“Rolando Lero” da CPI faz sucesso entre bolsonaristas
Foto: Pedro França – 6.mai.21/Agência Senado
O senador Marcos Rogério (DEM-RO), 42, é conhecido por mais de um apelido na CPI da Covid. A gosto do freguês.
Para aliados do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), é o cão de guarda mais eficiente na matilha que defende o governo das acusações de dolo e omissão no combate à pandemia.
Já o presidente do colegiado, Omar Aziz (PSD-AM), segundo pares, batizou-o nos bastidores de Rolando Lero, o personagem que sempre tentava enrolar o mestre na Escolinha do Professor Raimundo.
Ao menos num consenso os dois lados chegam: é o ápice de projeção para o homem que começou a carreira política com uma derrota, perdendo por apenas um voto uma vaga de vereador em Ji-Paraná (RO), e 17 anos depois, virou o leão de chácara do bolsonarismo na CPI.
Mesmo num ranking dominado por opositores, é Rogério quem lidera a popularidade digital entre os membros da comissão.
Pudera. Um senador da oposição reconhece que o colega tem boas sacadas, que lhe parecem pensadas para viralizar nas redes sociais. A sessão de 20 de maio, que pôs o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello sob escrutínio, foi uma oportunidade de demonstrar os dotes de influencer.
“Eu vou mostrar aos senhores, vou passar um videozinho rápido aqui para que todos possam assistir”, disse Rogério, com um tablet na mão. “Conhece esse daqui, presidente?”
“Eu não ouvi, mas é o governador de onde que está falando em cloroquina?”, engata Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), primogênito do presidente da República.
É a deixa para Rogério exibir imagens de governadores adversários de Bolsonaro, como o paulista João Doria (PSDB), o maranhense Flávio Dino (PC do B) e o alagoano Renan Filho (MDB), filho do relator da comissão, senador Renan Calheiros (MDB-AL). Todos, segundo Rogério, favoráveis ao uso de cloroquina contra a Covid.
O senador governista usa as falas fora de contexto. Elas aconteceram no começo da pandemia, quando a comunidade científica ainda avaliava se o medicamento poderia ajudar no tratamento.
Quando, em julho de 2020, Bolsonaro balançou uma caixa de cloroquina para emas do Palácio da Alvorada, essa hipótese já havia sido descartada pela ampla maioria dos pesquisadores, e também por esses governadores.
A camaradagem entre Marcos e Jair tem lastro. “O presidente sempre foi um deputado conservador, e nessas pautas a gente estava sempre junto”, diz o senador à Folha. “Além disso, eu atuava muito no Conselho de Ética, e Bolsonaro era um cliente frequente.”
Apologia da tortura e racismo são alguns dos temas que levaram o então deputado Bolsonaro ao órgão do qual Rogério fazia parte.
Uma reunião do Conselho de Ética da Câmara ilustra bem a afinidade da dupla.
Era 9 de novembro de 2016, e Jean Wyllys, à época deputado federal do PSOL-RJ, respondia por ter cuspido em Bolsonaro sete meses antes, na sessão de abertura do impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT). Único homossexual assumido da Casa, Wyllys disse que o colega foi homofóbico com ele.
Membro do colegiado, Rogério levantou para Bolsonaro cortar ao questionar se a saliva chegou só no alvo.
“Pelo que eu me lembro, atingiu 20% em mim, uma quantia muito maior no deputado Sóstenes [Cavalcante] e no deputado Luis Carlos Heinze [hoje senador e outro integrante da CPI da Covid]”, respondeu o já pré-candidato à Presidência.
O rondoniense também frisou que vídeos com Bolsonaro dizendo a Wyllys “tchau, querida, tchau, amor” mereciam uma explicação.
“Bom a gente registrar aqui a origem do ‘tchau, querida'”, afirmou, sugerindo que a expressão usada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) num telefonema com Dilma, transformada num bordão contra a petista, não era uma provocação homofóbica a Wyllys.
Nos últimos anos, o congressista com quatro mandatos nas costas (vereador, duas vezes deputado e agora senador) abraçou a agenda bolsonarista.
O gesto mais recente foi apresentar no Senado uma PEC (proposta de emenda à Constituição) para implementar o voto impresso nas eleições. Sem apresentar provas, Bolsonaro diz que as urnas eletrônicas são um convite a fraudes.
Em 2019, com o governo brasileiro na reta de líderes mundiais como o francês Emmanuel Macron por conta da devastação na Amazônia, condenou a “alta carga ideológica” injetada por ativistas que, para ele, fazem uma “divinização do meio ambiente, uma espiritualização da causa ambiental”.
