Cem bolsonaristas acampam há duas semanas perto do Planalto

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Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles

Duas semanas após o protesto do 7 de Setembro na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, ao menos 100 pessoas mantêm acampamento, sem autorização do governo do Distrito Federal, no Estacionamento 3 do Parque da Cidade. Os apoiadores de Bolsonaro têm rotina e divisão de tarefas bem definidas e insistem que não deixarão o local até que seus pleitos sejam ouvidos.

O dia no acampamento começa às 6h. Do alto-falante adesivado com “Bolsonaro presidente” vêm as palavras de ordem. O som se propaga pelas 33 barracas espalhadas na área, situada a 7,4 km do Palácio do Planalto e do Congresso Nacional.

Sem máscaras, com bonés, chinelos e bermudas, abraçados a bandeiras do Brasil, vestidos de camisetas com estampas a favor do voto impresso e da criminalização do comunismo, eles se reúnem para cantar o Hino Nacional três vezes ao dia. Fazem reuniões sobre seus pedidos e oram.

As barracas instaladas no Parque da Cidade ficam perto umas das outras, sob árvores ou debaixo do sol. O perímetro delimitado com barbante e bandeiras do Brasil tem cerca de 150 metros, mas carros e um ônibus de manifestantes ocupam, ainda, parte do estacionamento, o que amplia o total de área para 240 metros.

O público tem origem variada: teve gente que veio do Paraná, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, de Santa Catarina, São Paulo e Mato Grosso, além de moradores do Distrito Federal.

Em meio às tendas, bandeiras do Brasil se misturam às faixas que “decoram” o ambiente e resumem os pensamentos do grupo: “Supremo é Deus”; “Democracia é o povo”; “Resistência pela liberdade”; “Garantia dos direitos e valores individuais”; “Criminalização do comunismo”; Voto impresso auditável”.

Os 100 bolsonaristas que estão no Parque da Cidade chegaram às vésperas do 7 de Setembro, marcado por grande manifestação de apoio ao presidente. O evento de duas semanas atrás já parece distante no tempo, mas os reflexos do ato seguem ecoando, ainda que timidamente, no acampamento.

Mesmo sem outra manifestação à vista, o grupo não tem data para deixar o local. Homens e mulheres – a maioria, idosos – dividem as tarefas diárias.

Eles tomam banho, lavam roupas, dormem e acordam no acampamento. A água que usam é a do parque. A energia vem de um gerador comprado por um dos integrantes do grupo. O aparato é usado para carregar celulares e manter a geladeira com suprimentos ligada. Toda a alimentação e as garrafas de água, segundo os ativistas, vêm de doações e de sobras deixadas pelas caravanas que se instalaram em Brasília para o 7 de Setembro.

Ninguém usa máscara: os manifestantes declaram-se contra o passaporte da vacina e não têm medo de contaminação pela Covid-19. Há espaço para cozinha e para secar roupas. Os banheiros públicos do parque são usados para tomar banho e escovar os dentes.

“Eu não quero tomar a vacina. Respeito quem queira, mas eu não peguei Covid, ninguém da minha família pegou. Não peguei até dezembro de 2020, por que pegaria depois dessa vacina, que ainda é experimental?”, afirma a professora de ensino médio Aline Lobo, 44 anos, moradora do Rio de Janeiro que está em Brasília desde 2 de setembro.

Aline chegou à capital federal a fim de participar de um encontro de conservadores realizado nos dias 4 e 5 de setembro. A docente ficou para as manifestações de 7 de Setembro e decidiu que responderia ao “chamado divino” de “lutar pela pátria, pela liberdade e pela liberdade de presos políticos, como [o ex-deputado e presidente do PTB] Roberto Jefferson e [o deputado afastado] Daniel Silveira”.

A carioca abandonou o emprego público no Rio de Janeiro. Sem pedir licença ou férias, ela veio para Brasília e ficou. “Não me preocupo com isso. Quando vi aquela comoção, Deus tocou meu coração. Foi emocionante ver tantas pessoas lutando pela liberdade. Quero participar desse momento.”

