Acusada de racismo, advogada apela a “Deus”

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Foto: Reprodução

O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) acolheu a denúncia apresentada pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) e transformou em ré a advogada Isabela Bueno de Sousa (foto em destaque) por injúria racial. O valor mínimo sugerido para a causa é de R$ 6 mil em indenização.

A decisão ocorreu após a advogada Thayrane da Silva Apóstolo Evangelista, 30 anos, representar criminalmente contra a colega de profissão, que teria se referido a Thayrane com mensagens de cunho racista em grupo de WhatsApp de advogados de Brasília. O caso foi revelado pela coluna Grande Angular, do Metrópoles.

Na mesma determinação, o juiz Wellington da Silva Medeiros, substituto da Vara Criminal e do Tribunal do Júri de Águas Claras, também indeferiu a retirada do ar das reportagens deste portal de notícias, assim como recusou a decretação de sigilo na tramitação do processo.

“No caso em exame, a situação torna-se ainda mais grave – e, por isso mesmo, a exigir a estreita fiscalização da opinião pública –, pois se está a imputar a uma advogada o delito de injúria racial praticado contra outra advogada, em um grupo virtual de advogados. Trata-se, portanto, de conduta que, se verdadeira, colide com as mais altas aspirações nacionais e supranacionais de civilidade e de progresso humano”, registrou o magistrado.

Procurada, a advogada Isabela de Sousa atribuiu a repercussão à corrida pelo comando da Seccional do Distrito Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-DF). Ela defende a candidatura de Thais Riedel à presidência da entidade local contra a reeleição de Delio Lins e Silva Júnior.

“Estou tranquila. Sei que a Justiça irá julgar da forma devida. A única coisa que guia minha vida é Deus e minha consciência [sic]”, declarou.

No fim de junho, a promotora Mariana Silva Nunes, do Núcleo de Enfrentamento à Discriminação (NED), sugeriu à Justiça que, no momento da citação, “seja a denunciada convidada a participar do curso de Conscientização para Igualdade Racial ministrado pelo MPDFT, em parceria com a UnB, e cuja inscrição deverá ser realizada pela denunciada através do envio de e-mail ned@mpdft.mp.br ou pelo telefone 3343-9840, sendo-lhe informado que a regular participação repercutirá positivamente na eventual pena a ser-lhe aplicada em caso de condenação”.

“O Núcleo de Enfrentamento à Discriminação do MPDFT manifesta-se no sentido de que os instrumentos de Justiça consensual não são necessários e suficientes para reprovação e prevenção dos crimes raciais. ln casu, a suspensão condicional do processo também não é cabível tendo em vista que, em razão da causa de aumento de pena, a pena mínima suplanta 1 (um) ano, inviabilizando a oferta do benefício”, registrou.

Thayrane pediu que o MPDFT abrisse um procedimento para investigar o caso. Os advogados Antônio Carlos de Almeida Castro – conhecido como Kakay –, Pedro Ivo Velloso, Roberta Cristina de Castro Queiroz e Liliane de Carvalho Gabriel assinam a representação.

“Os fatos graves, infelizmente, se deram em um grupo de WhatsApp de advogados, o que potencializa a força da injúria. Esperamos a manifestação do Núcleo de Enfrentamento à Discriminação do Ministério Público do Distrito Federal”, afirmaram os advogados, em nota.

Na conversa ocorrida na noite de 11 de janeiro, Isabela enviou emoji de bananas após Thayrane mandar uma figurinha. Thayrane, então, disse não ter entendido, e Isabela escreveu: “Reserva de pensamento. Pensei alto, sorry [desculpa, em inglês]”. Logo em seguida, Thayrane enviou informações sobre o delito de injúria racial. Isabela respondeu: “Banana é a fruta que mais gosto, mas ela representa pessoas sem personalidade. Acho fácil de entender”.

Segundo a representação criminal, “simulando falsa ingenuidade”, Isabela afirmou ter utilizado a imagem de bananas “apenas porque ela representaria pessoas sem personalidade”. Mas, em seguida, escreveu que preconceito “não é só de raça”, “raça não é só a negra”, e que também sofre preconceito “por ser loira”.

