Frente ampla da Defesa inclui petista, tucano e militar

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Foto: Reprodução

Três ex-ministros da Defesa, um ex-ministro da Justiça e o general Carlos Alberto Santos Cruz se encontraram na sexta-feira. Enquanto o País discute a formação de uma frente suprapartidária pelo impeachment de Jair Bolsonaro, o maior expoente entre os militares da chamada terceira via encontrou-se pela primeira vez com lideranças petistas – os ex-ministros Tarso Genro e Celso Amorim –, acompanhado dos ex-ministros Nelson Jobim e Raul Jungmann, historicamente ligados ao MDB e ao Cidadania.

O objetivo do encontro era um debate promovido pelo Instituto Novos Paradigmas, cujo conselho é presidido por Tarso Genro, para discutir a democracia no Brasil. Não é de hoje que Tarso elogia o general publicamente. Santos Cruz fora condecorado logo depois de voltar da África pelo então governador gaúcho. No ano passado, em meio à crise da vacina – com a recusa de Jair Bolsonaro adquirir a coronavac – o petista escreveu, citando uma manifestação do militar: “General Santos Cruz indica por que foi expelido pelo governo genocida, mantendo intacta sua honra militar: ‘vacina é para vacinar toda a população, não para fazer política contra adversários’.”

Houve algum espanto na época. Santos Cruz era visto na esquerda como alguém que representa o bolsonarismo sem Bolsonaro, um militar que apoiou o capitão e compôs seu governo. O tempo passou, e a crise se aprofundou. O encontro entre o general e os petistas só foi possível em razão do quadro criado no País por aquele que já é considerado – do Novo ao PSOL – como o pior governo de nossa história. É o caráter da gestão de extrema-direita guiada por Jair Bolsonaro que embaralhou as cartas da política nacional, abrindo diálogos onde eles seriam quase impensáveis há três anos.

Santos Cruz é hoje a principal aposta política de militares que não veem mais em Bolsonaro uma opção para satisfazer seus interesses. O custo de apoiar Bolsonaro se tornou alto demais com a instabilidade e irracionalidade do governo, capaz de desacreditar cientistas e confabular com Zé Trovão. Há muitos cientistas políticos que veem urgência em afirmar a prevalência do Poder Civil sobre o Militar em um País com um passado autoritário tão forte quanto o nosso. Militares na política manteriam vivas teses como a do Poder Moderador ou a tentação nas elites civis de bater nos quartéis para usar a farda como instrumento de resolução de suas disputas.

Outros enxergam o diálogo com os militares uma dimensão da democracia e da produção de consensos, ainda que mínimos. Mas além da questão democrática, há uma questão tática para as forças políticas: construir uma frente que impeça ao bolsonarismo a alternativa do golpe, da ditadura e do cancelamento das eleições de 2022. Venha ele de onde vier. Com o derretimento da popularidade de Bolsonaro, é cada vez mais urgente cortar-lhe a estrada. Querem fazê-lo cair pela manobra.

Santos Cruz reafirmou a necessidade do combate às desigualdades, aos privilégios e à corrupção para assegurar um futuro à democracia no Brasil. Constatou o esgarçamento do ambiente institucional e pediu o restabelecimento da civilidade para a produção do consenso entre as forças políticas. O general é um homem de direita. Sua visão sobre o regime militar e sobre 1964 é diferente daquela de Tarso Genro e de Amorim. Sua presença no debate é mais um índice do isolamento de Bolsonaro.

Com sua prole sob múltiplas investigações e a frente de um governo que opera no Congresso por meio do orçamento secreto, o capitão já havia produzido um milagre anterior: a ressurreição de Luiz Inácio Lula da Silva. Durante o debate de sexta-feira, não se discutiu as eleições de 2022. Lula só foi citado ao lado dos nomes de outros ex-presidentes da República, como José Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso e Dilma Rousseff, pelo ex-chanceler Celso Amorim, para marcar a diferença entre os governos democráticos da Nova República e a atual gestão.

