Militares se dizem envergonhados por comboio golpista

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Foto: Ed Alves/CB/D.A. Press

Num ato organizado em poucos dias, dezenas de blindados militares entraram na Esplanada dos Ministérios e desfilaram até o Palácio do Planalto, onde o presidente Jair Bolsonaro os aguardava, acompanhado dos comandantes do Exército, Paulo Sérgio; da Marinha, Almir Garnier dos Santos; e da Aeronáutica, Baptista Junior. De acordo com interlocutores do governo, a intenção foi tentar intimidar o Congresso, no dia em que o Parlamento votou a proposta de retorno do voto impresso. No entanto, a precariedade dos equipamentos e a ausência de apoiadores transformou a parada num vexame e atingiu diretamente o meio militar.

Na rampa do Planalto, além dos comandantes, Bolsonaro estava acompanhado de ministros civis e militares, como o general Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional (GSI); e o ministro da Defesa, Walter Braga Netto. Convidados pelo chefe do Executivo por meio das redes sociais, os presidentes do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux; da Câmara, Arthur Lira (PP-AL); e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), não compareceram. Também não participou o vice-presidente Hamilton Mourão, num claro recado de enfraquecimento de Bolsonaro. “Não é o perfil dele, decidiu não ir”, disse um aliado de Mourão.

Apesar do fracasso, o desfile de blindados revelou um alinhamento mais incisivo da Marinha com o Poder Executivo e pressiona o comandante do Exército, Paulo Sérgio. Desde o começo do ano, Bolsonaro exige atos de lealdade e apoio dos militares ao governo. Desde que assumiu, Paulo Sérgio resiste em participar de atos políticos e endossar manifestações públicas das Forças, embora isso tenha ocorrido em notas editadas pelo Ministério da Defesa com ataques ao Congresso. De outro lado, o comandante da Marinha, Almir Garnier dos Santos, revela proximidade política com o Executivo.

O desfile foi realizado sob a alegação da Marinha de entregar um convite a Bolsonaro para participar do dia de Demonstração Operativa, no próximo dia 16, em Goiás. A chamada Operação Formosa ocorre todos os anos, e o presidente sempre é convidado para a cerimônia. Porém, neste ano, foi a primeira vez que ocorreu com uma “ação promocional” — designação dada por militares — de passagem de tanques no centro de Brasília. A sugestão da visita das tropas à Praça dos Três Poderes partiu da Marinha, foi chancelada por Braga Netto e autorizada por Bolsonaro.

A imagem de blindados emitindo fumaça em grande quantidade, em frente ao Planalto, virou piada na internet. Militares ouvidos pelo Correio se disseram envergonhados com o evento e destacaram que as tropas foram expostas. Os veículos mais novos da Força são os modelos Guaranis, produzidos em território nacional e que se deslocam sobre rodas. Os com esteira fazem parte de uma frota antiga, com raras renovações.

Ao todo, 150 veículos, procedentes do Rio de Janeiro, circularam pelo centro da capital. Do total, ao menos 50 foram até a Praça dos Três Poderes e menos de 10 estacionaram em frente ao Ministério da Defesa após a exibição.

Na noite de segunda-feira, a Marinha emitiu nota negando pressão pelo voto impresso. “Cabe destacar que essa entrega simbólica foi planejada antes da agenda para a votação da PEC 135/2019 no plenário da Câmara dos Deputados, não possuindo relação com a mesma, ou qualquer outro ato em curso nos Poderes da República”, dizia um trecho do comunicado.

O desfile de blindados, além de render memes nas redes sociais, deixou clara a penúria dos Fuzileiros Navais. Tal situação é algo comum nas Forças Armadas, que levaram décadas reciclando ou pagando caro por equipamentos que já estavam no final da vida útil nos países nos quais serviram.

