Pfizer tentou vender vacinas a Bolsonaro por 6 meses

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Foto: Thomas Kienzle/AFP

Um e-mail enviado pelo presidente da Pfizer na América Latina, Carlos Murillo, ao ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde coronel Elcio Franco, em 2 de dezembro do ano passado, mostra a insistência em garantir contato com o governo brasileiro. O documento, enviado em caráter sigiloso à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da covid-19, foi obtido pelo Correio e mostra Murillo pedindo por uma resposta à última oferta de vacinas contra covid-19, ressaltando que a tentativa de parceria durava já seis meses e que esta seria a última chance para o Brasil obter doses que estavam reservadas para o país.

Durante a oitiva de Elcio Franco, na semana passada, o vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP) fez questão de contar os 81 emails da Pfizer enviados ao governo federal sem que houvesse acordo. Em alguns momentos, a farmacêutica chegou a enviar quatro e-mails em um dia, o que Elcio definiu como sendo “muito redundante”. O último contato da empresa por e-mail em 2020 foi no dia 15 de dezembro. Neste contato do dia 2, Murillo descreve que vinha tentando falar com Franco desde o dia anterior, mas sem sucesso, alertando ao prazo da resposta para oferta encaminhada no dia 24 de novembro e com data de vencimento no dia 7 de dezembro.

“Encaminhamos, juntamente com as respostas ao ministério, três propostas de esquemas possíveis de distribuição e vacinação que são muito viáveis e de efetiva implementação considerando inclusive as características geográficas e climáticas do país”, afirma o presidente da Pfizer na América Latina, na época representante da empresa no Brasil.

Sem resposta, Murillo frisou, em novo envio do dia 2 de dezembro, ser essencial a assinatura do novo memorando de entendimento não vinculativo até 7 de dezembro, “que a matriz da companhia autorizou em caráter excepcional para o Brasil”. “Caso não tenhamos esse documento assinado, nesta data as doses ainda reservadas para o Brasil para o primeiro e segundo trimestre de 2021 serão disponibilizadas para outros mercados da região que já tem o contrato assinado com a Pfizer”, informou.

E completou: “Por conta disso e pela urgência do tema, caso os senhores já tenham tomado a decisão de não avançar na assinatura deste documento, peço que, por favor, nos comuniquem para que possamos liberar essas doses de forma que elas possam ser disponibilizadas aos países da região que estão trabalhando em seus planos de vacinação que irão começar em alguns dias, sujeitos à aprovação regulatória desses países”.

Na mensagem, Murillo afirma que, apesar de o quantitativo para o Brasil ser limitado no primeiro semestre, ele seria necessário para vacinar os grupos prioritários e de maior risco. “Durante seis meses, temos buscado atuar em parceria com o governo brasileiro, reservando, inclusive, doses para o país na expectativa de realizar uma possível parceria que poderia beneficiar milhões de brasileiros. (…) Esperamos que possamos receber um retorno oficial e positivo do governo para nos prepararmos para os próximos passos e conseguirmos avançar com a vacinação da população brasileira após a aprovação da Anvisa”, pontuou.

À CPI, no dia 13 de maio, Murillo informou três ofertas feitas ao governo em agosto do ano passado, envolvendo possibilidade de aquisição de 70 milhões de doses com início de entrega em dezembro; uma oferta no dia 1º de novembro; outra 24 de novembro; depois dia 15 de fevereiro e outra no dia 8 de março, quando o contrato foi assinado para 100 milhões de doses. O e-mail do dia 2 de dezembro se refere à oferta do dia 24 de novembro. Murillo relatou reiteradas ofertas que foram ignoradas pelo governo brasileiro.

Franco, por sua vez, a quem o e-mail era destinado, disse à CPI que, em dezembro, a consultoria jurídica do Ministério da Saúde “desaconselhava a assinatura do memorando de entendimentos com a Pfizer e apontava óbices para a sua contratação”. A pasta, então, propôs uma medida provisória. De acordo com ele, não houve consenso das consultorias jurídicas dos ministérios que estavam atuando na elaboração da MP. Havia dúvidas se a iniciativa deveria ser do Executivo ou do Congresso Nacional, e então “foram retirados do texto proposto os artigos que atenderiam às exigências contratuais dos laboratórios americanos”.

