

Para embasar a decisão sobre os relatórios, a cúpula da empresa fez uma consulta jurídica a respeito da obrigatoriedade da publicação periódica dos relatórios críticos e obteve a resposta de que não há lei que determine essa prática, embora a divulgação do relatório anual de gestão da ouvidoria seja, esta sim, obrigatória.

A Frente em Defesa da EBC (formada por acadêmicos, jornalistas e entidades da sociedade civil) criou a Ouvidoria Cidadã, para suprir o que julgam ser falta de transparência e compromisso jornalístico da gestão da EBC.

O grupo aponta que a falta de autonomia editorial, de participação social e de papel crítico da ouvidoria vêm desde a gestão de Michel Temer (MDB).

A frente publica em um site relatórios e observações independentes a respeito dos conteúdos veiculados pela EBC. “A medida se faz necessária pelo fim dos mecanismos de controle social que existiam na empresa e que tornavam a EBC uma empresa de comunicação pública de fato”, afirma o grupo.

Procurada pelo Painel, a assessoria de imprensa da EBC afirma que a empresa “reitera o seu compromisso com a transparência e com o cumprimento dos preceitos legais”.

“O relatório […] com as contribuições do cidadão, feitas por meio dos canais da ouvidoria, sejam críticas, elogios, denúncias, sugestões, reclamações ou solicitações, continua sendo publicado bimestralmente na internet”, diz em nota.

Folha de SP