“Ora, as manifestações acima demonstram o dolo intenso da representada, bem como sua vã tentativa de escapar à persecução penal, após ter sua conduta apontada publicamente pela representante. Tentativa esta, sublinhe-se, completamente inútil, pois a associação feita entre pessoas negras e macacos é, lamentavelmente, uma das formas mais abomináveis e comuns de expressar o racismo”, diz trecho do documento direcionado ao órgão de investigação.

A denúncia cita, ainda, que “diversos membros” do grupo de WhatsApp demonstraram indignação a respeito da situação e que 15 pessoas decidiram deixá-lo. Isabela enviou uma mensagem privada para Thayrane dizendo que não houve nenhuma intenção de ofendê-la, “muito menos qualquer insinuação de caráter racial”, e que abomina qualquer tipo de racismo.

A representação ressaltou, contudo, que o reconhecimento de responsabilidade não resulta na extinção da punibilidade: “Impondo-se, portanto, a instauração de investigação criminal, sobretudo em face da intensa gravidade da ofensa.”

O caso também foi parar na Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF). Em janeiro, Thayrane registrou ocorrência contra Isabela por injúria racial na Delegacia Especial de Repressão aos Crimes por Discriminação Racial, Religiosa ou por Orientação Sexual ou Contra a Pessoa Idoso ou com Deficiência (Decrin).

As comissões de Igualdade Racial da Seccional do Distrito Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-DF) e da Subseção de Águas Claras divulgaram uma nota de repúdio à “ofensa racista direcionada à dra. Thayrane Evangelista”. “Maldosamente, atribui-se aos negros a imagem animalesca dos símios (primatas) a fim de promover a sua desumanização”, disse trecho do texto.

O que diz Isabela
A coluna tentou contato com a advogada Isabela Bueno de Sousa na tarde de quinta-feira (24/6), que tentou impedir a publicação do ato de acesso público do Núcleo de Enfrentamento à Discriminação (NED), do Ministério Público local. Sem sucesso, passou a ligação para o advogado, que afirmou não ter conhecimento da citação da cliente. “Apenas após tomar conhecimento poderemos nos pronunciar.”

Em janeiro, contudo, também ao Metrópoles, Isabela negou que tenha sido racista. Segundo ela, o emoji de banana foi utilizado com outra finalidade: “Fui procurar uma figura que simbolizasse uma pessoa discípula, mole, que se deixa levar pelas outras e, quando vi a banana, achei que representaria isso”.

Disse, ainda, que a denúncia contra ela é fruto de perseguição política, devido a ações que faz “em desfavor” da atual gestão da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Isabela afirmou que a advogada e conselheira federal da OAB Daniela Teixeira, dona do escritório onde Thayrane trabalha, a escalou para “que fosse aos embates comigo, a fim de me desqualificar”.

“Daniela e o grupo que participa da gestão me veem como adversária política devido a diversas ações que fiz e sabem que farei em desfavor da gestão, como, por exemplo, a ação do quinto constitucional e o auxílio político para os funcionários da OAB-DF indevidamente demitidos”, pontuou.

A advogada acrescentou que viu Thayrane “umas três vezes” em sua vida e nunca se atentou quanto à cor da pele dela. “Quando debato com qualquer pessoa, não reparo na cor de sua pele, pois, para mim, a cor da pele não tem qualquer importância. Não houve cunho racista. Ressalto que minha filha também é bem morena e o pai de minha filha também é bem moreno”, destacou.

Citada ainda em janeiro por Isabela como autora da “perseguição”, Daniela Teixeira enviou à coluna uma nota. “Todos no mundo sabem o significado que se quer dar quando se oferecem bananas a uma pessoa negra. É a tentativa de humilhá-la, comparando-a a um macaco. É uma postura grosseira, condenável e combatida na vida social, na política, nos estádios de futebol e em todo o mundo civilizado”, pontuou.

Daniela citou que Isabela deixou claro ser crítica das atuais gestões da OAB distrital e da federal e disse que ela “tem todo direito de expressar suas opiniões, certas ou erradas”. “Mas, para debater sobre assuntos da OAB, deveria trazer argumentos jurídicos e não oferecer bananas publicamente a uma jovem advogada”, ponderou.

Metrópoles

 

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