Empresas que venderam vacinas caras a Bolsonaro surgiram do nada

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Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Desconhecidas no mercado farmacêutico até poucas semanas atrás, as empresas Precisa Medicamentos e Belcher Farmacêutica têm em comum mais do que as suspeitas de irregularidades nas negociações de vacinas com o governo federal. Alvo da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid no Senado, ambas têm ligações com o deputado Ricardo Barros (Progressistas-PR), líder do governo na Câmara, e conquistaram uma série de contratos na gestão de Jair Bolsonaro em processos sem licitação.

Como revelou o Estadão, os valores dos negócios da Precisa com o governo aumentaram 6.000% após Bolsonaro assumir. No caso da Belcher, que negociou a vacina chinesa Convidencia com o Ministério da Saúde, mas não chegou a fechar um acordo, foram 12 diferentes contratos a partir de 2020. Antes disso, a farmacêutica nunca havia sido contratada pela administração federal.

Com sede em Maringá, a Belcher abriu negociação com o Ministério da Saúde para vender doses de vacinas em nome do laboratório chinês CanSino, mas no mês passado os chineses romperam a parceria sem explicar o motivo. Antes disso, a empresa paranaense já havia recebido R$ 653 mil de recursos federais, relativos a vendas de produtos médico-hospitalares relacionadas à covid-19, como máscaras cirúrgicas, luvas e termômetros. Conforme dados que constam no Portal da Transparência, os contratos da Belcher foram feitos para fornecimento de materiais para uma série de ministérios, como o da Defesa e da Economia. Embora tenha sido fundada em 2011, esta foi a primeira vez que a empresa negociou com a administração federal.

Por trás da Belcher está Daniel Moleirinho Feio Ribeiro, sócio da empresa, filho de Francisco Feio Ribeiro, um ex-secretário de Ricardo Barros na época em que ele era prefeito de Maringá. Outra ligação é o advogado Flávio Pansieri, que defende o parlamentar em ações na Justiça e, ao mesmo tempo, se apresentou como representante da empresa paranaense na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), como mostrou o jornal Folha de S. Paulo. Em nota, a empresa negou qualquer “interferência ou relação do deputado, de qualquer outro parlamentar, autoridade ou terceiro” nos negócios.

Questionado, porém, Barros admite que conhece os donos da Belcher e afirma que faz parte de sua posição no governo ter relações com empresas desse setor. “Na condição de ex-ministro da Saúde e coordenador da Frente Parlamentar da Indústria Pública de Medicamentos sou procurado por muitos parceiros do SUS e coopero naquilo que está ao meu alcance em todos os temas da Saúde. Em relação à pandemia da covid o objetivo maior é que todos os brasileiros possam ser imunizados e tratados o quanto antes. É minha obrigação como parlamentar”, afirmou. Ele também diz não ver qualquer impedimento de seu advogado atuar como representante da empresa.

Quando abriu negociações para vender vacinas ao Ministério da Saúde, em junho deste ano, a Belcher já havia sido alvo da operação “Falso Negativo”, sob suspeita de fazer parte de um esquema que superfaturou testes de coronavírus adquiridos pelo governo do Distrito Federal. A investigação aponta conluio entre empresas para oferecer produtos com preços mais altos.

A farmacêutica de Maringá virou alvo da CPI após tentar vender vacinas a um preço mais alto do que todos os outros imunizantes já comprados até agora pelo governo federal. No caso da vacina Convidencia, a dose foi oferecida a US$ 17, valor acima do imunizante indiano Covaxin, o mais caro até agora adquirido pelo Ministério da Saúde (US$15).

No caso da Covaxin, cuja compra foi intermediada pela Precisa, o contrato se tornou alvo de investigações após um servidor da pasta apontar suspeitas de corrupção no processo de contratação.

Diferentemente da Belcher, o contrato com a Precisa foi assinado em fevereiro deste ano e prevê a compra de 20 milhões de doses a R$ 1,6 bilhão. O sócio da empresa é um velho conhecido do Ministério da Saúde, o empresário Francisco Maximiano. Em 2017, uma compra de medicamentos de alto custo contra doenças raras da Global Gestão em Saúde, outra empresa de Maximiano, virou alvo do Ministério Público Federal, que denunciou a firma por participação em um esquema de desvio de recursos públicos. Na ocasião, o Ministério da Saúde pagou R$ 19,9 milhões antecipadamente pelos remédios, que nunca foram entregues. O ministro na época era Ricardo Barros, que é réu no processo por improbidade administrativa.

A negociação da Belcher com o Ministério da Saúde envolveu 60 milhões de doses, com um valor total de R$ 5 bilhões. A parceria com a farmacêutica, contudo, foi cancelada unilateralmente pelo laboratório chinês. A CanSino informou à Anvisa, por meio de um comunicado, que nem a Belcher ou o Instituto Vital (com o qual atuava em conjunto na negociação) tinham mais autorização para representar o laboratório chinês no Brasil. Procurada para esclarecer a razão do fim do contrato, a CanSino não retornou aos pedidos de entrevista.

As relações da Belcher com o bolsonarismo vão além de Barros. O sócio de Moleirinho é Emanuel Catori, que ocupa o cargo de presidente da empresa e que apareceu ao lado de empresários próximos de Bolsonaro que defenderam a compra da vacina chinesa, caso de Carlos Wizard. Outro empresário que defendeu a aprovação da Convidencia pela Anvisa foi Luciano Hang, dono da varejista catarinense Havan, ferrenho defensor do presidente, desde a época da campanha de 2018.

Um grupo de empresários, liderado por Wizard e Hang, foi o responsável pelo pedido de autorização de uso no Brasil desse imunizante chinês. Catori chegou a participar de uma “live” ao lado dos empresários, quando defendeu a vacinação pelo setor privado para “agilizar o processo de vacinação em massa para que tudo volte à normalidade o mais rápido possível”. Procurados, Wizard e Hang não responderam.

Uma terceira negociação de vacinas que entrou no foco da CPI envolve outra empresa sem tradição no ramo. A americana Davati Medical Supply virou alvo dos senadores após denúncia feita pelo cabo da Polícia Militar Luiz Paulo Dominghetti de que recebeu pedido de propina para vender 400 milhões de doses da vacina AstraZeneca com o Ministério da Saúde. Ele não apresentou qualquer prova do que disse.

Embora não reconheça o policial como representante, a empresa admite que a oferta existiu, mas não foi para frente. A AstraZeneca, por sua vez, nega que a Davati tenha autorização para vender doses da sua vacina.

Em seu site, a Davati não disponibiliza a vacina da AstraZeneca em seu portfólio, mas sim outros medicamentos como o antiviral Remdesivir, recentemente aprovado como medicamento para uso em pacientes com covid-19.

Em março de 2021, a Davati foi questionada pelo Better Business Bureau (BBB), uma sólida organização que atua nos Estados Unidos e no Canadá na promoção da transparência de informações de empresas e da confiança de mercado. Após consulta à Texas Secretary of State, o BBB contestou as alegações da Davati, de que a empresa mantém parcerias formais com farmacêuticas. Segundo registros obtidos pelo BBB, a Davati foi criada em 2013 e não há 22 anos, como divulga.

No momento, a Davati está sendo investigada pelos governos do Canadá e dos Estados Unidos por ter oferecido vacinas em nome da AstraZeneca, permissão que nunca teria sido concedida pela fabricante. No Brasil, também fez propostas a prefeituras, mas não há registros de que tenha fechado qualquer negócio.

Procurada, a empresa não respondeu aos contatos da reportagem.

Estadão

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