Perda da esposa para covid faz Alberto Fraga rejeitar Bolsonaro

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Foto: Dida Sampaio/Estadão

O ex-deputado Alberto Fraga (DEM-DF) decidiu se afastar do presidente Jair Bolsonaro por causa do mesmo drama vivido por mais de meio milhão de famílias brasileiras. A morte prematura de Mirta, esposa do ex-parlamentar, aos 56 anos, por complicações causadas pela covid-19, estremeceu uma amizade de quatro décadas e distanciou a família Fraga do bolsonarismo. O caçula do casal, de 20 anos, estudante de medicina, atribui ao presidente a responsabilidade. “Esses dias corrigi meu filho: ‘você não deve fazer isso, você não pode culpá-lo pela morte da sua mãe’. Lá em casa todo mundo era ‘Bolsonaro doente’”, contou o policial militar aposentado.

Crítico da maneira como o presidente enfrenta a pandemia, Fraga se ressente do tratamento dispensado pelo amigo na maior perda de sua vida e chegou a bloquear o presidente no WhatsApp. “Não consigo entender essa falta de sensibilidade do presidente com relação à morte das pessoas”, afirmou.

A boa relação surgiu ainda nos anos 1980, nos tempos da Escola de Educação Física do Exército, no Rio. Depois, foi cultivada no plenário da Câmara, onde ambos sentavam lado a lado, e no Palácio da Alvorada. Eles se encontravam com frequência na residência oficial. Agora não se falam mais. É mais um aliado de primeira hora a se afastar de Bolsonaro.

Em entrevista ao Estadão, Fraga aponta erros do governo. Diz que os generais da articulação política do presidente permitiram gastos bilionários para construção de uma base de apoio no Congresso e o objetivo não foi alcançado. Coronel da reserva da PM do DF e expoente da bancada da bala enquanto esteve na Câmara, Fraga conhece as polícias e tem uma explicação para o fato de PMs da ativa não terem engrossado os atos de 7 de setembro em defesa de Bolsonaro: “Quem está na ativa sabe os riscos que corre, tem família. Se um cara desse for expulso, Bolsonaro não vai conseguir reintegrá-lo”.

O senhor é um dos mais de meio milhão de brasileiros que perderam uma pessoa querida. Como tem sido a vida desde o dia 24 de maio?

Eu e minha esposa pegamos covid em casa. Ela foi internada primeiro. Logo depois eu me internei. Ela teve pneumonia viral. Ficou 73 dias internada e veio a óbito em virtude do pulmão não ter se recuperado. O sentimento mais comum de todos nós que passamos uma situação dessa é que gostaríamos de ter tido a vacina o mais rápido possível. E a gente sabe que a vacina foi politizada. Esse foi o grande problema. Enquanto se disputava politicamente quem era o pai da criança, a população ficou sem vacina. Com isso, evidentemente muitas pessoas vieram a óbito porque não tiveram a oportunidade de se vacinar.

O que chama de politização?

Bolsonaro quando percebeu que havia a necessidade da vacina não quis dar o braço a torcer. Porque o mérito ficaria para o Doria (governador de São Paulo). Isso fez com que as coisas se complicassem mais.

Antes de ser infectado e internado, como o senhor vinha lidando com a pandemia? Era algo com o que se preocupava?

Sempre disse que a vacina era importante. E esse era um dos pontos que eu discordava diretamente do Bolsonaro. Eu disse algumas vezes que a economia se recuperava. As vidas não. Isso fez com que, em diversas situações, eu fosse me decepcionando com algumas posturas. Eu não consigo entender essa falta de sensibilidade do presidente com relação à morte das pessoas.

No hospital, os senhores chegaram a conversar? Ele prestou solidariedade?

Sim, ele mandou mensagem para mim. Conversamos algumas vezes, principalmente nas madrugadas. Ele acorda cedo mesmo. Eu expliquei para ele a situação da minha esposa e a minha situação. E diante disso foi quando eu me afastei.

Ele te visitou pessoalmente?

Não, e nem foi ao enterro. Até porque se ele fosse, ia dar problema. Muita gente na família ficou com raiva dele. Uma culpa que eu acho que ele não tem. Esses dias corrigi meu filho: “você não deve fazer isso, você não pode culpá-lo pela morte da sua mãe”. Ele tem 20 anos, faz medicina. Lá em casa todo mundo era “Bolsonaro doente”. Hoje, só o mais velho.

O senhor está rompido com o presidente?

