Câmara pagou Lua de Mel de Bolsonaro

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Foto: Alan Santos/Presidência da República

A cerimônia religiosa de casamento entre o então deputado federal Jair Bolsonaro e a assessora parlamentar Michelle de Paula Firmo Ferreira ocorreu em março de 2013. O casal, porém, se uniu no civil anos antes. Foi em 28 de novembro de 2007, em um cartório da Avenida W3 Sul. Logo no dia seguinte, Bolsonaro e Michelle viajaram para Foz do Iguaçu (PR) em um voo da Gol, com escala em Curitiba, capital do Paraná.

Custeados com verba da cota parlamentar, os bilhetes custaram R$ 1.729,24. Bolsonaro informou à Câmara sobre sua ausência por sete dias e justificou internamente, para evitar corte de salário, como “núpcias”. Quem o liberou foi o presidente da Câmara dos Deputados, à época, Arlindo Chinaglia (PT-SP), após um processo administrativo interno.

Essa e outras revelações estão no livro “Nas asas da mamata: A história secreta da farra das passagens aéreas no Congresso Nacional”. Os autores são os jornalistas Eduardo Militão, repórter do UOL, Eumano Silva, Lúcio Lambranho e Edson Sardinha e será lançado na semana que vem pela editora Matrix, embora já esteja disponível para aquisição na pré-venda.

Os dados utilizados na obra são das próprias companhias aéreas que foram obrigadas a ceder as informações em processos na Justiça Federal. Além de Jair Bolsonaro, outros parlamentares são citados no livro que possui 312 páginas.

A coluna obteve, com exclusividade, o primeiro capítulo que conta sobre a viagem de lua de mel de Bolsonaro e Michelle. Além disso, nesse mesmo trecho, a obra revela ainda como a primeira-dama, seus parentes e os quatro filhos homens de Bolsonaro também usaram passagens compradas com a cota parlamentar para visitar locais turísticos ou passear, até mesmo sem a presença de Jair Bolsonaro.

Procurado pelos autores, o presidente da República não explicou as viagens e o uso da verba pública para pagar os bilhetes.

Antes mesmo do casamento, a partir de agosto de 2007, Michelle fez uso de passagens compradas com a cota parlamentar de Bolsonaro. Segundo o livro, a maioria tinha origem em Brasília e o destino era o Rio de Janeiro, base eleitoral do presidente e onde ele tinha residência fixa.

Ainda de acordo com os autores, as companhias TAM, Varig e Gol forneceram ao Judiciário registros de, pelo menos, 17 viagens de Michele pagas pela Câmara entre agosto de 2007 e fevereiro de 2009. Nessas ocasiões, a agora primeira-dama estava com Bolsonaro, uma das filhas ou parentes.

No total, esses voos dela e de seus parentes custaram aos cofres públicos R$ 18 mil, em valores da época.

De acordo com o livro “Nas asas da mamata”, Bolsonaro também usou verba de sua cota parlamentar para pagar viagens de Flávio, Carlos, Eduardo e Jair Renan.

Os autores apontam que, entre 2007 e 2008, os três filhos mais velhos fizeram cinco viagens entre Rio, São Paulo e Brasília com passagens da cota da Câmara. Nessa época, Carlos já era vereador no Rio de Janeiro e Flávio, deputado estadual na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio).

Em 21 de janeiro de 2008, por exemplo, Flávio e Carlos foram a Salvador, na Bahia, em pleno verão. Os dois estavam acompanhados de uma mulher não identificada pelos autores. O custo da viagem? R$ 3.903,72.

O livro ainda aponta viagens de Flávio a Florianópolis e Porto Alegre, além de outro passeio dele com o irmão Carlos para Fortaleza, no Ceará. Em todos os casos, as passagens foram pagas com dinheiro da cota de Bolsonaro na Câmara.

Quem também apareceu na lista de passageiros com bilhetes emitidos em 2007 foi Jair Renan, o “04”, e sua mãe, Ana Cristina Siqueira Valle, segunda mulher do presidente. Leonardo Rodrigues de Jesus, o Léo índio, igualmente surgiu com passagens entre o Rio e Brasília. Também na mesma época.

“Acho que tem conexão com o podcast A vida secreta de Jair porque tanto as rachadinhas, ou seja, o desvio de dinheiro dos funcionários é peculato tanto quanto o uso indevido da passagem aérea e isso não é só a gente que acha. Procuradores da República viram isso e formularam denúncias”, explicou Lúcio Lambranho, um dos autores do livro.

Bolsonaro não é o único caso do tipo no Congresso Nacional, mas para saber maiores detalhes é preciso ler todo o livro que será liberado após o lançamento.

Os autores começaram a investigar o caso em 2008, numa série de reportagens premiada que saiu no site Congresso em Foco a partir do ano seguinte. O livro, porém, começou a ser escrito em 2014. Eles também prometem revelar no livro como se deram os processos de arquivamento de todas as denúncias feitas no Judiciário sobre o tema.

“O livro mostra como grupos relevantes da classe política lidam com o dinheiro público e da relação deles com o público e privado. O resultado é um envolvimento suprapartidário, inclui políticos de esquerda, direita e centro”, explicou Eduardo Militão, um dos autores.

“Acreditamos que quem vai ler a obra vai poder perceber como as coisas funcionam no Brasil desde o século XIX, como funcionaram no século XX e como, aparentemente, ainda funcionam. Vai se verificar o que a gente chama de mamata. Uma relação, que se não é criminosa, é, no mínimo, indevida de apropriação privada do patrimônio público”, completou Militão.

Nas reportagens do Congresso em Foco, os jornalistas já apontavam que 1.881 voos internacionais foram pagos por parlamentares com verba de suas cotas para Miami e Nova York, nos Estados Unidos. Paris, na França. Londres, na Inglaterra. Milão e Roma, na Itália. Bariloche e Buenos Aires, na Argentina. Madri, na Espanha. Frankfurt, na Alemanha. Santiago, no Chile. Montevidéu, no Uruguai. Caracas, na Venezuela. Essas viagens foram feitas por 261 deputados e, em maioria, eles estavam acompanhados de familiares.

Em 2016, mais de 400 políticos foram denunciados pelo uso da verba da cota parlamentar para pagar passagens para destinos turísticos e também para terceiros, entre 2007 e 2008. Ao todo, foram 558 parlamentares ou ex-parlamentares que acabaram implicados no caso.

O Ministério Público Federal chegou a cobrar R$ 50 milhões em ressarcimentos e multas. No entanto, segundo os autores, a maioria dos processos acabou arquivada, incluindo o que existia contra Jair Bolsonaro.

A maioria dos parlamentares não devolveu o dinheiro usado.

Uol

 

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