Ruralista que pregou golpe em 7 de setembro tem longa capivara

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Foto: Sindicato Rural de Sinop

Apontado como um dos financiadores dos atos bolsonaristas antidemocráticos de 7 de setembro, Antonio Galvan, presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil), já foi multado por desmatar ilegalmente 500 hectares de vegetação nativa e por vender soja sem nota fiscal. Ele também responde na Justiça por plantio clandestino de grãos e por tentativa de invasão de terras de uma fazenda vizinha à sua.

Procurado pela reportagem, o produtor rural não respondeu.

Galvan ganhou as manchetes dos jornais por ser investigado no Supremo Tribunal Federal (STF) em razão de seu apoio aos atos, cujo caráter é considerado golpista por políticos e juristas. A Procuradoria Geral da República diz que Galvan é possivelmente um dos financiadores dos atos — o que ele nega, embora assuma sua simpatia pelas bandeiras da causa.

Na segunda (6), véspera das manifestações, o STF determinou o bloqueio das contas da Aprosoja Brasil e da Aprosoja do Mato Grosso, da qual Galvan foi presidente entre 2018 e 2020. A suspeita é que o sojicultor poderia estar utilizando dinheiro público repassado à entidade para apoiar o movimento.

“Seriam utilizados fundos (FETHAB e IAGRO) compostos por recursos públicos que não possuem uma maior transparência nem têm sido destinado para suas finalidades originárias, mas sim, como capital para o financiamento de agentes para a realização das condutas antidemocráticas acima descritas”, escreveu a PGR em uma peça tornada pública pelo jornal O Estado de S.Paulo.

Em nota publicada em 19 de agosto, a Aprosoja Brasil assegurou que “não financia e tampouco incentiva a invasão do Supremo Tribunal Federal (STF) ou quaisquer atos de violência contra autoridades, pessoas, órgãos públicos ou privados em qualquer cidade do país”.

A confusão entre os interesses pessoais de Antonio Galvan e os da Aprosoja não seria um fato inédito. Em 2020, o ruralista utilizou a entidade como justificativa para plantar soja fora do período previsto no calendário oficial, qualificando o cultivo clandestino como pesquisa científica. Contudo, uma dezena de entidades — incluindo a Embrapa — se opôs ao experimento porque havia um grave risco de disseminação da ferrugem asiática, a principal praga da cultura, e consequente aumento no uso de agrotóxicos nas lavouras.

“Ficou nítido que o principal objetivo da Aprosoja não é a realização de pesquisa, mas simplesmente a produção de sementes de soja fora do calendário, o que permitirá a estes produtores não comprarem sementes de soja no mercado, garantindo economia em sua produção”, concluiu a promotora de Justiça Ana Luiza Avila Peterlini de Souza. Ela moveu ação contra Antonio Galvan, seu filho Albino Galvan, a Aprosoja MT e outros 14 réus que também plantaram soja ilegalmente no Estado.

Foi a Aprosoja MT que assinou o acordo extrajudicial com a Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Mato Grosso para levar adiante o plantio tardio de soja em 2020. No ano anterior, Galvan já havia semeado 73 hectares fora da janela autorizada para plantio, mas, sem a proteção da entidade, foi autuado e processado. A ação, movida pelo Ministério Público do Estado ainda corre na Justiça.

O pacto entre o governo e a Aprosoja firmado em 2020 foi construído na esfera privada, longe dos órgãos do poder Judiciário, “um procedimento absolutamente questionável legalmente” na visão da promotora porque o que estava em jogo eram bens coletivos como o meio ambiente e mesmo a economia regional. O governo do Mato Grosso declarou nulo o acordo após constatar que ele foi feito, também, à revelia da Procuradoria Geral do Estado.

“O proprietário da Fazenda Dacar [Antonio Galvan] e também representante da Aprosoja, vem tratando o assunto unicamente da forma que lhe convém, convidando o Estado para integrar discussões ou acordos com o único intuito de referendar suas decisões. Naquilo que o Estado veda ou disciplina de forma a contrariar seus interesses, a execução se dá de forma clandestina”, afirmou a promotora nos autos.

O plantio de soja no Mato Grosso só pode ser feito entre setembro e dezembro porque lavouras iniciadas após este período tornam mais difícil o controle da ferrugem asiática, que reduz significativamente a produtividade do grão — e cujo fungo causador está se tornando resistente aos pesticidas disponíveis no mercado, dificultando mais ainda a situação.

