Barros omite informações ao falar à CPI

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Foto: Gabriela Biló/Estadão

O deputado federal Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo Bolsonaro, prestou depoimento nesta quinta-feira, 12, à CPI da Covid. Ele é suspeito de envolvimento na negociação da Covaxin, vacina indiana que teve a importação suspensa após denúncias de supostas irregularidades. O parlamentar fez alegações enganosas sobre sua gestão como ministro da Saúde no governo Temer. Leia as checagens abaixo.

O que Ricardo Barros disse: que o deputado federal Luís Miranda (DEM-DF) “nunca afirmou” que o presidente Jair Bolsonaro disse que ele, Barros, estaria envolvido em irregularidades na Covaxin. Segundo o parlamentar, Bolsonaro teria perguntado sobre o assunto, não feito uma afirmação.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: não foi isso que o deputado Luís Miranda disse em depoimento à CPI da Covid, em 25 de junho. Segundo o deputado, ele e seu irmão, que é servidor do Ministério da Saúde, levaram ao presidente Jair Bolsonaro suspeitas de corrupção sobre a compra da vacina indiana Covaxin e relataram uma pressão atípica para a sua importação. Bolsonaro teria mostrado saber a origem da pressão ao dizer que seria “mais um rolo” de um parlamentar, posteriormente identificado como sendo Ricardo Barros.

Renan Calheiros: Que providências o Presidente da República disse que tomaria acerca da denúncia que V. Exa. levou ao seu conhecimento?

Luís Miranda: O presidente falou, com clareza, que iria encaminhar todas as informações para o DG da Polícia Federal, e chegou a tecer um comentário de um nome de um parlamentar, que eu não me lembro bem, que ele disse assim: “É mais um rolo desse…”, e falou o nome da pessoa.

Para sustentar a tese de que Bolsonaro teria apenas perguntado a Miranda sobre o suposto envolvimento do líder do governo, Barros mostrou trechos de uma entrevista do deputado ao programa de televisão Roda Viva, da TV Cultura, e uma suposta transcrição de seu depoimento à Polícia Federal.

Miranda afirma na entrevista que mostrou para Bolsonaro reportagens sobre a empresa Global Gestão em Saúde, sócia da Precisa Medicamentos e que responde na Justiça por ter recebido R$ 20 milhões pelo fornecimento de remédios que nunca foram entregues para o Ministério da Saúde. O acordo foi fechado durante a gestão de Ricardo Barros, em 2017.

“O presidente se vê em uma situação desconfortável”, afirma o deputado ao Roda Viva. “Naquele momento ele demonstra (que) é grave. Ele olha para as matérias que a gente leva para ele sobre a Global, que tem o rosto do Ricardo Barros, e fala: ‘Esse cara, de novo? Vocês sabem me dizer se o Ricardo Barros está envolvido com isso?’”

O deputado Luís Miranda prestou depoimento sobre o caso à PF em 27 de julho. Esse documento não é público, mas o Estadão obteve um trecho em que o parlamentar confirma que mostrou notícias sobre a Global a Bolsonaro, entre outros materiais. A gravação é cortada antes de o deputado detalhar qual foi a afirmação do presidente.

O que Ricardo Barros disse: que não contratou a VTCLog, investigada pela CPI da Covid por suspeitas de superfaturamento em contratos, porque o documento foi assinado 90 dias depois que deixou o Ministério da Saúde, no governo Temer.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. O contrato com a VTCLog com o Ministério da Saúde para armazenamento e transporte de insumos realmente foi assinado cerca de três meses após a saída de Ricardo Barros do Ministério da Saúde, mas o processo ocorreu enquanto ele era ministro.

A VTCLog é investigada pela CPI da Covid por suspeitas de superfaturamento em contratos. Uma reportagem recente do portal UOL informou que testemunhas relataram aos senadores que a “operadora logística” montada durante a gestão Barros seria um meio para desviar recursos do Ministério da Saúde. A suspeita é de que, desde 2018, haveria um esquema de pagamento de propinas a políticos e servidores com valores de até R$ 296 mil mensais.

