Surge temor de uso da PM contra adversários de Bolsonaro em 2022

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Foto: Agência/JCMazella

Episódios em que policiais militares abusaram de suas funções para fazer valer posições favoráveis a Jair Bolsonaro acenderam o sinal de alerta entre líderes políticos acerca da tática do presidente para o ano eleitoral de 2022.

No sábado (29), PMs do Recife agiram por conta própria contra manifestantes contrários ao presidente que protestavam. Dois transeuntes foram atingidos por balas de borracha, perdendo visão em um olho.

Na segunda (31), um policial em Goiânia parou um professor petista que trazia em seu carro uma faixa chamando Bolsonaro de genocida, o termo errado usado por manifestantes —genocídio, afinal, é a matança de um grupo específico, e os atos protestam contra a mortalidade generalizada na pandemia.

Citando a contestada Lei de Segurança Nacional, criada na ditadura militar e já usada pelo governo federal contra críticos do presidente, o PM acabou prendendo o professor.

Desde o sábado até a manhã desta terça (1º), houve intensas consultas entre políticos, principalmente no espectro da centro-direita opositora ao governo, preocupados com a situação, que vem dentro de um contexto ainda maior de anarquia militar.

O Comando do Exército está discutindo o que fazer com o general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde que participou de ato político com Bolsonaro no domingo retrasado (23).

Bolsonaro, como a Folha já mostrou, quer que Pazuello saia incólume do processo disciplinar, que pode tanto adverti-lo como repreendê-lo ou, na situação mais grave, determinar sua prisão por até 30 dias.

A situação está sendo discutida esta semana pelo comandante da Força, Paulo Sérgio Nogueira, com o colegiado do Alto-Comando do Exército. O temor é óbvio: se Pazuello não for punido, o que poderá impedir novas manifestações políticas de militares, algo proibido nos códigos dos fardados?

Por outro lado, se uma sanção for revertida pelo presidente após aplicada, a renúncia de Paulo Sérgio se tornaria um imperativo, emulando a crise militar de abril —na qual caíram ministro da Defesa e a cúpula das três Forças.

Em meio a esse clima adveio o movimento de sábado contra Bolsonaro, puxado por grupos de esquerda, que levou um número inaudito em seu governo de pessoas às ruas.

A insubordinação no Recife foi o episódio mais chamativo, com o governo de Paulo Câmara (PSB) tendo de afastar os envolvidos.

Mas a prisão em Goiânia causou assombro por remontar à frase atribuída ao vice-presidente Pedro Aleixo quando foi discutido o Ato Institucional número 5, em 1968.

Ao citar os riscos do instrumento que endureceu a ditadura militar brasileira, ele disse que o problema não era o presidente Costa e Silva ou seu governo, mas “o guarda da esquina”.

Como é notório, Bolsonaro e seus filhos são apoiadores históricos dos estratos inferiores das corporações militares e policiais. A proximidade, que lhe traz dor de cabeça devido à relação com milicianos no Rio de Janeiro, foi evidenciada em sua atuação durante o motim de PMs do Ceará no começo de 2020.

Bolsonaro quis negar o envio de forças federais para conter a crise, disse que não se tratava de um motim e viu o chefe da sua Força Nacional confraternizar com os rebeldes.

Naquela ocasião, o governador João Doria (PSDB-SP), chefe da maior força policial do país, alertou sobre o risco de “milicializar” as tropas por inspiração do presidente.

Governadores opositores a Bolsonaro têm trocado impressões sobre o episódio. Até aqui, não veem risco imediato de insubordinações organizadas, mas o radar está ligado. O temor óbvio é que a instabilidade adentre o ano que vem.

O presidente sempre que pode faz ameaça de uso de força contra o que chama de caos. No ano passado, sugeriu isso ao comentar os protestos contra o governo do Chile.

Depois, alertou que as Forças Armadas poderiam ser chamadas para lidar com problemas decorrentes da crise econômica acoplada à pandemia, como eventuais saques.

Neste ano, o discurso foi adaptado contra o que seria um atentado constitucional de estados que tentam limitar a circulação do Sars-CoV-2 com medidas restritivas de movimento.

No último caso, foi ao Supremo Tribunal Federal para impedir as medidas estaduais, perdendo uma vez e com a segunda tentativa em curso.

Por fim, houve até o balão de ensaio de projetos de lei para reduzir o controle de governadores sobre suas forças de segurança.

Legalmente, não há nada a substanciar a ideia bolsonarista. O artigo 142 da Constituição, que rege as Forças Armadas, até prevê seu emprego para garantir a lei e a ordem em casos extremos, mas nada disso está colocado da forma como o presidente diz.

Há outros elementos, como as políticas abertas de Bolsonaro de promoção de armamento da população.

Como citou em carta aberta ao Supremo o ex-ministro da Defesa e da Segurança Raul Jungmann, o risco embutido nesse cenário é o de repetição do ataque de apoiadores de Donald Trump ao Capitólio.

O episódio de 6 de janeiro, que não foi condenado pelo trumpista Bolsonaro ou sua família, é visto nos meios oposicionistas como um exemplo da confusão que o presidente pode incentivar em 2022 —particularmente se ainda estiver em situação desfavorável nas pesquisas ou tiver perdido a reeleição.

Com tudo isso, até o imbróglio da vinda da Copa América ao Brasil, ora em discussão, é visto com desconfiança. Afinal de contas, se o torneio acabar sendo realizado, há a possibilidade de novos protestos de rua contra o governo.

O corolário, o risco de novos conflitos, em especial se o roteiro dos atos de 2013 se repetir e houver a presença de ativistas black blocs e seu vandalismo entre os manifestantes.

Folha