Versão soft de Salles muda pouca coisa

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Foto: Marcos Corrêa/Presidência da República / Agência O Globo

O ano era 2019 e, em uma sala do Ministério do Meio Ambiente, o então diretor do Departamento de Florestas da pasta, Joaquim Álvaro Pereira Leite, se reunia com o pesquisador de uma organização não-governamental sobre qual estratégia o governo deveria seguir para viabilizar o pagamento por serviços ambientais, uma das principais bandeiras do seu então chefe, Ricardo Salles. Apesar da cordialidade entre ambos, a conversa chegou a impasse. Leite defendia que a solução seria simples: regulamentar um artigo do código florestal. O pesquisador, porém, dizia que só isso não era suficiente: era preciso criar uma lei específica. Dois anos depois, o governo não regulamentou o artigo, o Congresso Nacional aprovou uma lei de serviços ambientais, mas como previsto pelo pesquisador, o mercado de serviços ambientais no Brasil não decolou.

O encontro acima ilustra algumas das características do novo ministro do Meio Ambiente: educação, polidez, relativo conhecimento técnico, mas falta de traquejo político e dificuldade para entregar resultados. Leite assumiu a pasta no dia 23 de junho, após a queda de Ricardo Salles, que pediu demissão em meio ao avanço de investigações da Polícia Federal sobre sua atuação em favor de madeireiras na Amazônia.

Leite tem 54 nos de idade. É oriundo de uma tradicional família de São Paulo que se dedica ao plantio de café há três gerações. Em 1996, então com 29 anos e o agro nas veias, se tornou conselheiro da Sociedade Rural Brasileira (SRB), uma das mais ativas associações em defesa dos interesses do agronegócio no país. Ficou lá por 23 anos, até 2019, quando chegou ao governo federal.

Não era da confiança do ministro, mas aos poucos foi ganhando espaço. Em 2019, foi nomeado diretor do Departamento Florestal da pasta e, em 2020, assumiu a Secretaria da Amazônia e Serviços Ambientais.

Leite foi alçado ao comando da pasta por indicação de Salles. Ao entrar no gabinete de Jair Bolsonaro e anunciar a decisão de deixar o governo, o então ministro foi perguntado sobre quem ficaria em seu lugar. Respondeu disse que tinha “três ou quatro opções”, mas Bolsonaro rebateu: “escolhe quem você quer.” Leite foi o indicado. Também pesou a seu favor o bom relacionamento com o vice-presidente, Hamilton Mourão, com quem Salles tinha atritos constantes.

No governo, é tratado como uma versão “soft” do antecessor. Um nome que atende os interesses do presidente. Leite costuma dispensar o terno e muitas vezes circula pelo ministério e até pelo Palácio Planalto com camisa e calça jeans, o que ajuda a reforçar a imagem de técnico. A característica rendeu um elogio recente do próprio Bolsonaro.

Quase dois meses depois de Leite assumir o cargo, porém, pouco se sabe sobre qual a sua visão para sua gestão. A escassez de informações sobre o que pensa o novo ministro do Meio Ambiente se dá, em parte, pelo seu perfil reservado e avesso aos holofotes, numa clara contradição em relação a Salles.

No comando do MMA, Leite fez um périplo pela Esplanada dos Ministérios, recebendo ou visitando os outros ministros do governo. Entre parlamentares, visitou o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG) e recebeu o senador Jayme Campos (DEM-MT). Campos é um tradicional integrante da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA).

O senador pediu que o ministério repassasse ao governo estadual a administração do Parque Nacional da Chapada dos Guimarães. Por enquanto, a pasta já deu autorização para que o governo de Mato Grosso investisse na estrutura do parque. A proposta da “estadualização” também avançou e está sendo tocada com o agora ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira.

—É uma pessoa muito simpática, solícita, muito educado. Ele nos atendeu em uma semana — afirmou o senador.

Tentando mudar a percepção negativa em torno da política ambiental do governo, Leite também procurou ambientalistas. Uma das que participou de uma reunião virtual com o ministro, mas pediu para não ter o nome divulgado, disse que a atuação do ministro foi rápida, discreta e distante.

—Ele entrou na reunião, que era virtual, ficou 10 minutos, e foi embora. Nada além disso. Não parecia muito interessado em ouvir o que a gente tinha a dizer — disse.

A fama deque Leite é uma versão “soft” de Salles, no entanto, deixa ambientalistas preocupados. O temor é que o novo ministro pode ter abolido o terno e o discurso inflamado do antecessor, mas manteve sua política ambiental, vista como catastrófica diante das altas taxas de desmatamento na Amazônia nos últimos dois anos.

— Leite é mais do mesmo em relação a Salles.Está dando continuidade à política ambiental passada e não apresentou, até agora, nenhuma indicação de que vai mudar isso — afirma Natalie Unterstell, ambientalista e presidente do Talanoa, um “think tank” dedicado às políticas de mudanças climáticas no Brasil.

Entre os pontos em que Leite poderia ter dado bons acenos, segundo Natalie, estão as metas do país para a Conferência das Nações Unidas Sobre Mudanças Climáticas (COP 26), prevista para o início de novembro, em Glasgow, no Reino Unido.

Conhecidas em inglês como NDC (Contribuição Nacional Determinada), essas metas resumem como os governos pretendem reduzir suas emissões de gases do efeito estufa para atender o Acordo de Paris. O Brasil prevê zerar as suas até 2060, e, por isso, a NDC do país é vista como pouco ambiciosa por especialistas. O Brasil poderia ter enviado, até 31 de julho, uma nova versão a sua NDC, mas não o fez.

Nem mesmo a sinalização de um novo concurso para preencher vagas no Ibama foi suficiente para mudar a avaliação de Natalie.

— Fazer concurso para o Ibama não é mais do que a obrigação — disse.

Diplomatas brasileiros e estrangeiros concordam que a COP 26 será um grande teste para Leite e, consequentemente, para o governo brasileiro.

Já foram quatro encontros com entre ele e o ministro das Relações Exteriores, Carlos Alberto Franco França. Um representante estrangeiro que já se reuniu com o ministro algumas vezes admite que a interlocução com a pasta melhorou bastante após a saída de Salles, mas ele diz ter dúvidas sobre se o ministro teria força política para entregar o que negocia.

— Salles tinha pouco conhecimento técnico, mas era um animal político. Leite tem algum conhecimento técnico, é mais agradável de conversar, mas não tem poder político — definiu o diplomata.

A reportagem procurou o ministro Joaquim Leite ao longo da última semana para responder a questionamentos, mas, até o fechamento desta edição, ele não se manifestou. Por telefone, a assessoria do MMA informou que o Parque Nacional da Chapada dos Guimarães faz parte do portfólio de projetos do Programa de Parcerias e Investimentos (PPI) do governo federal, o que indica que ele poderá vir a ser alvo de uma concessão.

O Globo 

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