Ex-aliado de Damares vira seu inimigo

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Foto: Reprodução

Da direita à esquerda, todo o governo costuma ter dissidências internas, mas o atual tem batido recordes na categoria “fogo amigo”. A briga da vez é ilustrativa do nível a que isso pode chegar dentro do bolsonarismo e coloca em choque duas pessoas que eram muito próximas até pouco tempo atrás, o jornalista Oswaldo Eustáquio e a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Regina Alves. Um dos principais ativistas do bolsonarismo nas redes, o blogueiro Eustáquio se tornou conhecido pela produção de fake news, perseguição a adversários e ataques a instituições, a ponto de virar alvo do inquérito dos atos antidemocráticos no STF — amargou duas passagens pela cadeia e encontra-se no momento em prisão domiciliar. Até hoje é tratado como mártir da liberdade de imprensa por boa parte da rede de apoio ao presidente, mas se sente traído por Damares, a quem atribui muitos de seus infortúnios recentes. Como revide, partiu para o ataque, incluindo golpes abaixo da linha da cintura: acusa a ministra de acioná-lo com o objetivo de caluniar adversários dela e faz inconfidências de cunho íntimo com o objetivo de constrangê-la junto a lideranças evangélicas.

A declaração de guerra ocorreu em junho, quando Eustáquio enviou uma carta com suas confissões e supostas denúncias a trinta pessoas, incluindo vários pastores. Em um dos trechos, confessa que produziu na época da formação do atual governo uma “reportagem negativa” a pedido de Damares a respeito do deputado Marco Feliciano (Republicanos-SP). Ele era cotado para assumir o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, cargo cobiçado por ela. “Damares me ligou e pediu para que eu escrevesse essa reportagem, me apresentou elementos e disse que seria importante ‘tirar Feliciano do caminho’ ”, escreveu Eustáquio, que diz ter levado a cabo a missão, publicando uma matéria sobre supostos casos de amantes e filhos fora do casamento do deputado (que nunca se comprovaram). O jornalista se diz hoje arrependido. Coincidência ou não, Damares acabou assumindo a pasta. Procurado por VEJA, Feliciano confirmou que Eustáquio o procurou para pedir desculpas. “Como cristão, quando libero perdão, coloco o assunto no esquecimento”, diz o deputado, acrescentando que nunca tocou no assunto com a ministra.

O capítulo mais baixo da carta foi incluído sob medida para gerar barulho entre a comunidade evangélica e pode transformar Damares na primeira bolsonarista vítima de fake news produzida dentro do próprio bolsonarismo. Num determinado trecho, Eustáquio sustenta que o relacionamento entre Damares e um homem casado, o ex-assessor de parlamentares da bancada evangélica Humberto Lúcio Lima, teria destruído uma família e provocado a demissão neste ano de duas pessoas do ministério, logo após o jornalista começar a espalhar a fofoca. Uma das afastadas foi a filha de Lima, que teria ficado revoltada ao saber que o pai traía sua mãe com Damares. Trata-se de uma garota de 20 anos que ocupava um cargo terceirizado de assistente administrativa no ministério. Eustáquio cita também o desligamento na pasta do advogado Paulo Fernando Melo. A VEJA, Melo disse que realmente tratou do assunto com a ministra. “Obviamente, teve essa questão particular íntima, que para mim é totalmente irrelevante, e não deixou de causar um certo desconforto com ela. Mas eu não saí por causa desse episódio, e sim porque comecei a prestar serviços como advogado eleitoral do PTB”, explica.

Independentemente de a história ser pura fake news ou um recheio de meias verdades turbinado por ilações irresponsáveis (método, aliás, consagrado pelo bolsonarismo), o fato é que Damares já começou a sofrer um desgaste dentro do mundo evangélico. Em 3 de junho, o pastor youtuber Anderson Silva leu na íntegra a carta de Eustáquio em uma live que teve mais de 200 000 visualizações — o vídeo trazia como título “a imoralidade sexual da liderança evangélica brasileira”. “Tem que ver isso se é verdade, não estou dizendo que é. Mas, se for, ela pode cair”, afirmou a VEJA o pastor Silas Malafaia, que também recebeu o texto e é um dos pastores mais próximos a Bolsonaro. Outros religiosos, no entanto, saíram em defesa dela. “Conheço poucas pessoas tão íntegras como a ministra. De uma vida moral ilibada”, comenta o apóstolo César Augusto, que também é frequentador assíduo do Palácio do Planalto. Na maioria dos templos, apesar do constrangimento, a ordem é de silêncio para tentar abafar o assunto.

Procurada por VEJA, Damares não quis comentar a carta, tampouco se já tomou ou pretende tomar medidas judiciais contra o jornalista. Sobre o romance, a pessoas próximas, ela reconheceu um relacionamento com Lima, mas o namoro teria acontecido no fim de 2014. Damares disse também que se sentiu traída, pois não sabia que ele era casado (hoje, Lima é pastor da Igreja do Monte). O final tumultuado do namoro não impediu que os dois mantivessem um bom relacionamento — tanto é que a ministra empregava a filha do ex-namorado até pouco tempo atrás.

Já a ligação entre Damares e Eustáquio remonta ao início do atual governo. O jornalista é também evangélico, era um dos seus principais assessores e emplacou a mulher, Sandra Terena, numa das principais secretarias do ministério, com salário de mais de 17 000 reais. A boa relação durou até setembro de 2020, quando a ministra começou a se afastar de Eustáquio, que virou um pária dentro do governo após entrar na mira do STF. Dentro dessa linha, Damares decidiu demitir Sandra Terena na presença do marido, dizendo que ele era o principal responsável. No fim do ano passado, a parceria degringolou de vez. Após ter ido para a cadeia por desafiar o Supremo, ele cumpria prisão domiciliar com tornozeleira eletrônica até que decidiu marcar uma reunião para tratar sobre violações aos direitos humanos com a ministra (ela diz que ele “forçou” o encontro e não tinha autorização para tal; Eustáquio nega e acredita ter sido vítima de uma cilada). Na época, o chefe de gabinete de Damares mandou um ofício ao ministro do STF Alexandre de Moraes alertando sobre “provável descumprimento de decisão judicial” por parte de Eustáquio. Três dias depois, Moraes ordenou nova ordem de prisão. Desde então, Eustáquio virou inimigo figadal de Damares.

O ataque baixo do ex-aliado veio em uma hora ruim para a ministra, que chegou a ser cotada como possível vice de Bolsonaro em 2022. Nos últimos dois meses, ela precisou se explicar nas redes após dizer que “acreditava” que o presidente não vetaria o passaporte da vacina e apagou um post lamentando a morte de 28 pessoas durante uma operação policial em Jacarezinho, no Rio. Já Eustáquio e sua mulher começaram a ser atacados com informações de um dossiê apócrifo que mostra fotos dele com a camiseta do Che Guevara e insinua que foi traído pela esposa — o blogueiro tem certeza de que isso é coisa de Damares, mas não há nenhuma prova. Pelo jeito, a rede de intrigas nesse núcleo bolsonarista está apenas começando.

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