Diante da demora em relação à compra de vacinas da Pfizer, o Congresso começou a se movimentar e o presidente do Senado propôs um projeto de lei que autoriza estados e municípios a assumirem a responsabilidade de indenizar cidadãos por efeitos colaterais causados por imunizantes. O governo vinha dizendo que não assinaria o contrato devido às cláusulas da Pfizer, como isenção de responsabilidade em caso de efeitos adversos. O contrato, entretanto, como pontuado por Murillo na CPI, é igual a todos os países.

Aos senadores, ao ser questionado sobre o atraso nas negociações, disse que o presidente da Pfizer tinha seu telefone. “Poderia ter se comunicado, caso houvesse algum gap nas negociações com a Pfizer”, disse.

Neste contato com Elcio Franco no dia 2, Murillo afirma que nesta oferta, a empresa conseguiu “adequar às limitações de ordem jurídica que foram compartilhadas” com eles pelo governo. “Um dos pontos mais relevantes foi estabelecer a condição para o contrato definitivo à emissão do registro sanitário pela Anvisa”, pontua.

Em um e-mail enviado a Elcio Franco no dia 24 de novembro, também obtido pela reportagem, Murillo agradece a oportunidade de se reunirem no dia 17 de novembro. No e-mail, ele pontua que a proposta é válida até o dia 7 de dezembro. “Após essa data, as doses alocadas para o Brasil serão redistribuídas entre outros países que solicitaram mais unidades à Pfizer, sendo que teríamos a oportunidade de obter novas doses apenas após julho de 2021”.

A assinatura do contrato definitivo seria feita 10 dias após a obtenção pela Pfizer do registro da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).O presidente e autoridades do governo sempre disseram que não comprariam a vacina sem registro da Anvisa, e e-mail mostra que a própria empresa estabelecia que o contrato só seria assinado após o registro. Em relação ao pagamento, o e-mail mostra que anteriormente deveria ser antecipado, mas houve uma mudança para que o pagamento ocorresse apenas 10 dias após assinatura do contrato definitivo. “Ou seja, após registro da potencial vacina pela Anvisa”.

Nas possibilidades de envio das doses, a empresa deixa a cargo do governo federal escolher se receberia as vacinas diretamente no Centro de Distribuição do Programa Nacional de Imunização. Também, há a possibilidade de entregas às regionais de saúde de Minas Gerais, Paraná, Pernambuco, Distrito Federal e São Paulo (considerando que elas são reconhecidas “pela capacidade de capilarização, capacitação de pessoas, forte atividade das coordenadorias em imunização e em vigilância em saúde, além de estrutura física de armazenamento”). Por fim, sugere uma entrega aos Centros de Referência para Imunibiológicos Especiais, com foco na distribuição aos profissionais de saúde.

No e-mail do dia 2 de dezembro, Murillo pontua uma questão que foi frisada pelo governo brasileiro como um entrave, que é a responsabilização da farmacêutica. Na mensagem, o presidente da Pfizer afirma que “a União Europeia, os Estados Unidos e alguns países da América Latina, a exemplo da Argentina, editaram leis e atos normativos reconhecendo a importância das vacinas e as limitações de tempo impostas aos fabricantes, em razão do interesse público e necessidade urgente de aprovação de vacinas que previnam a infecção por covid-19, limitando, assim, a responsabilidade de desenvolvedores e fornecedores de vacinas destinadas à prevenção de infecção por covid-19”.

“Enfim, os países na América Latina que firmaram acordo com a Pfizer também aceitaram as mesmas cláusulas de responsabilidade e indenização, concedendo proteção à Pfizer em relação a ações judiciais futuras e apresentadas garantias para fins de indenização à Pfizer”, pontuou.

Correio Braziliense