1/3 das mulheres negras não consegue estudar ou trabalhar

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Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo

Aos 21 anos, Maria Eduarda de Morais dedica seus dias aos cuidados dos filhos, uma menina de seis anos e um menino de três, e às tarefas domésticas, como cozinhar e limpar. Ela saiu da escola quando descobriu a primeira gravidez, no nono ano do ensino fundamental. Tentou retomar os estudos, mas depois do segundo filho não foi possível continuar. A rotina em casa é cansativa, conta a jovem, que sonha em ter sua própria renda, mas há anos não consegue nenhum serviço. Também pensa em voltar a estudar, mas para isso precisaria ter alguém para tomar conta das crianças.

— Quero ter minha independência. Já trabalhei como ajudante de idoso, com faxina, o que aparecer eu trabalho. Acho que por causa da pandemia está ainda mais difícil. Outro dia inaugurou uma farmácia, mandei o currículo e não me chamaram, mas chamaram minha colega, que é mais clarinha que eu — conta.

Maria Eduarda mora no bairro Pantanal, em Duque de Caxias (RJ) com as crianças e o marido, que faz biscate em obras. Sua condição não é um caso isolado. Assim como ela, 32% das mulheres pretas ou pardas entre 15 e 29 anos não estudavam nem estavam ocupadas no Brasil, segundo a Síntese de Indicadores Sociais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com base em dados de 2019, que considera como ocupada a pessoa que trabalhou ao menos uma hora na semana da pesquisa.

De acordo com o IBGE, as chances de uma jovem negra (preta ou parda) estar nessa situação eram 2,4 vezes maiores do que as de um homem branco da mesma faixa etária (13,2%). O grupo também estava em desvantagem em relação aos homens negros (18,9%) e às mulheres brancas (20,8%). Especialistas afirmam que a gravidez na adolescência e os afazeres domésticos estão entre as principais causas para a alta taxa entre as jovens negras.

— É uma questão de gênero importante: estar sem trabalhar e estudar para as mulheres tem a ver com os afazeres domésticos e cuidados. E quando perguntamos o motivo do abandono escolar inicialmente, a gravidez aparece como principal motivo, sendo as mulheres pretas e pardas as que mais abandonam — explica Betina Fresneda, pesquisadora do IBGE e especialista em Educação.

Fresneda afirma que as mulheres negras são um grupo que se encontra em situação mais vulnerável e explica que é gerado um “ciclo vicioso” entre o abandono escolar precoce e a dificuldade de ingresso no mercado. As mulheres têm menor participação nessa força de trabalho e as pretas ou pardas são as que têm incidência menor, destaca.

Historicamente, as mulheres negras ocupam mais o trabalho doméstico, que é muito invisibilizado no Brasil, explica Thaiana Rodrigues, mestre em Ciências Sociais pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj).

— As famílias pretas e pardas estão em um lugar de vulnerabilidade social muito maior. Nesse recorte de gênero, raça e classe, as mulheres negras geralmente são as primeiras a serem responsáveis pelo trabalho doméstico e os cuidados, de um irmão mais novo, de sua família, e muitas vezes não conseguem estudar e são vistas como se não estivessem fazendo nada — afirma a socióloga e pesquisadora do Núcleo de Estudos sobre Desigualdades Contemporâneas e Relações de Gênero.

Marcelo Neri, diretor do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV Social), pesquisa o impacto da pandemia nos jovens chamados “nem nem”. Os dados do primeiro trimestre de 2021 mostram que há piora nos indicadores de pessoas de 15 a 29 anos sem estudar e sem ocupação em relação ao pré-pandemia, em 2019. “Teve uma crise sobre uma crise”, ele afirma, destacando que as mulheres tiveram perdas maiores e que a desigualdade, em geral, aumentou.

— Principalmente entre as crianças mais novas a evasão escolar explodiu na pandemia, e isso impacta as jovens que têm filhos — afirma, e acrescenta: — Os dados também mostram que os índices de “nem nems” são piores quando os jovens são negros, cônjuges (a maioria são mulheres), quando não têm nenhuma escolaridade e quando vivem em periferias.

A pesquisa do IBGE também aponta que os estados das regiões Nordeste e Norte do país têm os maiores percentuais de jovens, em geral, sem trabalhar e sem estudar. Fresneda explica que os dados refletem as situações socioeconômicas mais difíceis das regiões mais pobres.

Carla Monteiro, de 28 anos, é de Terra-Firme, em Belém (PA). Mãe solo, ela cuida da casa e dos filhos, um menino de cinco anos e uma menina de nove meses. Já trabalhou vendendo doces em ônibus e como trancista, mas com a Covid-19 “as portas se fecharam”.

— Eu tive que procurar receber cestas básicas. Ficou muito difícil cuidar deles. Teve um momento em que me vi muito apertada, não tinha nem leite para minha filha, que não mama. Agora voltou o auxílio, não é muito, mas já dá para ajudar. Vou me virando — conta, e explica que a família do pai do menino contribui “vez ou outra”.

Ela parou de estudar no primeiro ano do ensino médio, quando foi trabalhar na loja de uma tia. Depois tentou um emprego de babá, mas descobriu que, além de cuidar da criança, queriam que ela fizesse todos os serviços domésticos — tudo por cerca de 300 reais. Carla saiu do trabalho e em seguida engravidou. Ela não gosta de lembrar da infância, pois conta que “não foi das melhores”.

Já Camila Santana, de 27 anos, fazia objetos de arte e decoração, mas também deixou de trabalhar devido à pandemia, além do nascimento de seus filhos gêmeos, atualmente com dois anos. Ela tem outra filha, de sete, e mora com as crianças e o marido, que é maqueiro, em cima da casa da sogra no bairro da Ribeira, em Salvador (BA).

— Sempre morei perto da minha família, mas nos mudamos para sair do aluguel e agora não tenho quem ajude a ficar com as crianças. Foi bem difícil, eu voltei a ter depressão, me senti muito sozinha, e até hoje ainda tenho às vezes. Agora com a maior é um pouco menos trabalho, mas ainda é difícil — diz.

Camila está “louca para trabalhar”, mas não sabe quando será possível voltar, com os filhos pequenos e pelo receio de mandar a mais velha para as aulas presenciais por conta da Covid-19.

— Com o que meu marido recebe conseguimos pagar o básico, mas todo mês aperta. Estamos tentando tirar as fraldas para diminuir o gasto. Quando eu trabalhava era melhor. Também gosto, trabalhei desde os 14 anos, estou acostumada. Não quero depender de homem, isso não é para mim não — diz.

Creches, políticas de educação e acesso ao mercado
Fresneda afirma que os percentuais de mulheres negras sem estudar e sem trabalho ilustram a ausência de políticas públicas para continuação nos estudos e inserção no mercado. Rodrigues também ressalta a importância de uma maior valorização do papel da educação para as jovens e da conscientização sobre as desigualdades de gênero e os impactos das responsabilidades que costumam recair mais sobre elas após a gravidez.

— Para mulheres são necessárias mais políticas de primeira infância, creches. No recorte de raça, a educação de negros ou negras é menor do que de brancos, então são necessárias políticas como as de cotas. As mulheres negras são duplamente afetadas, pelos dois efeitos, então é preciso enxergar as especificidades, principalmente em termos de políticas de educação e acesso ao mercado de trabalho — acrescenta Neri.

O Globo

 

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