Na capital da República, no dia 7 de setembro, no calor das manifestações, Aline conheceu o administrador Marcus Guimarães, 47, de Balneário Camboriú, litoral de Santa Catarina.

Ela, evangélica da Assembleia de Deus; ele, cristão. Encontraram-se em uma barraquinha de caldo de cana. Começaram a conversar sobre a “proposta de orar pelo Brasil” e iniciaram ali um relacionamento. “Não podemos deixar o Brasil virar uma Venezuela. O Brasil vive uma ‘guerra espiritual’. Estamos aqui para isso, para evitar que sigamos esse rumo”, disse a professora.

Marcus, em Brasília desde 5 de setembro, já fez promessas de casamento à namorada. Ele é missionário em Balneário Camboriú e vive da renda do aluguel de um imóvel comercial na cidade. “Vamos ficar no acampamento até quando conseguirmos nosso pleito de liberdade. Deus abomina a injustiça. Não queremos inocentes presos e culpados soltos”, assinalou.

O administrador, que também não tomará imunizante contra a Covid, compartilha da opinião do grupo de que a exigência do chamado passaporte da vacina para entrar em locais fechados é uma afronta à liberdade das pessoas.

O acampamento tem disciplina, com funções distribuídas entre os manifestantes. Divulgar as bandeiras do movimento, intitulado Frente Brasil pela Liberdade; fazer o cafezinho que mantém a patrulha acordada para os debates diários; promover reuniões com o poder público; e, também, reforçar o coro ao cantar o Hino Nacional todos os dias, religiosamente, às 8h, às 12h e às 18h, são as principais atribuições do grupo.

“Nós temos um conselho que delibera sobre as tarefas. Decidimos que três pessoas ficam responsáveis pela cozinha, três pela estrutura, três pela comunicação, três pela limpeza, e nos revezamos na ronda de segurança”, explicou Marcus Guimarães.

O movimento tem uma liderança conhecida na cidade: Kelly Bolsonaro, que chegou a ser deputada distrital por 27 dias, entre maio e junho de 2019, período em que ocupou a suplência de cadeira deixada por um parlamentar da Câmara Legislativa. Ela é uma espécie de “líder” dos acampados: fala pelo grupo nas negociações com o governo local.

“Somos resistência. Estamos aqui pelo Brasil, em oração pelo país. Somos contra os atos antidemocráticos e contra as prisões políticas, como a do Roberto Jefferson. Lutamos pelo voto impresso e auditável e pela criminalização do comunismo”, disse a ativista.

Kelly Cristina Pereira dos Santos usa o nome Kelly Bolsonaro desde as eleições de 2018. Ela ficou conhecida pelas participações fervorosas em manifestações e por fazer duras críticas ao governo do Distrito Federal.

Filiada ao Patriota, Kelly assegura que não há financiamento político para manter o acampamento. “Recebemos doações e estamos ainda aproveitando sobras da manifestação do 7 de Setembro”, frisou.

Embora os manifestantes tenham pedido a autorização da Secretaria de Esporte e Lazer para se instalarem ali, a pasta informou ao Metrópoles que não concedeu permissão formal a qualquer grupo para acampar no Parque da Cidade Dona Sarah Kubitschek.

“O Movimento Frente Brasil pela Liberdade solicitou essa autorização em 11 de setembro, para uso do espaço pelo período de 11 a 20 de setembro. Desde então, o processo entrou em análise pela área técnica da pasta”, afirmou por meio de nota.

Ainda de acordo com a secretaria, não é possível a instalação de acampamentos no Parque da Cidade para nenhum tipo de manifestação ou grupo, de acordo com as finalidades específicas previstas em lei. Segundo o texto da Lei Complementar nº 961, de 26 de dezembro de 2019, “é proibido o uso residencial, permanente ou temporário, no interior dos parques urbanos do Distrito Federal”.

