Vandalismo “plantado” ajuda discussão sobre “lei antiterrorismo”

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Foto: Paulo Pinto/Fotos Publicas

Em meio às crescentes mobilizações sociais pelas ruas do Brasil contra o governo do presidente Jair Bolsonaro, a Câmara dos Deputados voltou a analisar um projeto de lei (PL) que busca endurecer a ação policial contra atos terroristas no país. O documento, contudo, não deixa claro quais atitudes devem ser enquadradas como terrorismo e, portanto, serem combatidas como tal, o que virou motivo de preocupação para entidades nacionais e internacionais que defendem os direitos humanos — entre as quais a Organização das Nações Unidas (ONU). O maior receio é de que, uma vez convertido em lei, se coíba a realização de manifestações contra o governo, como as que aconteceram no último sábado em todo o país, e se tipifique como crime a participação nesses protestos.

De acordo com a proposta, de autoria do deputado Major Vítor Hugo (PSL-GO), da base de apoio ao governo, mesmo diante de atos que não são tipificados como crime de terrorismo, as autoridades policiais poderão atuar para prevenir e reprimir essas mobilizações. Bolsonaro apresentou o PL pela primeira vez em 2016, quando ainda era deputado. A proposta expirou em 2019, quando assumiu o governo, mas Vítor Hugo reformulou o projeto e o reapresentou no mesmo ano. A proposta ficou parada durante a presidência de Rodrigo Maia (sem partido-RJ).

Segundo o texto, deverá ser tratado como terrorismo qualquer atitude que seja perigosa para a vida humana ou potencialmente destrutiva em relação a alguma infraestrutura crítica, serviço público essencial ou recurso-chave, ou que aparente ter a intenção de intimidar ou coagir a população civil ou de afetar a definição de políticas públicas por meio de intimidação, coerção, destruição em massa, assassinatos, sequestros ou qualquer outra forma de violência.

Além disso, o projeto sugere a criação de um Sistema Nacional Contraterrorista, que seria controlado pelo governo federal e coordenaria as ações de planejamento para o combate ao terrorismo. A proposta também conta com artigos que garantem uma espécie de excludente de ilicitude aos policiais que eventualmente atirarem contra os terroristas durante alguma ação, e que permitem a esses profissionais se infiltrar em organizações suspeitas e utilizar uma identidade falsa durante a investigação. A matéria propõe, ainda, a instituição de um sistema de premiação aos agentes públicos que se destacarem no enfrentamento ao terrorismo.

Diferentes representantes da ONU manifestaram preocupação com esse projeto, e uma carta com as considerações da entidade sobre a proposta foi enviada ao Palácio do Planalto no mês passado. Nela, sete representantes da organização consideram que o texto “expande significativamente o conceito de terrorismo nas leis domésticas” e que ele “pode levar ao aumento da criminalização de defensores dos direitos humanos, movimentos e organizações sociais, bem como a restrições às liberdades fundamentais”.

De acordo com os integrantes da entidade, as mudanças “ampliam indevidamente o conceito de “terrorismo” e o tipo de ações consideradas “atos terroristas”, ao usar uma linguagem imprecisa, que vai muito além do entendimento estabelecido do que constitui terrorismo ou atos terroristas de acordo com o direito internacional”. “O amplo escopo e a imprecisão desses termos tornam os indivíduos suscetíveis à violação de vários direitos”, frisam.

O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos também se manifestou contra o projeto. Em manifestação à Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, Jan Jarab, um dos representantes da ONU na América do Sul, destacou que “os Estados devem garantir que a legislação antiterrorismo esteja limitada à criminalização de condutas devidamente e precisamente definidas com base nas disposições do seu enfrentamento”.

No entendimento dele, a proposta de Vítor Hugo vai na contramão disso e pode “criar fortes limitações às liberdades fundamentais, impactando diretamente na atuação da sociedade civil, movimentos sociais e pessoas defensoras dos direitos humanos, estimulando e facilitando a repressão”.

Criada em março passado pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (Progressistas-AL), a comissão especial que vai analisar o projeto que redefine o conceito de terrorismo elegeu, na semana passada, presidente e relator — respectivamente Evair de Melo (Progressistas-ES) e Sanderson (PSL-RS), vice-líderes do governo na Casa. Mas parlamentares de oposição que integram o colegiado questionam a necessidade de o tema ser debatido, visto que o Brasil não é um país conhecido por ser palco de atos terroristas, e temem que a proposta seja aprovada sem amplas discussões sobre os seus efeitos, pois a pandemia da covid-19 pode comprometer a realização de audiências públicas.

Na avaliação do deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), a proposta pode instituir um “estado policial vigilantista”. Assim como a ONU, ele acredita que as normas do projeto cerceiam a liberdade de expressão dos brasileiros, pois é muito vaga a definição daquilo que se enquadrará no conceito de terrorismo.

“Temo que utilizem o argumento de combate ao terrorismo para se combater os adversários do regime. O governo mostra que tem grande intolerância com movimentos sociais. O Brasil segue na contramão dos países democráticos, que buscaram ter mais transparência nas políticas de gestão de segurança. O que está nessa proposta é a instituição de vários instrumentos repressivos, o que não ajuda em nada a amadurecer a democracia”, criticou

Fernanda Melchionna (PSol-RS) ataca o projeto que, segundo ela, “visa regulamentar tudo o que Bolsonaro vem tentando fazer de forma ilegal, que é o aparelhamento dos órgãos policiais para atingir objetivos pessoais e políticos”. “No momento em que é mais questionado, com manifestações gigantes acontecendo, ele tenta endurecer a legislação para criminalizar os que lutam. É uma tentativa de fechar as liberdades democráticas por dentro do regime político”, analisa.

