Pastores insuflam fieis falando em “apocalipse”

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Foto: Leandro Moraes/UOL

Se sete é um número cabalístico, a data do 7 de setembro ganhou novo significado em profecias de alguns pastores evangélicos nas redes sociais. As visões indicam uma batalha espiritual e antecipam situações descritas no último livro da Bíblia, o Apocalipse, que trabalha com as visões do apóstolo João sobre o fim dos tempos. No plano terreno, o objetivo é mais simples: convocar os fiéis a participar dos atos de apoio ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) no feriado da Independência.

Os vídeos viralizaram em plataformas como YouTube, Tik Tok, Instagram e Facebook e falam sobre soldados e civis invadindo o Congresso Nacional e o STF (Supremo Tribunal Federal), espiões infiltrados no meio do povo e o receio de que a liberdade religiosa esteja em risco.

As profecias são frequentes em cultos e manifestações de pastores de igrejas evangélicas, especialmente as pentecostais. A novidade está no contexto político ao qual estão atreladas, já que antes elas eram restritas ao cotidiano dos fiéis e da comunidade.

“Essa linguagem de profecia, de batalha no mundo espiritual, isso sempre apareceu em relação a temas próprios da vida dos indivíduos das igrejas. Mas já que eles aproximaram isso da política, o 7 de setembro virou um prato cheio”, observa o pastor batista, sociólogo e pesquisador do ISER (Instituto de Estudos da Religião), Clemir Fernandes.

As convocações para os atos assumem diversas agendas, que vão da defesa do voto impresso ao combate ao comunismo. No entanto, as falas dos pastores apelam para a proteção à liberdade religiosa, tópico historicamente caro aos evangélicos por remontar a um passado de perseguição ao cristianismo que vem desde o império romano. Como agravante, há ainda a forte repressão que o protestantismo sofreu por parte da Igreja Católica.

Reportagem da Folha publicada no ano passado aponta que em dez anos a maioria da população será evangélica — segundo Datafolha de janeiro de 2020, 31% dos brasileiros são de religiões protestantes, atrás de 50% de católicos. Apesar disso, líderes evangélicos ainda adotam um discurso de minoria no país.

“Essa coisa da perseguição é um elemento muito forte para a autopreservação”, explica Magali Cunha, também pesquisadora do ISER e editora-geral do Bereia, coletivo de checagem de fatos sobre conteúdos religiosos.

Os “inimigos do povo de Deus”, como mencionado nos vídeos, assumem diversas faces. “É um bicho-papão que foi criado, [dizendo] que a ditadura que está no STF, e utilizando a prisão do Roberto Jefferson para dizer que as pessoas estão sendo tiradas da liberdade. Atribuem isso ao movimento LGBTQ+, de que querem proibir de dizer que isso é pecado”, acrescenta Clemir.

Criou-se uma falsa cortina de fumaça de que a liberdade estaria sendo suprimida pelo STF, pelo Congresso. Isso atrai para a manifestação o evangélico que tem medo de perseguição.”
Pastor Clemir Fernandes, sociólogo e pesquisador do ISER

O pastor e sociólogo também observa que o apelo de liberdade religiosa, para muitos evangélicos, é superior às demandas políticas por trás do 7 de setembro.

“É a defesa da liberdade o que mobiliza grande adesão de um segmento que historicamente já sofreu perseguição, e o governo sabe disso, se apropria disso e capitaliza isso para si. As agendas ali são múltiplas e muitos evangélicos só estarão ali numa pretensa defesa da liberdade”, diz Clemir.

Em um dos vídeos, o pastor Daniel Adans evoca o “papel de autoridade” da igreja para se posicionar e profetiza a “ordem e o progresso” da nação. Já o pastor Sandro Rocha alega ter tido uma visão de soldados invadindo o Congresso Nacional em prol da democracia — o prenúncio foi descrito em live do blogueiro Oswaldo Eustáquio, investigado por participação em atos antidemocráticos e suspeita de disseminação de notícias falsas, com mais de 400 mil visualizações no YouTube.