De acordo com documentos públicos, a decisão de terceirizar a logística do Ministério da Saúde ocorreu por meio de um edital publicado em 20 de novembro de 2017. Nesta data, Barros fechou a Central Nacional de Armazenamento e Distribuição de Imunobiológicos (Cenadi), órgão público que executava a função desde 1996, e abriu licitação.

Outro documento, do Tribunal de Contas da União (TCU), indica que a proposta da VTCLog foi aceita em 20 de março de 2018, enquanto Barros ainda ocupava a cadeira de ministro.

TCU – Pregão VTCLog

Barros foi exonerado do cargo na Saúde em 2 de abril de 2018, segundo consta no Diário Oficial da União. Já a assinatura do contrato foi realizada em 9 de julho daquele ano, segundo o Portal da Transparência.

Em julho deste ano, a TV Globo teve acesso a documentos que mostram que o ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde Roberto Dias — o mesmo que foi acusado de pedir propina para a compra de um suposto lote de vacinas da empresa Davati — autorizou um contrato com a VTCLog 18 vezes mais caro do que o recomendado por técnicos do ministério.

O jornal O Globo revelou ainda que a quebra de sigilo de Roberto Dias solicitada pela CPI da Covid mostrou que ele e Andreia Lima, executiva da empresa, falaram 135 vezes por telefone em menos de um ano. E os contratos com a empresa de logística aumentaram em 70% durante a gestão de Ricardo Barros no Ministério da Saúde.

Tanto Barros quanto a VTCLog negam irregularidades. O ex-ministro sustenta que não tem ligação com a empresa, nem recebeu recursos dela. Justifica ainda que tentou contratar os Correios para o lugar da Cenadi, mas o TCU exigiu o procedimento licitatório. A VTCLog afirmou que não há desvios de dinheiro, irregularidades e pagamentos indevidos a qualquer ente público e que todos os seus contratos são devidamente fiscalizados.

Suspeitas de irregularidades na Global Gestão em Saúde
O que Ricardo Barros disse: que “a Anvisa tem culpa” no atraso de entrega de remédios contra doenças raras que deveriam ter sido entregues pela empresa Global Gestão em Saúde quando o deputado era ministro da Saúde. Segundo o parlamentar, a agência de vigilância sanitária não cumpriu várias liminares para conceder à empresa a autorização de importação dos medicamentos Aldurazyme, Fabrazyme e Myozyme.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: o deputado omite informações importantes do contexto do processo de licitação, iniciado no começo de outubro de 2017. No chamamento para a compra, o Ministério da Saúde pedia que as empresas participantes mostrassem documentos que comprovassem que tinham capacidade para entregar os remédios, como a Declaração de Detentor de Registro (DDR). Apesar de não ter apresentado nenhuma autorização da Anvisa para cumprir o contrato com a Saúde, a Global foi a vencedora da licitação. A empresa ofertou um preço menor para os medicamentos do que a concorrente, a Genzyme — essa sim tinha permissão da agência de vigilância sanitária para vender com exclusividade os remédios em território nacional.

As empresas participantes da licitação deveriam também informar o lote dos medicamentos que seriam entregues ao ministério. Segundo a denúncia do Ministério Público Federal (MPF) sobre o caso, a Global informou números de lotes inexistentes. A Saúde teria recebido um alerta em 31 de outubro sobre isso da fabricante Genzyme, hoje incorporada ao grupo farmacêutico Sanofi-Aventis, mas nada foi feito.

Ainda que a empresa não tivesse a documentação necessária nem o estoque de medicamentos, servidores da Saúde ouvidos pelo MPF disseram ter sofrido pressão dos superiores, inclusive de Ricardo Barros, para autorizar um pagamento adiantado de R$ 19,9 milhões à Global. Vários funcionários do Ministério disseram ser “absolutamente fora do comum” esse adiantamento.

