Bolsonaro na ONU dirigiu-se ao cercadinho, dizem pesquisadores

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Foto: Reprodução/ Internet

O discurso do presidente Jair Bolsonaro na abertura da Assembleia-Geral das Nações Unidas nesta terça-feira, dia 21, teve repercussão negativa no exterior e entre observadores da política externa brasileira e parlamentares. Para eles, Bolsonaro usou sua terceira aparição na ONU mais para mandar recados a seus apoiadores internos do que para reposicionar o País no cenário internacional.

O professor de Relações Internacionais Carlos Gustavo Poggio avalia que Bolsonaro fez um discurso majoritariamente voltado à política doméstica, o que é perceptível pelos temas que escolheu abordar. O presidente, afirma o acadêmico da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), ignorou a possibilidade de reposicionar a diplomacia do Brasil, diante das expectativas de moderação após substituição do embaixador Ernesto Araújo, ícone do conservadorismo, pelo chanceler Carlos França, no Itamaraty.

“O discurso deixou claro que quem está no comando da política externa é o Eduardo Bolsonaro (filho do presidente e deputado federal pelo PSL em São Paulo)”, afirma Poggio. “Foi um discurso para a base bolsonarista. Todo discurso tem uma audiência internacional e uma audiência doméstica. Bolsonaro privilegiou a doméstica. Não consigo apontar, nas reações internacionais, nenhuma recepção positiva.”

Descolado dos problemas nacionais, Bolsonaro tentou, em alguns trechos do pronunciamento, combater a imagem de descrédito de seu governo internacionalmente e acenar a investidores desconfiados por suas recentes ameaças à estabilidade democrática.

Poggio diz que uma das evidências do foco nos apoiadores foi a insistência de Bolsonaro em defender o tratamento precoce para covid-19 com remédios ineficazes e em questionar a obrigatoriedade de vacinação. Os temas foram encaixados num discurso de 12 minutos, considerado curto. Para o pesquisador, ao priorizar uma citação à combinação de medicamentos que testemunhou ter tomado e criticar a recusa do protocolo por governos estrangeiros, Bolsonaro se colocou em posição de conflito com a maioria dos países das Nações Unidas. A justificativa, avaliou Poggio, é uma forma de agradar a militância bolsonarista.

Bolsonaro fez outros acenos ideológicos como dizer que o Brasil esteve “à beira do socialismo”, usou dados imprecisos ou fora de contexto, negou a existência de casos de corrupção no País, uma inverdade, e citou Deus duas vezes, na abertura e no encerramento.

O presidente ocultou os quase 600 mil mortos pela covid-19 no Brasil, embora tenha citado o número de 260 milhões de doses de vacina. Em seguida, questionou a aplicação do passaporte da vacina e as barreiras e exigências sanitárias a não vacinados aplicadas por países ricos – algumas das quais ele mesmo sofre em Nova York.

“O discurso de Bolsonaro foi uma massaroca de mentiras e exageros temperadas à base de muita ideologia e incongruências. Nada tem a ver com o interesse nacional e com política externa”, opinou Hussein Kalout, ex-secretário de Assuntos Estratégicos da Presidência, pesquisador na Universidade de Harvard.

“As expectativas de moderação se revelaram falsas. Foi o discurso mais importante que Bolsonaro fez desde o último na ONU, o maior palco do mundo, abrindo a assembleia-geral com todos os chefes de Estado. É um diploma com selos de veracidade do projeto de poder dele, uma evidência irrefutável de como ideologizaram os mínimos aspectos da política externa brasileira”, analisa Kalout, cientista política e professor de Relações Internacionais.

Para os observadores, Bolsonaro mandou alguns recados ao mercado, diante de ameaças de ruptura nos últimos meses, fator de abalo potencial na confiança de investidores. Por duas vezes cada, ele citou a defesa da democracia e que a “credibilidade foi recuperada diante do mundo”.

Após os atos de 7 de Setembro, em que ameaçou ignorar decisões judiciais, Bolsonaro recuou da escalada autoritária por causa de quedas na bolsa de valores e da alta na cotação do dólar. Porém, a nota oficial divulgada por ele para apaziguar a harmonia entre os poderes, concebida pelo ex-presidente Michel Temer, foi mal recebida por seus militantes mais radicais. Em afago a eles, Bolsonaro exaltou a manifestação do Dia da Independência como a “maior da história” do País, sem que haja nenhuma base de dados para comparação.