“Espero continuar vivo para ver a retomada desse Brasil que aprendi a servir como embaixador e diplomata de governos muitos diferentes, de visões ideológicas diversas. Nunca vi ninguém trabalhar pela destruição do Brasil, por seu isolamento e destruição dos valores civilizatórios, como vejo atualmente”, disse Amorim, que foi um dos signatários da carta dos ex-chanceleres, condenando a política externa de Bolsonaro. Para Amorim, o Brasil era visto como um país democrático, pacífico e provedor de paz. “A gente discute a possibilidade de uma frente ampla. Cada um vai procurar a sua via e acentuar seus objetivos, uns mais o equilíbrio fiscal outros o combate à corrupção, mas a gente não pode perder a visão do quadro político geral que existe e não é só nacional; é global.”

Jobim fez uma análise sobre como a presidência do Câmara corroeu a autoridade dos líderes partidários, tornando-se porta-voz do interesses do baixo clero. Depois, criticou o processo de judicialização da política e o presidente da República”. “Ele é de uma desfuncionalidade absoluta. Basta ver os juízos do presidente da República a respeito de diversos temas e o funcionamento da gestão dos ministérios, que é mera execução de vontade não fundamentada do presidente.”

A sombra das acusações contra Lula – que vem reunindo sucessivas decisões favoráveis na Justiça desde que o Supremo Tribunal Federal anulou suas condenações – estava presente. Amorim tratou da luta contra corrupção. Afirmou achar importante que ela não se tornasse em instrumento de luta contra os adversários. “Eu acho bom general o senhor estar no debate político, que o senhor traz uma experiência muito grande. É importante ouvirmos sua experiência e que isso seja feito com honestidade intelectual.” Santos Cruz respondeu: “Achar que a corrupção seja um grande problema não significa usar combate à corrupção só como ferramenta política contra seu adversário e agir com tolerância para aqueles de quem a gente é partidário”.

Uma outra sombra pareceu mais urgente e se impôs no debate: o papel das Forças Armadas no governo Bolsonaro. Jobim disse que os “apoiadores do presidente querem transformar as Forças Armadas em elemento de entrada na política” e lembrou as reformas feitas pelo marechal Castelo Branco para afastar os militares dessa esfera. Ele criticou o projeto defendido por bolsonaristas que permite ao político militar que não se reelege voltar aos quartéis, o que hoje é vedado – o eleito vai automaticamente para a reserva.

“Lembrem-se ainda que hoje temos um instituto criado por Castelo, o domicílio eleitoral. Foi criado exatamente para evitar que seus generais fossem eleitos governadores do Estados: (Amaury) Kruel em São Paulo, Justino Alves Bastos no Rio Grande do Sul e (Henrique) Lott na Guanabara. Conta o presidente Sarney (então governador do Maranhão) de forma curiosa, que foi chamado por Castelo para aprovar a medida. Castelo disse: ‘Bom, governador, o Rio Grande do Sul, São Paulo, Bahia, Minas é posto para general. Agora o Maranhão é posto para major”, completou Jobim.

Pouco antes, Santos Cruz havia condenado o fanatismo na política. Dissera ter visto seus efeitos no Congo. Depois, lançou um alerta: tem gente querendo voltar 50, 60 anos. “Num extremo e no outro, há pessoas que não tiraram a cabeça do auge da Guerra Fria.” E afirmou: “Tivemos a interpretação errônea, equivocada, de um jurista famoso de que as Forças Armadas eram um poder moderador.” Para ele, não há amparo legal, histórico ou moral para que os militares intervenham no funcionamento dos Poderes. Disse ainda ver excessos na participação dos colegas no governo. “Isso está acarretando um desgaste.” Mas afirmou confiar que as Forças Armadas e as polícias não se deixarão envolver em qualquer aventura. “As autoridades não vão colocar as suas carreiras, suas famílias, suas instituições e sua história em risco para apoiar qualquer manobra que saia dos limites da Constituição.”

Foi a vez de Tarso Genro concluir: “Participando de diálogos como esse, retomo a fé de construir uma grande Nação democrática e republicana. Esse diálogo me entusiasma para um grande processo de concertação estratégica em torno dos valores da democracia e da preservação da República”. O primeiro encontro entre a esquerda, o centro e a terceira via militar pode não trazer nenhum resultado prático para a formação de uma frente ampla, mas, certamente, demonstra que é cada vez maior a distância que separa o bolsonarismo dos demais atores políticos.

Estadão

 

 

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