Exatamente para não estragar uma amizade de 40 anos eu preferi me afastar, bloqueei ele no WhatsApp. Em hipótese alguma eu posso culpar o presidente pela morte da minha mulher. Nunca insinuei isso, mas achei por bem me afastar, não romper. Sempre fui amigo do Jair Messias Bolsonaro. Nunca fui amigo do presidente.

Com o que exatamente a Dona Mirta se decepcionou?

Era por causa da falta de interesse na vacina. Ela se enclausurou em casa esperando a vacina, que não veio.

Será que ele reagiu assim para não dar o braço a torcer e reconhecer que a covid mata pessoas próximas da gente?

Não sei. Tudo começou com a morte do (senador) Major Olímpio (em decorrência da covid-19). Os filhos até se solidarizaram. Mas ele foi incapaz de dizer uma palavra. Ali ele já mostrou insensibilidade. Nessas perdas que tivemos, de entes queridos e amigos, Deus foi tão bondoso com ele (Bolsonaro) que ele não teve nenhuma perda. Os que tiveram têm uma visão diferenciada dessa questão.

O senhor dizia que enquanto não se livrasse de algumas condenações não ia aceitar cargo no governo. E o senhor foi absolvido.

Quando eu disse “estou livre” os convites desapareceram. Bolsonaro escolheu muito mal seus conselheiros. Tem um general aí que está mais para puxar saco do que para ser conselheiro de governo. O presidente precisa se cercar de pessoas que falem: “isso vai dar errado”. Um general não vai falar: “presidente, não faça isso porque pode dar problema”. Ele vê na figura do presidente o chefe supremo das Forças Armadas.

Mas isso não faz parte do perfil do presidente, ter gente em volta que não aponta erros?

Eu acho que ele não gosta de ser contrariado, e aí é que vem o problema. Ninguém é dono da verdade. E todo mundo sabe que esse (general Luiz Eduardo) Ramos só diz “não, senhor” e “sim, senhor”. Gastou bilhões para consolidar uma base e não conseguiu (foi Ramos quem criou o orçamento secreto, pelo qual Bolsonaro trocou emendas por apoio). O presidente precisa se cercar de pessoas com visão de política, que não pensem pequeno.

Ciro Nogueira, novo ministro da Casa Civil, não é capaz de resolver esse problema?

Ciro é uma pessoa que, não sei a que preço, e isso vai sair, tem habilidade política para continuar essas conversas políticas entre Congresso, presidente e Supremo. O que me preocupa é que, se você analisar bem, ninguém pode dizer que Bolsonaro tem base política consolidada no Congresso. E olhe que já se gastou muito.

Com essa falta de base, o presidente termina o mandato?

Acredito em impeachment se, porventura, houver algum tipo de esgarçamento na relação entre o Centrão e ele. Se o Centrão pular do barco, a situação se complica. Já tem nove partidos falando em impeachment. O presidente deveria ter usado o poder de mobilização para dizer coisas boas para o País, ele perdeu uma grande oportunidade. Não gostei do discurso do presidente (no 7 de Setembro). Exagerou na dose. Pronunciou coisas que era impossível de realizar. Pedir para (Luiz) Fux (presidente do STF) tirar Alexandre de Moraes… Isso não existe.

Nas vésperas desses protestos, muito se temia sobre uma revolta das PMs.

Não existe a menor chance de as polícias se insurgirem. Quem está na ativa sabe os riscos que corre. Tem família. Se um cara desse for expulso, Bolsonaro não vai conseguir reintegrá-lo. O que não tem como segurar são os inativos. E, mesmo assim, a presença dos inativos seria sem tumulto, sem agressões. Aqui em Brasília sei que muitos policiais reformados foram para a manifestação.

Como avalia a inserção do bolsonarismo dentro das polícias?

Hoje, posso te dizer que 90% das polícias e bombeiros militares votaram em Bolsonaro. O que Bolsonaro fez por eles até agora? Não foi feito absolutamente nada.

Essas manifestações de PMs em favor de Bolsonaro e contra governadores são pontuais?

As PMs são forças de Estado. Não acredito que algo nessa linha possa ocorrer. As pessoas vão pensar na família. E emprego não está fácil.

Por que o presidente briga com todo mundo que é amigo dele?

Ele é desconfiado. Não aceita uma opinião contrária a dele. É de poucos amigos, de vida social limitada. Acho que o único amigo que ele tinha na Câmara era eu. Ele não andava com ninguém. Não esperava jamais chegar à Presidência. Me recordo que ele dizia que se chegasse a 10% dos votos estava tranquilo. Eu às vezes chegava lá (no Alvorada), ele estava sentado num canto. E eu falava: “presidente, chama uns amigos para jogar futebol”.

Estadão

 

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