Mutação indiana prolongará uso de máscaras

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Foto: Reprodução

O avanço da vacinação contra a Covid levou vários países a dispensar o uso de máscaras. Mas foi por pouco tempo: a variante delta do coronavírus forçou um recuo, e o equipamento de proteção pessoal voltou a ser obrigatório em diversos lugares.

No Brasil, de acordo com especialistas ouvidos pela Folha, não há como ser diferente. Eles afirmam que será possível pensar em deixar as máscaras de lado somente quando a maioria da população estiver totalmente imunizada. Ou seja, quando parcela expressiva dos brasileiros tiver recebido as duas doses da vacina contra o coronavírus (ou dose única da Janssen).

Em outras palavras, a aposta é que todo o ano de 2021 ainda deva ser acompanhado das máscaras.

“Pelos conhecimentos atuais, é impossível pensar em tirar a máscara até que se alcance a imunidade coletiva”, afirma Leonardo Weissmann, consultor da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia) e infectologista do Instituto de Infectologia Emílio Ribas. “É insanidade pensar nessa possibilidade no cenário atual.”

Para alcançar um cenário sem necessidade de máscara, estima-se que seja necessário alcançar mais de 75% ou 80% de toda a população totalmente protegida, diz Rosana Richtmann, também médica infectologista do Emílio Ribas.

Alguns especialistas projetam patamares ainda mais elevados, devido à facillidade com que a variante delta salta de uma pessoa para outra, inclusive entre pessoas vacinadas.

A experiência internacional mostra que a retirada da obrigatoriedade de uso de máscaras —algo desejado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), um costumeiro não adepto da proteção—, mesmo em situações de imunização relativamente avançadas, pode não ser uma boa ideia.

Em Israel, um dos países com a vacinação mais avançada, a máscara tinha sido abandonada como necessidade para locais públicos fechados. O aumento das contaminações pela variante delta, que é mais transmissível, fez o governo israelense retroceder e reimplantar a obrigatoriedade da proteção facial.

O exemplo e os dados mais recentes sobre o assunto vêm dos EUA. As entidades de saúde americanas afrouxaram a necessidade de máscaras no país, o que foi criticado por especialistas, e expandiram as aberturas. Já há até um festival de música com a presença de público, o Lollapalooza, ocorrendo em Chicago.

Agora, os CDC (Centros de Controle de Doenças) voltaram a recomendar o uso da máscara mesmo entre pessoas vacinadas, em áreas com elevada transmissão da doença.

Isso ocorre num momento em que a campanha de vacinação americana não avança depressa e as contaminações e internações, especialmente entre não vacinados, aumentam de forma significativa. A situação levou o governo americano a agir para incentivar, inclusive com dinheiro, que as pessoas se vacinem.

“A gente ainda vai usar máscara por um tempo. Por quanto tempo, não sabemos, porque depende de muitas variáveis. Estamos em um cenário de incerteza”, diz Ethel Maciel, epidemiologista e professora da Ufes (Universidade Federal do Espírito Santo).

A variante delta pode ter um papel importante nessa equação, apesar de máscaras, distanciamento e vacinas continuarem sendo as únicas certezas de proteção da pandemia, independentemente da cepa do Sars-CoV-2.

Dados do CDC divulgados nesta sexta (30) mostram que pessoas totalmente vacinadas contra a Covid, caso sejam contaminadas pela variante delta, podem espalhar o vírus tão facilmente quanto não vacinados. A informação é baseada em um evento documentado em Provincetown, no estado de Massachusetts, nos EUA, em confraternizações em comemoração ao 4 de julho, dia da independência americana.

Um outro documento interno do CDC, segundo o jornal The New York Times, aponta ainda que a agência deva reconhecer que “a guerra mudou” devido à variante delta e que deveria ser recomendado o uso de máscaras por todas as pessoas, independentemente da situação epidemiológica local.

De toda forma, as vacinas disponíveis continuam muito eficazes, diz Maciel. “A proteção contra gravidade não tem nem comparação entre vacinados e não vacinados”, diz, ressaltando que talvez a principal mensagem presente nos dados do CDC seja a de que o vírus vai ficar entre nós.

“Aquela ideia de que vai acabar a pandemia e vai esquecer a máscara, pode ser que não seja assim. Vamos ter que manter esses cuidados por mais tempo que pensávamos anteriormente, principalmente com a variante delta”, afirma a epidemiologista.

Maciel afirma que o problema de uma possível continuidade da cadeia de transmissão mesmo entre pessoas vacinadas é a dificuldade que isso traz para o controle da doença, que no futuro deverá ser objeto constante de vigilância epidemiológica.

A possibilidade de transmissão e contaminação mesmo entre vacinados não é exatamente uma novidade, porém. É esperado que as vacinas não tenham 100% de eficácia individual. Elas, mesmo assim, reduzem a chance de gravidade, complicações e morte. Por isso a importância, constantemente ressaltada por especialistas, da imunidade coletiva, que impede uma maior circulação do vírus.

Previsões de longo prazo são difíceis nesse momento, principalmente levando-se em conta a possibilidade de surgirem novas variantes. “A transmissão ainda está descontrolada em vários países, inclusive aqui no Brasil.”

E, com descontrole de infecções, cria-se um berçário para novas variantes, completa Richtmann. “Temos dado ‘sorte’ com as variantes em relação às vacinas, porque elas ainda se mostram protetoras. Mas podemos dar azar a qualquer momento”, afirma.

No Brasil, chamam a atenção palavras e planos de governantes, apesar dos exemplos de países com sérios problemas de crescimento de infecções pela variante delta.

Marcelo Queiroga, ministro da Saúde, afirmou no último dia 26 que, “logo, logo não precisaremos mais de máscara”. O país, porém, mantém elevadas médias móveis de casos e óbitos, além de ter somente pouco mais de 25% da população acima de 18 anos com duas doses completas da imunização ou a vacina de dose única.

Já o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD), anunciou quatro dias de festa em setembro para comemorar um suposto “fim da pandemia”, o que não é corroborado por especialistas ou dados acumulados até o momento.

“Estou vendo muitos dos países que flexibilizaram o uso da máscara arrependedidos. Pela característica da delta de alta transmissibilidade, estamos vendo que não está dando muito certo. A máscara passa a ser tão importante quanto a vacina”, diz Richtmann, do Emílio Ribas. “Flexibilizar completamente o uso da máscara vai demorar. Avião, transporte públicos, ambientes fechados não dá pra flexibilizar.”

Folha  

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