Veículos de esteira chamaram a atenção não somente por serem veteranos, mas, também, por apresentarem conservação não condizente com um estado de prontidão militar. O que mais saltou aos olhos foi a quantidade de fumaça de diesel despejada pelos modelos do tanque leve SK-105 Kürassier. Ainda que este blindado seja pouco utilizado atualmente — também constam no inventário de países que estão longe de serem potências militares, como Argentina, Bolívia, Botsuana, Marrocos e Tunísia —, pois é considerado ultrapassado, a descarga do motor denuncia um desajuste resultante da precariedade com que vem sendo tratado.

Os demais blindados também não têm imensa efetividade. Um deles é M113BR, usado no transporte de tropas. De manutenção simples e relativamente barata, pode ser visto em fotografias da época da Guerra do Vietnã, o que denuncia a idade do projeto.

Dos três, o de aparência mais assustadora — e diferente — é o AAV-7A1. É também o mais moderno, sendo utilizado, inclusive, pelos fuzileiros (os Marines) americanos — apesar de ser um projeto desenvolvido nos anos 1970.

A apresentação militar na Esplanada dos Ministérios foi alvo de repúdio de diferentes parlamentares. Congressistas reclamaram da tentativa do presidente Jair Bolsonaro de intimidar deputados e senadores e julgaram inadmissível que o chefe do Executivo promova atitudes que se aproximem de um golpe contra a democracia.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), disse que “nada e ninguém haverá de intimidar as prerrogativas do Parlamento”. “Sem supervalorizar aquilo que não deve ser valorizado, mas absolutamente atentos a todas as manifestações que possam constituir algum tipo de constrangimento ou de intimidação ao Congresso. Estaremos sempre prontos, todos nós, a reagir a arroubos, a bravatas, a ações que, definitivamente, não calham no Estado democrático de direito”, ponderou.

Presidente da CPI da Covid, Omar Aziz (PSD-AM) classificou o ato como “um absurdo inaceitável” e destacou que “a democracia é inegociável”. “Não se negocia a democracia. E aqueles que usam todos os meios para apoiar um golpe estão contra a democracia, estão cometendo um crime constitucional, independentemente do meio de comunicação”, frisou. “Quem esteja, neste momento, apoiando esses tipos de atos, arroubos contra a democracia brasileira, não pode passar impune.”

Ele ressaltou que “o Brasil passa por um momento grave”, mas acrescentou: “A democracia tem instrumentos para defender a própria democracia contra arroubos golpistas. Agressões à Constituição não são legítimas. Defender golpe não é aceitável. E defender o fim da democracia precisa ser punido com o rigor da lei”.

O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) alertou que “a democracia é sagrada, e nós estamos brincando com uma instituição sagrada para todos aqueles que acreditam na liberdade”. “Canhões e tanques na Praça dos Três Poderes me constrangem e me aterrorizam, talvez porque eu tenha sido de uma geração cuja adolescência foi gritar, clamar pela liberdade. Voltar àqueles tempos, retroceder àqueles tempos é absolutamente um terror, e isso se agrava porque não é um fato isolado, ela vem sequenciada por uma série de ameaças à democracia que têm sido feitas quase que semanalmente e, quem sabe, até diariamente”, reprovou.

Mesmo Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), líder do governo no Senado, reprovou a apresentação. Ele não criticou Bolsonaro, porém disse que compartilha das preocupações dos colegas. “Estamos em trincheiras distintas, mas somos do Parlamento brasileiro. Eu tenho uma história nesse Congresso Nacional, sou subscritor da Constituinte Cidadã. Eu aposto na democracia, eu aposto no Estado de direito democrático”, ressaltou.

O senador Fabiano Contarato (Rede-ES) lembrou a situação da pandemia no Brasil para criticar Bolsonaro. “Enquanto o presidente fica desfilando com seus tanques, ele sequer se solidariza com mais de 563 mil famílias que perderam seus parentes; ele sequer se solidariza com quase 20 milhões de contaminados que vão ficar com sequelas irreparáveis, mas fica com condutas espúrias”, enfatizou.

