Professores estão indo buscar alunos em casa

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Foto: Karine Xavier/Folhapress

“Oi, é a Jucilene do Heckel.”

A frase era dita na porta de cada casa da favela Terra Prometida onde Jucilene de Araujo Freitas, 47, encontrou mães de alunos da escola estadual Heckel Tavares, na região do Jardim Helena, no extremo leste de São Paulo, naquela manhã fria da quarta-feira (28).

A uma semana do início do segundo semestre letivo, diretores e professores de escolas públicas de São Paulo têm feito uma maratona de ligações, mensagens e visitas domiciliares para chamar os alunos de volta à sala de aula e recuperar o estrago de quase um ano de escolas fechadas na capital paulista.

Naquela quarta-feira, chovia e a temperatura era de 12ºC quando, de malha, gorro e guarda-chuva, Jucilene atravessou a rua da escola para fazer o mesmo na comunidade na beira do rio Tietê onde mora parte dos seus alunos.

A Heckel Tavares já tinha sido reaberta antes, mas, agora, será possível atender um contingente maior devido à decisão do governo João Doria (PSDB) de acabar com a exigência de um rodízio de 35% dos alunos. Desde que respeitada a distância de um metro de distância entre os estudantes, pode-se atender até 100% deles.

Jucilene se programou para receber até 70% todo dia. É uma meta ambiciosa.

No primeiro semestre, mais de um terço dos estudantes do fundamental 2 frequentaram a escola presencialmente, de forma escalonada. No médio, só 20%, porque muitos começaram a trabalhar. E há ainda uma parcela de 20% que não aparece nem nas aulas presenciais nem nas remotas.

Quando chove muito na Terra Prometida, o rio Tietê chega a transbordar e, por vezes, os moradores têm que se abrigar na escola, como chegou a acontecer por uma semana logo antes de a pandemia começar.

Mas só com chuva, sem temporal, dá pra ir fazer a busca ativa, diz Jucilene. E é necessário. “Não adianta colocar no grupo de WhatsApp, tem gente que não tem celular e não vai ver”, explica.

A primeira mãe que ela encontra é Liliane da Cruz, mãe de duas alunas, uma de 12 e outra de 17.

Por mais de um ano as meninas ficaram sem celular para assistir às aulas. Hoje dividem um aparelho.

Na segunda-feira estarão na escola, diz a mãe. “Não é a mesma coisa por telefone, não dá pra tirar as dúvidas.”

Jucilene sai dali e, para seguir em frente, esgueira-se por uma passagem de não mais de 30 cm de largura ao lado de uma poça d’água gigantesca.

Em outro barraco está uma mãe que sabe da volta às aulas, mas que precisa de auxílio para se inscrever no Bolsa do Povo Educação, programa que irá selecionar 20 mil responsáveis de alunos da rede estadual para prestar serviços de apoio nas escolas estaduais, por R$ 500 mensais.

Jucilene olha o celular dela para ajudá-la e se dirige à associação local de moradores para colar um cartaz com aviso sobre a volta às aulas. A sede é provisória, porque o barraco onde ficava a anterior desabou. No caminho, aparece outra mãe.

“Vânia, as meninas vão na segunda? Falta muito pouco pra elas se formarem. Elas não perderam o ano.”

Para muitas crianças e jovens das comunidades do entorno, a escola é uma questão de sobrevivência, diz a diretora. Dá pra saber para quais. São aqueles alunos que repetem o prato três vezes na hora da merenda. Ou que chegam à escola na segunda-feira dizendo “estou morrendo de fome” porque mal comeram no fim de semana. E tem mãe que bate na porta e pede pra comer um prato também.

Jucilene teve medo de não estar viva pra contar a história desse ano em que as escolas estiveram fechadas.

Em dezembro, já de férias, pegou Covid e ficou 21 dias internada. Perdeu 12 kg. “Foi bem traumático. Eu não posso desanimar depois de tudo o que eu já passei.”

Em toda a cidade, casos de crianças que não apareceram nem na aula nem nas atividades remotas estão sendo relatados aos conselhos tutelares. A orientação é que isso só seja feito depois de a escola esgotar todas as tentativas: ligação, email, mensagem em rede social e carta registrada.