Com o Brasil de volta ao Conselho de Segurança da ONU em 2022, Bolsonaro disse que repudia o terrorismo “em todas as suas formas”. O mandatário agradeceu os votos obtidos para a cadeira temporária e endossou a antiga meta de reforma do conselho para conquista de um assento permanente. Segundo ele, a confiança de outras nações no Brasil é “reflexo de uma política externa séria e responsável”.

Internamente, porém, não faltaram críticas veladas às opções políticas de Bolsonaro, aconselhado pelo ministro das Relações Exteriores. Fontes diplomáticas comentaram no Itamaraty que o tom de Bolsonaro evidencia que não houve mudanças em relação ao tom adotado em passagens anteriores por Nova York.

O chanceler Carlos França, que havia mantido discrição até então e criado expectativas internas, foi flagrado na véspera da abertura fazendo um sinal de arma com os dedos em direção a manifestantes contrários ao presidente em Nova York. Diplomatas em Brasília e no exterior se indignaram com a imagem e relataram que se sentem enganados pelo ministro.

França já tinha dado sinais de flerte com o bolsonarismo, ao ter subido no carro de som dos atos em 7 de Setembro. Antes com expectativa de corrigir os rumos do Ministério das Relações Exteriores, ele passou a ser visto por embaixadores experientes como um “Ernesto Araújo que sabe comer de garfo e faca”, após a missão do presidente na Assembleia Geral.

“O bolsonarismo não nomeia ninguém em posição usada como plataforma ideológica (caso do Itamaraty) para fazer uma política não-ideológica”, afirma Kalout. “França foi posto lá para seguir com o projeto bolsonarista na política externa.”

Bolsonaro agradou a base evangélica ao dizer que concederá visto humanitário a cristãos, mulheres, crianças e juízes afegãos, numa jogada geopolítica para acolher refugiados e ao mesmo tempo reforçar as campanhas contra perseguição religiosa, que, na última passagem pela Assembleia Geral em Nova York, ele chamou de “cristofobia”.

Deputados do PT ocuparam a tribuna da Câmara em série para contestar a participação de Bolsonaro nas Nações Unidas. O deputado Jorge Solla (PT-BA) criticou o fato de Bolsonaro selecionar, como critério da concessão de visto humanitário, os de religião cristã. Para ele, a diferenciação incorre em discriminação contra muçulmanos.

“Isso é uma islamofobia absurda e repugnante. Essa não é a tradição de tolerância do nosso povo”, afirmou Solla. “A sociedade brasileira vai registrar a situação de pária internacional que lamentavelmente Bolsonaro ocupa no rol das nações”, disse Arlindo Chinaglia (PT-SP).

Os senadores da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia imediatamente reagiram ao pronunciamento de Bolsonaro, que colocou o governo novamente na contramão das evidências científicas e isolado ao contestar as precauções sanitárias.

O relator e outros integrantes da CPI questionaram dados usados por Bolsonaro e disseram que as apurações já demonstraram, no Ministério da Saúde, relatos de pedidos de propina e contratos com indícios de fraude na compra de imunizantes contra o coronavírus.

O relator da comissão, Renan Calheiros (MDB-AL), afirmou que “a vergonha definitiva desconhece limites” e disse que o presidente cometeu vexames em série em Nova York.

“O golpista do cercadinho repetiu seu negacionismo e sua limitação cognitiva para todo o mundo. A frieza nas reações, após dez minutos de fake news sobre o Brasil, foi eloquente sobre a sua irrelevância”, afirmou Renan. “O discurso lamentavelmente pífio do presidente na assembleia mostra ao mundo a ‘república do cercadinho’, uma vergonha para todos os brasileiros, a exumação da insignificância. Único líder do G-20 não vacinado, Bolsonaro repetiu seu papel de figura rudimentar, anacrônica, transitória e propagadora de mentiras. O seu discurso foi uma mentira só do começo ao fim.”

“Além de fazer uma fala fake dizendo de realizações que são de outros governos e que ele quer assumir pra si, ele defendeu o tratamento precoce outra vez, reforçando a tarefa que o (Marcelo) Queiroga (ministro da Saúde) cumpre”, disse o senador Rogério Carvalho (PT-SE).

Estadão

 

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