Tribunais têm pouca transparência com uso de indenizações

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Foto: Robert Leal

Indenizações judiciais cujos valores chegam aos milhões de reais têm sido transferidas por juízes nos últimos anos a entidades públicas e privadas por meio de decisões com pouca uniformidade, o que dificulta a fiscalização por parte da sociedade.

Os valores em questão são oriundos das chamadas “prestações pecuniárias”, que são penas alternativas pagas por condenados pela prática de alguns crimes.

Resolução de 2012 do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) permite aos juízes aplicarem parte desses recursos em projetos sociais, mas veda “a escolha arbitrária e aleatória” dos beneficiados. Contudo, há repasses questionados durante a sua tramitação.

Em um caso, por exemplo, esses valores foram aplicados em obra na qual entidades comunitárias e o engenheiro responsável levantaram suspeita de sobrepreço, que acabaram não sendo investigadas.

Em outra situação, o Ministério Público entendeu que os juízes priorizaram um projeto em detrimento de outros que precisavam de mais dinheiro.

A partir da resolução do CNJ, os tribunais fazem as suas próprias normas para regulamentar a destinação das quantias.

Por todo o país, varas estaduais e federais costumam publicar editais nos quais pequenas entidades locais —de caridades, escolas, a polícia ou mesmo a penitenciária da região— se inscrevem em busca de recursos públicos, cuja destinação depende da avaliação dos juízes.

Mas levantamento feito pelo site de jornalismo de dados Pindograma e pela Folha em Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais de todo o país aponta que a falta de uniformidade nos critérios de repasses têm provocado problemas.

O caso em que houve atritos entre Judiciário e Promotoria aconteceu em Rondônia.

Em 2017, sem o lançamento de edital ou consulta, a Fundação Pio XII —mantenedora de hospitais filantrópicos em Barretos (SP) e em Porto Velho (RO)— obteve decisão que solicitava o repasse de 20% das prestações pecuniárias de todas as varas criminais do estado para a compra de uma máquina de ressonância magnética.

A fundação fez o pedido de doação de R$ 2 milhões apenas um dia depois que os recém-eleitos presidente e corregedor do TJ-RO baixaram um ato permitindo a centralização em Porto Velho de quase todo o dinheiro arrecadado com as indenizações no estado.

O juiz nomeado pelo presidente para gerenciar a centralização das indenizações, Sérgio William Domingues Teixeira, acolheu o pedido da fundação e pediu às varas criminais que repassassem 20% de seus recursos à conta estadual.

O Ministério Público questionou o processo. Entre outros motivos, apontava que “a preferência da destinação [dos valores] é para execução penal, reinserção social, assistência de vítimas de crimes e prevenção da criminalidade”.

“Deixou-se de haver priorização das necessidades locais com relevância social e urgência. Destaque que o estado de Rondônia possui condições para arcar com a aquisição do equipamento”, disse a Promotoria, que cobrou devolução dos recursos.

A corte, porém, não voltou atrás. Em nota, o juiz Sérgio Teixeira afirmou que houve “a adoção de um projeto muito importante e de evidente interesse público estadual que, diante do valor necessário, não podia ser atendido por um único juízo”.

Afirma ainda que o Ministério Público não apresentou recurso à decisão e que, informalmente, o procurador-geral de Justiça do estado apoiou a decisão.

Também diz que não era necessário edital, porque o órgão que centralizou a demanda não é responsável pela arrecadação e, a pedido da presidência e da Corregedoria, encaminhou demanda que buscava “atender a um projeto de evidente interesse público e inquestionável alcance estadual, apresentado por uma instituição sem fins lucrativos e cadastrada em órgão jurisdicional”.

Documentos anexados ao processo, obtidos via Lei de Acesso à Informação, apontam que a Fundação Pio XII pagou pela máquina de ressonância antes mesmo de o TJ-RO liberar o dinheiro da compra.

Segundo o juiz Sérgio Teixeira, não há irregularidade nessa prática, uma vez que o setor do tribunal já havia decidido repassar os valores.

Em nota, a Fundação Pio XII informa que a unidade necessitava do aparelho e, tomando conhecimento da possibilidade de obtenção de recursos provenientes das prestações, fez o requerimento ao TJ-RO. Diante de manifestação favorável, iniciou os procedimentos para importação do equipamento.

“Ocorre que a conclusão da importação se deu de forma antecipada”, diz a nota. “Em razão da chegada antecipada do equipamento, restou à instituição a obrigação de remanejar recursos a fim de que o pagamento fosse realizado.”

Em Minas Gerais, o Tribunal de Justiça repassou cerca de R$ 6,5 milhões para a construção de Apacs (Associações de Proteção e Assistência aos Condenados), uma espécie de prisão alternativa focada na ressocialização dos presos.

Em algumas delas, foram apontadas inconsistências nos gastos. Em Varginha, documentos apresentados ao tribunal apresentavam inconsistências quanto à capacidade do prédio. Ora se falava de 60 presos, ora de 120 —embora o valor fosse sempre constante.

Em maio de 2019, o prédio ficou pronto, mas com capacidade máxima, segundo o TJ-MG, de apenas 42 internos. A Apac Varginha custou R$ 900 mil aos cofres públicos, enquanto a Apac Feminina na cidade de Conselheiro Lafaiete, com capacidade para 60 detentas, custou R$ 500 mil.