Conselheira tutelar de Cangaíba, na zona leste, Ana Lucia Oliveira conta que o número varia, mas que há escolas que têm 56 alunos não localizados. Há unidades em que funcionários pegam até carro de som para encontrar os estudantes, mas outras escolas não vão atrás, queixa-se.

O total de alunos que se desligaram da escola, ou seja, que não voltaram às aulas presenciais e também não acompanham as atividades remotas, é ainda uma incógnita para as secretarias municipais e estaduais de educação.

Nas escolas da prefeitura, por exemplo, a estimativa é que 30% dos cerca de 740 mil alunos não estão acompanhando as aulas em nenhum dos dois formatos.

São esses os estudantes que as ações de busca ativa tentam encontrar, mas os educadores estimam que o número de crianças em situações de risco possa ser ainda maior.

“Encontramos tantas situações diferentes durante a pandemia, como o caso de crianças que acompanham as aulas remotas e estão vivendo na rua com as famílias, meninas grávidas, jovens que estão trabalhando”, diz Márcia Bonifácio, coordenadora do Naapa (Núcleo de Apoio e Acompanhamento para a Aprendizagem), da secretaria municipal de Educação.

O núcleo tem ajudado os professores a buscar soluções para situações de riscos e definir quais casos devem ser encaminhados aos conselhos tutelares.

Na Emef Badra, no Jardim da Conquista, extremo da região noroeste da capital, os educadores tentam localizar cerca de 100 dos 900 matriculados. Só na última semana, os professores fizeram mais de 122 ligações atrás das famílias. Nos casos em que não conseguem o contato, vão até as casas.

Na manhã da última sexta, três educadores, acompanhados de duas mães de alunos, percorriam as vielas do bairro na missão de encontrar os estudantes que faltavam.

“Temos um duplo desafio na localização das famílias: elas trocam muito de telefone e não nos comunicam e os endereços do bairro não têm CEP ou numeração. Quem nos ajuda são os vizinhos e comerciantes”, conta o professor Eduardo dos Reis.

Dos primeiros três endereços buscados, em apenas um encontraram a família. Bianca da Silva, 24, trocou de celular e perdeu o contato com a escola. Ela não sabia que as aulas da filha Ana Clara, 6, voltariam na segunda (2).

“Ela só fala em voltar para a escola, ainda bem que as aulas vão recomeçar. Ela fica em casa sem ter com quem brincar, sem aprender.” A menina recebeu o tablet da Prefeitura de São Paulo para fazer as atividades online, mas ainda tem dificuldade em fazer as lições por não saber ler e escrever.

Até agora, a Badra só podia receber 35% dos alunos. Com os dias intercalados, poucas eram as crianças que frequentavam as aulas. A partir de segunda, as turmas serão divididas em dois grupos e cada um irá em uma semana.

A frequência às aulas presenciais continua sendo opcional. Para Ricardo Marcusso, diretor da Badra, a obrigatoriedade do retorno pode prejudicar ainda mais os estudantes vulneráveis.

“Tenho alunos do 9º ano que estão trabalhando ou fazendo bico para ajudar a família. Eles fazem isso no horário da aula, mas continuam entregando as atividades online ou aparecem na escola em alguns dias”, conta.

“Se eu obrigar esse menino a vir todo dia, ele vai abandonar os estudos, porque ele trabalha por necessidade. A inclusão não pode trazer mais exclusão.”

Até a última semana, a escola tinha recebido presencialmente 336 alunos e outros 430 só participavam das atividades remotas. A partir do dia 2, o diretor diz que as famílias que optarem por continuar apenas com o ensino remoto terão de assinar um termo em que se comprometem com o acompanhamento periódico das aulas.

Para Marcusso, com a possibilidade de receber mais alunos e o termo de compromisso, a escola terá mais controle de quantas e quais crianças estão em risco de abandono escolar. A unidade já encaminhou 12 casos ao conselho tutelar e acompanha outros 6.

“As situações de violência, abuso são imediatamente reportadas, mas, em outros, insistimos na conversa. Há casos de famílias que não entendem a importância da criança voltar à escola agora e é nesses que insistimos.”

Folha  

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