Enquanto deputado, Rogério, um evangélico criado na Assembleia de Deus que em Brasília frequenta a Igreja Batista Central, envergou a espada moral. “Ideologia de gênero” (como conservadores tacharam discussões sobre teoria de gênero) é um dos alvos preferenciais.
Quando o Ministério da Saúde de Dilma lançou a campanha “Eu Sou Feliz Sendo Prostituta (sem vergonha, garota)”, ele comprou a briga em nome da bancada evangélica.
“O que o governo faz é um crime, é apologia à prostituição. O governo está patrocinando um crime ao defender essa conduta”, disse o bacharel em direito que, anos mais tarde, viraria mestre em administração pública pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (seu trabalho final foi sobre uma CPI, a da Petrobras).
“Ninguém nasce progressista. Uma pessoa nasce conservadora e pode se tornar progressista. Nasce fruto da relação pai e mãe. A criança tem que ser orientada do ponto de vista do que é natural”, diz o senador, em repeteco de um argumento caro à bancada evangélica, o da “família tradicional brasileira”.
“Para mim a concepção biológica é essa, não tem modelo híbrido nesse aspecto”, afirma o pai de uma garota de 12 anos.
Ainda que se alinhasse ao bloco e até frequentasse seus cultos de quarta-feira na Câmara, Rogério não era visto por colegas como parte do núcleo duro religioso, o “tipo pastor”. Tinha bom trânsito partidário e, segundo o próprio, mantinha “relação próxima” com o presidente mais famoso da Casa durante seu tempo lá, evangélico como ele: Eduardo Cunha (MDB-RJ).
Acabou por se tornar seu algoz. “Relatei um processo bastante doloroso pra mim”, diz sobre seu papel na ação que cassou o ex-líder da Câmara que, no impeachment de Dilma, clamou por um Deus misericordioso com a nação. “Peguei [a ação] achando que fosse fruto de uma conspiração do PT com o procurador-geral da República [Rodrigo Janot].”
Na semana passada, o site Metropoles publicou que o senador usa recursos da cota parlamentar para quitar o aluguel de seu escritório em Rondônia à sua ex-mulher. No site do Senado, aparecem pagamentos de R$ 4.600 em março e abril de 2021.
A assessoria de Rogério respondeu que ele era o dono do imóvel, que acabou ficando com a ex-esposa na partilha dos bens pós-divórcio. Escolheu manter o endereço por já ter estabelecido seu QG político lá.
O mesmo Rogério que veste o manto conservador esteve, no início de sua trajetória, à esquerda. Em 2004, ele tentou se eleger vereador de sua cidade natal, a segunda maior de Rondônia, num pleito em que nada declarou como bens —em 2018, o patrimônio informado era de R$ 1,3 milhão, incluindo uma aeronave Beechcraft, terras rurais e R$ 300 mil em espécie.
Perdeu raspando: teve 758 votos, um a menos do que o lanterninha na lista de vitoriosos. Concorreu pelo PPS, e depois migrou para o trabalhista PDT, duas legendas mais à esquerda no mosaico partidário.
“Eu era um trabalhista liberal e conservador”, afirma o parlamentar descrito por um colega dos tempos de Câmara como um “darwinista”, capaz de se adaptar a diferentes cenários políticos para sobreviver. “Minha diferença com o pedetista raiz é que ele defende só o trabalhador, mas para mim não tem como dissociar isso da defesa do gerador de empregos. Afinal de contas, o dono da empresa também é trabalhador.”
Segundo ele, a escolha pelo PDT foi para seguir o presidente local do partido e dono do grupo de comunicação para o qual trabalhou como jornalista, o senador Acir Gurgacz. Conta que rompeu com ele em 2016, por não concordar com seu apoio à Dilma. Foi quando se mudou para o DEM.
Já levou bofetadas da direita depois disso. Em 2020, o pastor Silas Malafaia o criticou por votar pela aprovação de um projeto de lei que combate fake news: “Que vergonha, Marcos Rogério! Que vergonha! Você votar junto desses esquerdopatas”.
Se havia quaisquer dúvidas sobre as digitais bolsonaristas do senador, elas foram apagadas com sua atuação na tropa de choque governista. “É um cara evangélico, muito inteligente, muito preparado, que está se destacando nessa CPI”, diz agora Malafaia.
Especula-se que o próximo voo seja para o Governo de Rondônia. Rogério desconversa sobre os planos para 2022. “Se Deus apontar para outra direção, amém.”