Apenas em dezembro, já vencido o prazo inicial para entrega dos remédios, a Global informou à Saúde que a Sanofi não tinha respondido aos pedidos de compra de Aldurazyme, Fabrazyme e Myozyme. Nesse ponto, a denúncia do MPF afirma que, “fosse legal ou ilegal” a conduta da fabricante de não vender os remédios para a intermediária, a empresa tinha mentido no momento da licitação quanto à existência dos lotes.

Em 1º de fevereiro de 2018, quatro meses depois do início do processo de licitação, o MPF se reuniu com o então diretor do departamento de Logística da Saúde, Tiago Queiroz, pedindo que o ministério reconhecesse que a Global não teria capacidade de entregar os remédios. A procuradoria pediu que o ministério convocasse a Genzyme para o fornecimento, com o mesmo preço ofertado pela vencedora. A recomendação não foi cumprida.

Em março, Ricardo Barros disse em entrevistas que estava tomando medidas judiciais contra a Anvisa, para permitir a liberação da licença de importação para a Global. Apenas no dia 22 de março a empresa conseguiu a autorização, mas ainda assim só entregou os primeiros medicamentos em julho de 2018.

Mesmo depois de todos os problemas, o Ministério da Saúde firmou novo contrato com a Global, em 26 de junho de 2018, para entrega parcelada dos medicamentos em questão. Sobre isso, o MPF afirmou na denúncia:

“A uma empresa que prestou informações falsas sobre os lotes dos medicamentos em sua proposta de fornecimento, que não apresentou a documentação exigida por lei e pelo edital (DDR), que atrasou sistematicamente a entrega destes e de outros fármacos ao Ministério da Saúde, a quem foram efetuados ao menos três pagamentos antecipados, no valor de quase 20 milhões de reais, foi dada mais uma chance, inédita, de cumprir parceladamente os acordos para fornecimento de fármacos em regime de extrema urgência, sem qualquer justificativa para isso que não o intuito dos réus em favorecê-la, em detrimento do erário e da saúde de centenas de pacientes portadores de doenças raras e graves”.

O que Ricardo Barros disse: que a Global venceu a licitação de entrega dos remédios Aldurazyme, Fabrazyme e Myozyme por ter oferecido o preço mais baixo.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: de fato, a Global ofereceu preços mais baixos que a concorrente Genzyme na licitação para os medicamentos. No entanto, a empresa vencedora não tinha condições de entregar os produtos. No final de outubro de 2017, a Genzyme alertou a Saúde sobre a inexistência dos lotes de remédios oferecidos pela Global e se ofereceu a vendê-los pelo preço mais baixo. Mesmo assim, o ministério insistiu na compra com a vencedora da licitação.

Já em fevereiro, após reunião com o MPF sobre o atraso na entrega dos remédios, o diretor de Logística da época, Tiago Queiroz, perguntou à Genzyme-Sanofi se a proposta de fornecer os medicamentos pelo mesmo valor da Global ainda estava válida e qual era o prazo de entrega. A empresa informou que mantinha a proposta de preço e que poderia fornecer os medicamentos em 9 de fevereiro. Ainda assim, o ministério não firmou contrato com a Sanofi e, como dito anteriormente, os primeiros remédios só foram entregues em julho.

O que Ricardo Barros disse: que os acusados de serem intermediários na negociação de vacinas com o governo federal, na verdade, são representantes legais no País dos laboratórios desenvolvedores.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é verdadeiro para o caso da Covaxin, mas é falso em outros casos.

A Precisa realmente era a representante legal no Brasil da Bharat Biotech, fabricante indiana da vacina Covaxin. Tanto é que a análise do pedido de uso emergencial foi encerrada depois que a Bharat revogou essa autorização de representação.

