Queiroga sai mais desgastado do segundo depoimento

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Foto: Adriano Machado/Reuters/Reprodução

Que o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, se equilibra numa navalha afiada ao tentar coordenar o combate à pandemia servindo a um governo que preza negacionismos diversos, aí não há novidade.

Mas sua segunda oitiva na CPI da Covid conseguiu ser ainda pior do que a primeira, quando adotou a tática da omissão e da evasão ao ser colocado na chapa quente da comissão no Senado.​

Após a inconstância da fala do mês passado, quando a falta de respostas evidenciou que o problema maior do ministro é o presidente Jair Bolsonaro, Queiroga apresentou-se mais incisivo nesta terça (8).

Reafirmou sua tática de evitar comentar as barbaridades perpetradas pelo chefe e até mudou sua versão sobre o veto à presença da médica Luana Araújo na pasta: de uma decisão da Casa Civil, agora Queiroga tenta matar no peito.

É um efeito colateral do depoimento-show de Luana na semana passada, que alimentou debates sobre a autonomia do ministro da Saúde.

Com mais assertividade, Queiroga enunciou números fabulosos e suspeitos de entrega de vacinas, e chegou a bater boca de forma acalorada com o também médico Otto Alencar (PSD-BA), sempre ele.

Perdeu a mão em um diálogo inacreditável, no qual admitiu que não leu a bula da vacina da Pfizer, cujo regime de aplicação de duas doses tem um intervalo de 12 semanas no Brasil, enquanto o fabricante recomenda 3.

Em um país civilizado, é o tipo de franqueza que custaria o que sobrou de credibilidade pública da autoridade, quando não seu cargo. O argumento de que foi uma “pegadinha” não se aplica quando o assunto é uma pandemia que levou 475 mil almas no país.

Mas estamos no Brasil, então em frente. Queiroga então enfim afirmou o óbvio, de que não há tratamento precoce que tenha comprovação hoje no mercado.

Ele ainda tentou consertar para o público bolsonarista e voltou a dizer que há “grande divisão” na área médica, mas enfim disse com todas as letras que cloroquina não funciona.

Isso foi suficiente para colocá-lo no alvo de ninguém menos do que Luis Carlos Heinze (PP-RS), o folclórico senador-cloroquina, que o admoestou a não abandonar o tratamento precoce.

Heinze, aliás, parece ter refinado sua busca por mitos e lendas da internet. Reproduziu até a suposta nomeação de um médico ucraniano radicado nos EUA ao Prêmio Nobel por sua pesquisa sobre a profilaxia.

Primeiro, a lista do Nobel não é pública e indicado até Queiroga pode ser. Segundo, o trabalho de Vladimir Zelenko já está desacreditado por não atender aos padrões-ouro de execução.

De resto, a CPI repetiu o roteiro adotado desde seu começo. O grupo dominante, opositor/independente, deixou a temperatura alta e evidenciou a dificuldade de Queiroga.

Por outro lado, como apontou o prócer governista Marcos Rogério (DEM-RO), é bastante óbvio que uma tática de fazer o ministro falar mal do chefe não iria colar. Há, como corretamente disse, “pré-concepção” nos trabalhos da CPI.

Não haveria de ser diferente, contudo, até porque historicamente comissões no Brasil são jogos sem muita ambiguidade em sua condução de lado a lado.

Quando muito, há nuances colocadas, como no momento em que Rogério Carvalho (PT-SE) disse que o problema real não era o negacionismo, mas a adoção da ideia de imunidade de rebanho estimulada na prática pelo Planalto.

O tema da Copa América, que foi bastante antecipado num desses erros de roteiro clássicos de comissões do tipo, girou em falso, com as argumentações de lado a lado sendo desfiadas de forma previsível.

Esse tem sido um problema desta comissão, de resto. Como ela é praticamente comentada em rede social por seus membros, analisando os depoimentos enquanto eles acontecem, resta pouco em termos de surpresa tática.

Naturalmente pode haver algum momento de ruptura ou revelação, mas por ora o que está colocada é a construção de um caso contra Bolsonaro, sob protestos com pouco mais do que ruído político a oferecer —ou versículos bíblicos, como fez Soraya Thronicke (PSL-MS) nesta terça.

Ao fim, para o comando da CPI a volta do ministro talvez tenha sido algo precipitada, mas Queiroga nada ganhou em sua segunda sessão de fritura.

Folha