Nos dois dias em que a reportagem passou pelo acampamento não havia policiais militares ou seguranças do parque no local. Os manifestantes fazem as rondas próprias para garantir segurança patrimonial.

A Secretaria de Esporte e Lazer é a responsável pelo Parque da Cidade.

Morador da região pantaneira de Mato Grosso do Sul, Clerison Ailton Gonçalves, 36, chegou a Brasília no dia 4 de setembro. Ele veio em uma caravana com 24 pessoas de sua cidade, mas foi o único a permanecer no acampamento.

Deixou o trabalho na chácara da família, onde planta soja, para vestir a camisa da chamada “resistência”. “Quero dar a boa notícia ao meu pai e dizer que saí daqui com nossa luta vencida. Quero o voto impresso para limpar o Brasil da corrupção”, ressalta.

Clerison chegou a Brasília com a expectativa de passar alguns dias na Esplanada dos Ministérios. Ele conta que já sabia que seria montado um acampamento no centro do DF. Por isso, trouxe barraca e juntou R$ 2 mil para ficar na capital.

O agricultor ganha por safra ou produção do gado na propriedade da família. “O dinheiro já acabou. Meu pai está fazendo vaquinha para que eu fique aqui. Ele vai me mandar dinheiro. Dia 23, tenho um compromisso para saber se vou conseguir um trabalho por lá. Se alguém da minha família puder me representar, eu fico. Se não, volto”, disse.

Armando Antunes Prestes, 47, mora em Várzea Grande (MT) e diz ser “extrema direita desde pequeno”. Pai de três filhos já adultos e engenheiro agrônomo, ele chegou à cidade no dia 6 de setembro, véspera das manifestações. “Vim para defender o voto impresso e auditável, a soltura de presos políticos. Vim para dar força ao presidente”, destacou.

O engenheiro deixou o trabalho autônomo rumo a Brasília já com a expectativa de ficar. Ele trouxe barraca em uma caravana. Armando e os outros integrantes do acampamento relatam ser movidos pelo espírito patriota. “Estamos aqui pelo país. Meu pai era do Ministério da Defesa, sempre fui de extrema direita. Os discursos do presidente e a abertura que ele nos dá, a postura dele, me fizeram vir para cá e acampar para lutar pelo país”, enfatiza.

A reportagem conversou com cerca de 20 pessoas das 30 que estavam no local entre segunda (20/9) e terça-feira. A movimentação entre os “moradores” é grande. Eles saem para reuniões, encontros e discussões. Na manhã dessa terça (21), um grupo foi à Secretaria de Segurança Pública para discutir o rumo do acampamento e as possíveis permissões do governo. “Autorizaram os índios e deram estrutura para eles. Também queremos mostrar nossa luta”, assinalou Kelly Bolsonaro.

O acampamento não tem data para acabar. Alguns integrantes do grupo, em sua totalidade cristãos católicos e evangélicos, defendem que o fim da manifestação seja em 12 de outubro, dia de Nossa Senhora Aparecida.

Discurso na ONU
Nessa terça (21/9), os integrantes do grupo assistiram ao pronunciamento do presidente Bolsonaro na ONU. Às 11h, nem todos se encontravam no local, pois as lideranças estavam com integrantes da Secretaria de Segurança Pública para tentar uma autorização de acampamento.

Os acampados conectaram a internet no canal Terça-Livre, e cerca de 30 pessoas escutaram Bolsonaro na 76ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU). Todos aplaudiram de pé o discurso. Em seguida, o grupo estava mais hostil. Integrantes perguntaram à reportagem sobre a orientação política e iniciaram posicionamentos de que não poderiam conversar com “esquerdista”.

Apesar dos ânimos inflamados, a coação só veio após o acompanhamento da rotina pela reportagem ter durado dois dias seguidos.

Metrópoles

 

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