“Eles [STF] querem tirar Deus da democracia impedindo a minha voz, a sua voz e também a liberdade religiosa”, diz o pastor Rubens Gabriel em vídeo visualizado 178 mil vezes até ontem (3).

Valdemiro Santiago (Igreja Mundial do Poder de Deus) é outro a alegar perseguição religiosa em pregações online que terminam com o chamado para o 7 de setembro: “Passamos 15 anos com más notícias, com muita corrupção, com muita malandragem e perseguição à obra. Sofri na pele e chorei lágrimas de sangue”.

Clemir Fernandes aponta a participação de outros religiosos na convocação para os atos do dia 7 de setembro, embora de maneira mais discreta, “mas não menos eficaz”.

“O mundo evangélico explicita isso porque do ponto de vista histórico sempre foi colocado à margem, mas também há forças católicas envolvidas nesse movimento do dia 7, só que agindo de outra maneira. Eles não vociferam, se comparados aos evangélicos, mas ambos estão muito associados à bancada da família”, afirma Clemir.

Postagens que circulam nas redes sociais mostram padres e bispos em defesa dos atos no feriado. Procurada pelo UOL, a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) afirmou que não possui participação institucional nos atos e que muitos dos clérigos pertencem a outras igrejas.

Um deles é o arcebispo Paulo Garcia, da Igreja Episcopal Carismática do Recife, que apesar do título de arcebispo, é de religião protestante. Outro é o padre Kelmon Luis Souza, amigo de Roberto Jefferson e apoiador de Bolsonaro. Kelmon se diz ortodoxo, mas pertence a uma igreja que não é identificada como parte da Igreja Católica.

Na tarde desta sexta-feira, a CNBB emitiu um comunicado pedindo que os fiéis respeitem uns aos outros e orem pela situação do país. Presidente do conselho, o arcebispo dom Walmor Oliveira deu um recado direto e contrário à ruptura institucional: “Não se deixe convencer por quem agride os poderes Legislativo e Judiciário. A existência de três poderes impede a existência de totalitarismos.”

A cobrança pelo posicionamento político dos evangélicos é uma constante nos conteúdos virais. Com mais de 1 milhão de visualizações no Tik Tok, uma fala do pastor Cláudio Duarte evoca a necessidade do “crente” de se envolver na política.

“Pensem nos seus filhos e nos seus netos, se você quer que te chamem de covarde ou de valente”, diz ele. “Dia 7 de setembro é um dia marcante para o Brasil”, acrescenta.

Duarte é aliado de Bolsonaro e próximo do pastor Silas Malafaia (Assembleia de Deus Vitória em Cristo). Malafaia tem sido outro expoente a favor dos atos do dia 7 nas redes sociais, alegando que setores de oposição do governo pretendem implantar infiltrados nas manifestações para tumultuá-las.

“Na história da religião existe isso do exército de Deus, e os missionários que trouxeram a igreja evangélica para o Brasil trouxeram muito essa coisa de militar pelo senhor”, afirma Magali Cunha.

Não é à toa que se cria uma identidade do cristão com o Bolsonaro das armas. Esse apoio à campanha armamentista não é novo, nas igrejas estão cantando há trinta anos que Jeová é da guerra.”
Magali Cunha, pesquisadora do ISER e editora-geral do coletivo Bereia

Clemir Fernandes observa que a atuação dos líderes protestantes mantém uma linha ideológica já conhecida, mas que nos últimos anos a visibilidade deles aumentou em função do alinhamento com pautas defendidas pelo governo federal: “O que é novo é ir para a rua a partir de um movimento do próprio presidente”.

“O apelo mais forte não está na linguagem espiritual em si, mas sim na linguagem da política fazendo simbiose com a religião”, diz Clemir.

Uol  

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