O mesmo não acontece com outros casos denunciados e investigados pela CPI. O PM Luiz Paulo Dominghetti Pereira foi chamado para prestar depoimento após revelar ao jornal Folha de S. Paulo que teria recebido pedido de propina ao negociar vacinas da AstraZeneca em nome da empresa norte-americana Davati Medical Supply. Outro depoente que também atuou como intermediário da Davati foi o reverendo Amilton Gomes de Paula.

A AstraZeneca negou haver acordo com a empresa. No Brasil, ela faz negociações diretamente com o governo federal por meio do laboratório Fiocruz, fabricante das vacinas no país.

O que Ricardo Barros disse: o presidente Bolsonaro criou no Ministério da Saúde, em maio de 2019, a diretoria de integridade.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é verdadeiro. A Diretoria de Integridade do Ministério da Saúde foi criada em maio de 2019, a partir de um decreto presidencial que reestruturou a organização administrativa da pasta. Entre as competências do órgão descritas no documento consta “supervisionar as atividades de controle interno, ouvidoria e ética no âmbito do Ministério da Saúde, assim como auxiliar os representantes do ministério em questões de transparência e integridade.

O que Ricardo Barros disse: que enquadrou a Anvisa efetivamente ao apresentar projeto que suspendia exigência de testes clínicos de fase 3 no Brasil. Segundo o deputado, a Anvisa retirou a exigência no mesmo dia.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: o deputado Ricardo Barros apresentou, em 3 de fevereiro, um Projeto de Decreto Legislativo (PDL) que suspendia uma regra da Anvisa que exigia a necessidade de ensaios clínicos de fase 3 conduzidos no Brasil para aprovar registros de vacinas. No mesmo dia, a agência suspendeu a exigência, mostra uma reportagem do Estadão.

Em coletiva de imprensa, na época, a diretora da Anvisa Meiruze Freitas afirmou que a decisão foi tomada com base em critérios técnicos e que já era discutida pela agência. “Não foi pleito de nenhuma empresa, do governo, do Ministério da Saúde”, afirmou Freitas.

O que Ricardo Barros disse: que o Brasil deixou de comprar 60 milhões de doses da vacina CanSino por US$ 17 e que ela seria mais barata que Coronavac, Pfizer e a maioria das vacinas compradas no Brasil.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: verdadeiro em partes. CanSino Biologics Inc.é uma empresa chinesa responsável pelo desenvolvimento da vacina Convidecia. A Anvisa recebeu pedido de autorização temporária para uso emergencial deste imunizante por meio da empresa Belcher Farmacêutica, representante do laboratório no País.

Em 4 de junho, o Ministério da Saúde assinou uma carta de intenção de compra de 60 milhões de doses da vacina Convidecia pelo preço unitário de US$ 17 (R$ 86,12 na cotação do dia). Este documento é um ponto de partida para as negociações e não obriga o governo a comprar o imunizante.

Como ela é um imunizante de dose única, o preço pago para imunizar completamente uma pessoa fica abaixo de outras vacinas, como a Coronavac (R$ 58,20 por dose, R$ 116,40 por pessoa) e a Pfizer (R$ 55,07, R$ 110,14 por pessoa). No entanto, ela ainda continua acima da Janssen (dose única de US$ 10, R$ 55,07) e da Astrazeneca, cuja primeira compra foi feita a US$ 3,16 por dose (R$ 17,26), segundo a Fiocruz. Isso permitiria imunizar uma pessoa por R$ 34,52, já que ela é um imunizante de duas doses.

O processo de análise do pedido de autorização para uso da Convidecia foi encerrado em 28 de junho, sem análise do mérito, após a CanSino informar a Anvisa de que não mais autorizava a Belcher a negociar os imunizantes em seu nome. Ter um representante legal no Brasil é um dos quesitos para a Anvisa liberar uma vacina. É este representante quem responde civilmente, administrativamente e penalmente pelo respectivo produto.

Estadão  

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