Vítor Hugo nega que o objetivo da sua proposta seja o de perseguir manifestantes contra o governo. “Esse projeto não criminaliza ou penaliza nenhuma atuação de movimentos sociais. Só há um tipo penal no projeto de lei, que é o que reforça a cadeia de comando contraterrorista. A gente vai ver deputados de esquerda fazendo críticas, o que é normal da democracia, mas tenho certeza de que eles não ficarão somente nessas críticas. Espero que tragam contribuições para o texto”, salienta.

De acordo com o deputado, o país carece de uma legislação que o proteja do terrorismo, por isso o projeto é relevante. “Essa legislação virá suprir uma lacuna que ainda existe. No Brasil, nós demoramos 15 anos somente para aprovar o tipo penal do terrorismo. Mas não temos uma legislação que estabeleça quais são os fundamentos, critérios e balizas para um sistema de prevenção e combate ao terrorismo”, explica.

O presidente da comissão especial que vai debater o projeto também defende a proposta. “É um tema de alta relevância. O Brasil tem avançado em alguns aspectos, expandindo a economia e mantendo relações mais abertas com outros países, e é preciso ficar atento a isso. O mal não tem fronteira. Ações preventivas contra o terrorismo são necessárias. Quem não tomar esse cuidado pode pagar um preço muito caro”, destaca Evair de Melo. (AF)

Roberto Brant
“Vivemos hoje na política um dos momentos mais baixos da nossa história. Temos um governo sem projeto e sem rumo e um parlamento fragmentado em facções desconectadas e sem compromisso”

Desde o fim da Segunda Guerra Mundial até os dias de hoje, nenhum país transformou sua economia e tornou-se desenvolvido sem a liderança deliberada do Estado e sem as principais instituições da economia de mercado. As economias centralizadas do tipo soviético, como sabemos bem, terminaram em grande fracasso. Do mesmo modo, os países em que o Estado esteve ausente tampouco foram capazes de cruzar a linha que leva à prosperidade.

A lição a se extrair da história é de que Estado e mercado são instituições complementares e não faz sentido colocá-los em polos opostos. O que é preciso é que o Estado seja público e o mercado seja livre. Toda a discussão puramente ideológica, separando visões de esquerda e liberalismo econômico, não leva a qualquer resultado, pois pretendem atribuir valor universal a ideias que dependem do tempo, das circunstâncias e do lugar onde se aplicam. Além de inúteis, são discussões que nos afastam das soluções dos problemas reais.

Na vida das sociedades, há coisas que só podem ser realizadas pelo Estado e outras que são mais bem produzidas pela iniciativa privada. O máximo de benefício se alcança quando as duas esferas não se confundem, ou seja, quando o Estado não se propõe a produzir bens e serviços que se vendem nos mercados e quando o interesse privado não interfere na produção de bens públicos. Quando esses papéis se confundem, o Estado torna-se mau empresário e a esfera essencialmente pública torna-se privatizada. Esse é um risco sempre presente no capitalismo e vem ameaçando a democracia.

Um dos bens públicos por excelência são as políticas econômicas destinadas a promover o crescimento da economia. Entre os vários, e às vezes conflitantes, objetivos de uma sociedade, um dos mais essenciais é a prosperidade econômica para a maioria das pessoas. O livre funcionamento das forças de mercado quase nunca é capaz de realizar isto, pois o que move a decisão das empresas é o retorno financeiro do investimento e não as necessidades de bem-estar da população. Hoje podemos saber, com certeza, que isso se faz pela ação simultânea e complementar do dinamismo empresarial e da qualidade da vida política.

Vivemos hoje na política um dos momentos mais baixos da nossa história. Temos um governo sem projeto e sem rumo e um parlamento fragmentado em facções desconectadas e sem compromisso. Para piorar, nos tornamos uma sociedade marcada pela descrença, pela desconfiança e pelo rancor. Nesse ambiente, caminhamos para eleições gerais em que se escolherá que maioria teremos e para quê. A pergunta a fazer é como poderemos construir um novo projeto de economia e de país nessas condições.

As eleições de 2018 foram travadas num ambiente de grande vazio de ideias, numa disputa de rejeições e ódio, em que o futuro do país não esteve em cogitação. O resultado que colhemos são mais quatro anos perdidos e a incerteza de ainda sermos capazes de regeneração.

Em outros momentos, nosso país foi capaz de renascer e de recuperar-se, mesmo depois de crises políticas e econômicas tão graves como as que vivemos hoje, como o fim do regime militar e as consequências do governo Collor. É perfeitamente possível que sejamos capazes de fazê-lo mais uma vez. Para isso, no entanto, é necessário que se apresente ao povo um projeto de país, um horizonte de nossas possibilidades e não apenas um perfil de personalidade ou um arranjo de interesses.

Há muito tempo, o desenvolvimento econômico deixou de estar presente na agenda dos governos. Sem a sua iniciativa e liderança, não vamos superar os anos perdidos. A estagnação brasileira tem uma forte tendência para se perpetuar sem a intervenção do poder e dos recursos do Estado, único agente que tem autonomia para quebrar os elos do círculo vicioso.

Um projeto político que coloque o Estado a serviço desse objetivo seria capaz de reinventar o sentido de uma campanha eleitoral, oferecendo ao povo brasileiro não uma oportunidade de trocar os grupos no poder, mas a esperança de se inventar um novo país.

Correio Braziliense

 

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