Bia Kicis confessa que não pode provar fraude eleitoral

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Foto: Gustavo Sales/Câmara dos Deputados

Apesar de Jair Bolsonaro (sem partido) prometer há mais de um ano comprovar que as eleições presidenciais foram fraudadas, a aliada e autora da PEC (proposta da emenda à Constituição) do voto impresso, deputada federal Bia Kicis (PSL-DF), é categórica ao dizer que não é possível provar.​

“Eu não vou entrar nesta seara. Sabe por quê? Porque eu não vou falar uma coisa que eu não possa provar. Eu não posso provar que teve fraude. Sabe por quê? Porque o sistema não é auditável”, disse a deputada à Folha na terça-feira (20).

“O eleitor não tem como provar. Ele só sabe o que ele viu, que o voto dele não apareceu naquela urna. Aí você quer jogar para o eleitor o ônus de provar uma fraude? Isso é uma prova demoníaca. Não tem como. Agora, existem muitos indícios de problemas. Se foi fraude, se foi problema técnico, eu não sei”, afirmou.

Horas antes, Bolsonaro havia dito que, nos próximos dias, apresentará o que chama de prova de que Aécio Neves (PSDB-MG) venceu Dilma Rousseff (PT) em 2014 —algo que o próprio deputado tucano nega.

O presidente questiona frequentemente a credibilidade das urnas eletrônicas, mas nunca mostrou qualquer indício além da retórica.

O modelo atual de votação tem várias camadas de proteção e auditoria, em suas diferentes etapas, inclusive com participação de instituições e grupos externos ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Até hoje não há evidências de que tenham ocorrido fraudes em eleições com uso da urna eletrônica.

Kicis, assim como Bolsonaro, condena o que chama de falta de transparência do sistema eleitoral brasileiro e a interferência do TSE no Congresso para barrar o voto impresso.

“Eleição no Brasil virou um ato de fé. Você vota e reza para o seu voto ir para o seu candidato”, disse a deputada.

“A questão é que virou uma contenda, uma guerra. O Parlamento sempre foi a favor do voto auditável. Só que desta vez, a Justiça Eleitoral entrou em campo exatamente para abortar até mesmo o debate. Então, isso é uma coisa muito pouco republicana.”

Ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) articularam com 11 partidos do Congresso um movimento contra a mudança no sistema de votação brasileiro e botaram em xeque a maioria que Bolsonaro tinha em relação ao tema na Câmara.

A PEC do voto impresso quase foi derrotada em sessão na semana retrasada na comissão especial da Câmara, mas uma manobra de governistas adiou a votação para 5 de agosto, depois do recesso parlamentar, que vai de 18 a 31 de julho.

Mesmo que avance na comissão especial, para aprovar uma PEC são necessários ao menos 308 votos na Câmara —de um total de 513 deputados— e 49 no Senado —de um total de 81 senadores—, em votação em dois turnos. E, para valer para as eleições de 2022, a proposta teria de ser promulgada até o início de outubro.

No fim da semana passada, Bolsonaro disse acreditar que o texto não será aprovado na comissão especial. Um dos principais articuladores políticos do Palácio do Planalto chegou a dizer, sob condição de anonimato, que uma reversão da situação em plenário será difícil.
Kicis tenta se manter otimista e acompanha de perto as alterações que o relator da proposta, o deputado Filipe Barros (PSL-PR), faz no texto para tentar diminuir a resistência. “Ficou bem mais difícil, mas eu não jogo a toalha, não”, afirmou a deputada.

Para Bia Kicis, o discurso de Bolsonaro alegando que houve fraudes “atrapalhou na medida em que ficou politizada a questão e isso deu uma justificativa para as pessoas que vão votar contra por causa da interferência do TSE dizer que é por causa do presidente”.

Bolsonaro já fez diversas falas golpistas sobre o que poderia acontecer se não houver voto impresso.

Chegou a dizer que poderia haver no Brasil algo pior do que o que ocorreu nos Estados Unidos em janeiro, referindo-se à invasão do Capitólio por apoiadores do ex-presidente Donald Trump, que não havia reconhecido a vitória de Joe Biden, alegando fraude.

O mandatário brasileiro chegou também a colocar em dúvida a realização de eleições em 2022, caso o voto impresso não seja implementado.

Na semana passada, a escalada retórica golpista envolvendo a não aprovação do voto impresso chegou às Forças Armadas, por obra do general Walter Braga Netto, ministro da Defesa.

Reportagem do jornal O Estado de S. Paulo publicada na quinta (22) afirmou que o ministro teria mandado um recado por meio de um interlocutor ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), de que, sem a aprovação do voto impresso, não haveria eleições em 2022.

Segundo a publicação, Lira teria dito ao interlocutor que não participaria de nenhuma ruptura institucional.

Ao se manifestar sobre o assunto, o general leu uma nota com discurso semelhante ao do chefe, afirmando que existe no país uma demanda por legitimidade e transparência nas eleições.

De acordo com ele, a discussão sobre o “voto eletrônico auditável por meio de comprovante impresso é legítima”.

“A discussão sobre o voto eletrônico auditável por meio de comprovante impresso é legítima, defendida pelo governo federal, e está sendo analisada pelo Parlamento brasileiro, a quem compete decidir sobre o tema”, disse Braga Netto ao ler uma nota na quinta, diante de Bolsonaro, em uma cerimônia na Defesa.

A deputada recebeu a Folha em seu escritório político, na região central de Brasília, antes das manifestações de Braga Netto.

Ela disse não ter “bola de cristal” para prever o que acontecerá no país caso o projeto bolsonarista de voto impresso seja derrotado. “Depende muito do quanto que o povo está disposto a lutar ou não por transparência nas eleições”, afirmou.

Ela, no entanto, disse descartar uma ruptura institucional. “O presidente é uma pessoa coerente. Ele está falando aquilo que ele sempre falou”, disse Kicis.

“As teorias que as pessoas criam estão na cabeça de cada um. E a intenção de cada um para usar isso como uma justificativa de um golpe que só está na cabeça das pessoas. Golpe é eleição sem transparência”, afirmou a congressista.

Folha  

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