Taleban não é de esquerda ou direita

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Foto: Aref Karimi/AFP

A queda de Cabul e o retorno do Taleban ao poder no Afeganistão, esta semana, repercutiu na polarização política brasileira. As redes sociais se tornaram repositório de teorias amalucadas situando a milícia islamista afegã em um ou outro extremo do espectro político. Uns descreveram o Taleban como um grupo de extrema direita ou até mesmo neoliberal. Outros estão convencidos de que seus integrantes não passam de esquerdistas, já que sua “vitória” sobre os americanos foi comemorada pelo Partido da Causa Operária (PCO) e por alguns radicais de esquerda. Estão todos equivocados.

A ideologia do Taleban não cabe nos conceitos de esquerda e direita como tendências políticas. O Taleban é um grupo fundamentalista religioso — islâmico, no caso — e o único ponto que o iguala à extrema direita e à extrema esquerda é o fato de também ser um movimento extremista.

Um estudo dos pesquisadores holandeses Jan-Willemvan Prooijen e Sophia Kuijper, em 2020, realizado com extremistas políticos e religiosos dos Estados Unidos, descobriu que eles divergem em relação às “queixas” que têm a respeito do mundo, mas convergem no sentimento de que a causa que apoiam está acima das outras, na intolerância a outras ideologias e na disposição de fazer sacrifícios pessoais em nome de seus ideais.

O Taleban, assim como outros grupos extremistas religiosos ou políticos, exige comprometimento absoluto com sua causa e intolerância com as dos outros. Mas, no conteúdo, naquilo que seus integrantes querem para si e para a sociedade, eles não se encaixam nem numa visão essencialmente de esquerda nem de direita.

Se por um lado o fundamentalismo islâmico do Taleban tem um forte componente tradicionalista e conservador (o que pode levar alguém erroneamente a associar isso ao conservadorismo de direita), por outro lado é avesso ao capitalismo, à sociedade de consumo e ao nacionalismo tal como compreendido no Ocidente.

E, da mesma forma que o Taleban se opõe ao capitalismo e ao “imperialismo” americano (um traço que seduz uma parte da esquerda e pode fazer com que seja confundido com ela), também é violentamente contra o secularismo e as ideias culturalmente progressistas normalmente associados ao pensamento de esquerda.

Nesse ponto, é preciso entender que a origem ideológica do Taleban está nos escritos do egípcio Said Qutb, ideólogo da Irmandade Muçulmana, grupo que ganhou força a partir da derrocada do nacionalismo árabe de Gamal Abdel Nasser após a derrota de seu país para Israel na guerra de 1967.

Qutb dizia que o mundo islâmico precisava se libertar de “ideologias ocidentais como o socialismo, o capitalismo e o secularismo”, segundo escreveu Peter Bergen no livro A Guerra Mais Longa. Nos anos 60 e 70, estudiosos da lei islâmica afegãos foram influenciados pelas ideias de Qutb — e traduziram seus textos para a língua local.

Também Osama Bin Laden, o criador da rede terrorista Al Qaeda que se instalou no Afeganistão em 1997, foi influenciado por Qutb.

Qutb rejeitava qualquer forma de governo, uma visão anárquica da expansão do Islã bastante presente na ideologia alqaedista de guerra santa global. Mullah Omar, o líder do Taleban, contudo, foi no sentido contrário, ao implementar um governo regido pela lei islâmica dentro das fronteiras do Afeganistão.

Mas as duas aplicações das ideias de Qutb, a do Taleban e a da Al Qaeda, se complementavam. E compartilhavam do mesmo ódio do mundo ocidental e de suas ideologias políticas. Para ambos os grupos, capitalismo e socialismo são sistemas igualmente podres e decadentes. A sociedade que os extremistas islâmicos querem impor às pessoas não se parece com nenhum dos dois.

O fundamentalismo islâmico eventualmente é chamado de “islamofascismo”, por seu óbvio caráter autoritário e violento. Mas os elementos fascistoides de grupos como o Taleban não fazem deles movimentos de extrema direita. Muitas dessas mesmas características podem ser encontradas em governos ou organizações de esquerda, sem que possam ser classificadas como fascistas.

Pode parecer tentador buscar explicações para tudo o que acontece no mundo dividindo os fenômenos e as pessoas em direita ou esquerda. Mas muita coisa não cabe nesse esquema. Isso vale também para o Taleban e o fundamentalismo islâmico.

Uol

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