Outra Apac, na cidade de Patrocínio, também teve problemas. Em 2017, o juiz responsável por monitorar a obra delegou a um engenheiro civil contratado pelo conselho da comunidade a responsabilidade de prestar contas ao tribunal. Em 2019, ele apresentou reiteradas análises técnicas criticando a obra.

Em uma delas, indicou suspeita de superfaturamento e favorecimento pessoal. Disse que “os materiais adquiridos apresentam valores superiores aos de mercado para compra em grande quantidade” e que a concorrência entre fornecedores para a obra ocorreu entre três empresas ligadas ao mesmo empresário.

O Ministério Público e o juiz Bruno Henrique de Oliveira determinaram que a Apac se explicasse, mas ela nunca o fez, e o engenheiro encerrou seu envolvimento com a obra.

Quem avaliou a última prestação de contas da Apac de Patrocínio foi o contador judicial, que afirmou não ter sido possível verificar os gastos por falta de documentos.

Mesmo assim, o promotor de Justiça Fábio Bonfim defendeu que a prestação de contas fosse homologada, e o juiz concordou. Segundo ambos, as irregularidades apontadas pelo engenheiro eram meramente formais, e a obra foi entregue com os recursos inicialmente previstos.

Para o juiz, chega a ser um “milagre” que a Apac tenha conseguido construir, com apenas R$ 900 mil, o prédio. Em 2020, o processo foi arquivado sem apuração sobre as suspeitas levantadas e sem que a Apac fosse punida por deixar de prestar os esclarecimentos que o promotor e o juiz haviam requisitado.

Mais recentemente, o Ministério Público começou a investigar outras possíveis irregularidades na gestão da Apac de Patrocínio. O promotor Bonfim ainda está colhendo elementos para decidir se fará uma denúncia ou se arquivará a investigação.

No início da pandemia, magistrados pelo país passaram a determinar que os valores das indenizações fossem usados para o combate à emergência sanitária. No entanto alguns deles preferiram aplicar apenas parcialmente os recursos.

Em São Paulo, a 1ª Subseção da Justiça Federal decidiu abrir um edital que previa a doação de apenas R$ 1,5 milhão dos R$ 7,3 milhões que tinha em caixa ao final de 2019.

Procurada, a JF-SP informou em nota que, além da pandemia, juízes decidiram “também assegurar recursos para a satisfação de outras necessidades públicas também dotadas de relevância social, por meio de projetos selecionados a partir de editais periódicos”.

Todo o trâmite feito por eles, diz a nota, é “dotado de complexidade, não se esgotando com o mero repasse dos recursos”. Esse trâmite vai da publicação do edital até, sendo o caso, a homologação das contas.

A Justiça Federal do Rio de Janeiro seguiu uma lógica parecida. A vara da capital doou apenas R$ 1,5 milhão dos R$ 4,6 milhões que tinha em caixa. O mesmo padrão se repetiu em varas da Baixada Fluminense.

A Justiça Federal do Rio disse que “diante de incertezas relacionadas à correta destinação dos recursos para o efetivo combate à pandemia”, a 9ª Vara Federal Criminal “disponibilizou os valores às instituições que obedeciam rigorosamente às regras vigentes ao tempo do edital”.

Outros tribunais foram mais liberais com a aplicação do dinheiro.

Em 2020, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal doou R$ 1,9 milhão para os mais diversos projetos sociais em Brasília: creches, asilos, Apaes e caridades religiosas. No entanto, os juízes do DF não destinaram verba alguma a hospitais ou à Secretaria de Saúde do distrito.

Indagado sobre a não-destinação de recursos para a emergência sanitária, o Tribunal respondeu que “encaminha os recursos oriundos de prestações pecuniárias cumpridas por sentenciados de penas restritivas de direitos”, seguindo comandos presentes na resolução do CNJ.

Em uma decisão de fevereiro de 2021, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, limitou o poder de juízes e promotores de destinarem recursos arrecadados com indenizações, delações ou acordos de leniência.

No entanto, após consulta do TJ-SP e da Ajufe (Associação de Juízes Federais do Brasil), o ministro indicou que desde que se cumpra o disposto na Resolução do CNJ sobre o tema, a destinação de penas pecuniárias por juízes continua sendo permitida.

Procurado, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais não se manifestou.

AS PRESTAÇÕES PECUNIÁRIAS
O que são?
Pena alternativa que substitui penas privativas de liberdade, como a prisão, em casos de crimes considerados de “menor potencial ofensivo”. Segundo o Código Penal, não pode ser inferior a um salário mínimo nem superior a 300 salários mínimos

Para onde vai o dinheiro?
Os valores depositados devem ser destinados à vitima ou aos seus dependentes ou a entidade pública ou privada com finalidade social e previamente conveniada. Também pode ser destinado a atividades de caráter essencial à segurança pública, educação e saúde, desde que estas atendam às áreas vitais de relevante cunho social

Deve haver prestação de contas?
Sim, segundo o CNJ. Deve haver prestação de contas formal, sob pena de responsabilidade e com publicidade e transparência na destinação dos recursos. Eles devem ser homologados após manifestação do Ministério Público e, se houver, do serviço social do Juízo

O que é vetado?
Não podem ser destinados recursos com escolha “aleatória ou arbitrária” e também para o custeio do Judiciário, para promoção pessoal de magistrados ou integrantes das entidades beneficiárias, para pagamentos de membros dessas entidades, para fins político-partidários e para entidades que não estejam regularmente constituídas

Folha de S. Paulo

 

 

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