Na avaliação da deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC), Bolsonaro expôs as Forças Armadas “a um vexame externo e interno” com o desfile. “É muito vergonhoso que as Forças Armadas brasileiras sejam tão achincalhadas na sociedade, nas redes sociais, como vimos hoje (ontem). Se era isso o que o presidente Bolsonaro queria, desmoralizar instituições importantes e nacionais, ele conseguiu.”

Parlamentares bolsonaristas minimizaram a realização da parada e rebateram as críticas contra o presidente. “Forças Armadas em desfile não me assustam nem me constrangem. Tem outras coisas que me assustam e me constrangem profundamente. E o Brasil já vivenciou isso ao longo das últimas décadas”, comentou o senador Marcos Rogério (DEM-RO), vice-líder do governo no Congresso. “Me constrange o desfile de corrupção, o desfile de roubalheira, o desfile de dinheiro público brasileiro saindo do Brasil e indo financiar obras e serviços em países dominados por ditadores, por comunistas.”

O deputado Coronel Tadeu (PSL-SP) também colocou panos quentes: “O que nós vimos foi nada mais do que um comboio de viaturas militares, que foi prestigiado pelo presidente da República, que foi até a rampa ver o desfile, para o início de uma operação que é realizada todos os anos no município de Formosa pelas Forças Armadas. E isso não é para intimidar absolutamente ninguém. É para dizer que nós temos as Forças Armadas para velar pela nossa democracia”, atenuou. (AF e RS)

The Guardian
O jornal britânico destacou no título da reportagem: “Desfile militar da ‘república das bananas’ de Bolsonaro condenado pela crítica”. O diário também mencionou que a tanqueciata “apresentava uma seleção distintamente limitada de equipamentos militares expelindo fumaça, incluindo um único tanque austríaco e foi assistida por apenas cerca de 100 apoiadores fiéis de Bolsonaro”. A publicação destacou que o ato foi organizado pelo ministro da Defesa, Walter Braga Netto, e apoiado pelo presidente.

Le Monde
O diário francês lembrou que, antes do desfile de blindados, Bolsonaro mobilizou apoiadores para questionar o voto impresso e ameaçou agir fora da Constituição. O jornal destacou que a retórica do presidente vem se intensificando à medida em que pesquisas apontam vantagem do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições de 2022. “No Brasil, há temores de um ‘cenário Trump’ de derrota de um presidente populista e cessante,
agarrando-se ao poder e mobilizando seus apoiadores nas ruas”.

La Nacion
O jornal argentino destacou: “Mensagem para os deputados? Jair Bolsonaro exibe tanques de guerra no coração de Brasília enquanto uma lei importante é debatida”. A publicação enfatizou que “em demonstração de força, o presidente exortou Marinha, Exército e Aeronáutica a tomarem as ruas da capital brasileira enquanto a Câmara debate sua proposta de mudar o voto eletrônico para impresso”. Também conforme o diário, observadores apontam gesto de força de Bolsonaro, cercado por investigações e com a popularidade em declínio.

Der Tagesspiegel
O diário alemão estampou: “Tanques passam pelo centro da capital brasileira”. O texto diz que “de acordo com observadores, foi a primeira vez, desde o retorno da democracia, que tanques passaram pelo palácio presidencial”. “Os críticos veem isso como uma demonstração de poder”, destacou. O jornal ressaltou que Bolsonaro, “chefe de Estado radical de direita, observou os veículos militares passarem pelo palácio presidencial, pelo prédio do Congresso e pela Suprema Corte”.

El País
De acordo com o jornal espanhol, “Jair Bolsonaro celebra desfile militar inédito de 10 minutos em Brasília”. “É a primeira vez, desde a ditadura, que os tanques desfilam na capital fora das comemorações nacionais”, ressaltou a publicação. “O presidente brasileiro Jair Bolsonaro tentou transformar uma ação militar formal em um ato político (…). As autoridades costumam ser convidadas para o evento, mas foi a primeira vez que um presidente recebeu o documento diante de uma pequena parada militar”, destacou.

Correio Braziliense

 

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