Como a praga fica mais forte, o volume de agrotóxicos empregados também precisa ser maior, elevando os custos de produção para o agronegócio e ampliando a contaminação do solo, da água e do ar.

Apesar dos alertas dos órgãos técnicos, de multas e até de decisões judiciais contrárias, Antonio Galvan levou adiante o experimento que, afinal, confirmou o que se temia: em abril, quando a soja já estava colhida, uma inspeção na lavoura feita por técnicos constatou a presença de ferrugem asiática. Na época, o MP sugeriu que a safra seguinte poderia ter quebra de 10% em decorrência do problema, o equivalente a “uma cifra aproximada de 3,82 bilhões de reais”.

Condenados na ação movida pelo MP em primeira instância, Galvan e seu filho Albino estão obrigados a pagar pouco mais de 200 mil reais aos cofres públicos. O MP obteve vitória em 13 das 14 ações propostas contra produtores que embarcaram na teoria de Galvan e plantaram soja tardiamente. Ao todo, as indenizações alcançam a cifra de R$ 3 milhões, conta que a Aprosoja avisou que vai assumir sozinha.

A reportagem solicitou comentários a respeito dos fatos tanto para a Embrapa como para o Instituto de Defesa Agropecuária do Mato Grosso (Indea), mas ambos não responderam aos questionamentos. O Ministério Público informou que seus representantes também não responderiam.

Como promotor dos atos de sete de setembro, Galvan engrossa o coro que pede o impeachment do ministro Alexandre de Moraes, formalmente requerido pelo presidente em agosto como represália a decisões do magistrado em inquéritos que investigam fake news e a atuação de milícias digitais contra a democracia.

Convocado a depor na Polícia Federal sobre seu apoio a atos antidemocráticos, Galvan chegou à delegacia de Sinop escoltado por dezenas de tratores. A foto do homem grisalho segurando uma bandeira do Brasil em cima de uma máquina agrícola, desafiando a polícia, estampou a capa de jornais.

Após conhecer a sentença condenatória do caso do plantio da soja, considerada branda pelo Ministério Público, Antonio Galvan debochou do juiz e agradeceu pela decisão, que considerou favorável aos produtores. O processo ainda tramita em segunda instância.

Em diversas oportunidades durante a tramitação, ele também desobedeceu a determinações de autoridades públicas. O Ministério Público o acusa de litigância de má-fé porque quando as autoridades descobriram que a lavoura de 2020 havia sido colhida e mandaram apreender os grãos, Galvan pressionou uma empresa de armazenamento para que não recebesse a carga apreendida.

A promotora Souza também o acusa de mentir ao juiz do caso sobre um falso acordo com o Ministério Público que autorizaria a semeadura fora de época.

Em outro caso em que o poder público acusa Antonio Galvan de falsear a realidade, mais de 170 toneladas de soja produzidas pelo ruralista foram apreendidas por fiscais da Secretaria da Fazenda que participavam de uma blitz na rodovia MT-225 em 20 de outubro de 2017.

O motorista apresentou as notas fiscais da mercadoria, mas os dados das empresas envolvidas no negócio não correspondiam à realidade. A carga havia sido carregada na Fazenda Dacar, de Galvan, informação que não estava mencionada nas notas, razão que levou os fiscais a considerarem os documentos falsos.

O produtor foi autuado em quase R$ 140 mil, somadas as multas pela venda de mercadoria sem nota fiscal e o ICMS devido — embora a soja goze de isenções tributárias, o benefício é cancelado em casos de documentação irregular.

Galvan contesta a ação dos fiscais e levou o caso para a Justiça. Mesmo depois de quatro decisões contrárias, ele decidiu recorrer e levar a causa à segunda instância. “A verdade é que, não obstante a tentativa desenfreada da parte autora/apelante para se eximir do crédito tributário, a tese por ele apresentada é desprovida de provas”, criticou a Procuradoria Geral do Estado, em fevereiro deste ano, em sua mais recente argumentação na ação.

Também foi a Procuradoria Geral do Estado do Mato Grosso que precisou entrar em campo para obrigar Antonio Galvan a pagar uma multa com 13 anos de atraso. Em 2004, o produtor foi flagrado desmatando ilegalmente 500 hectares de vegetação nativa na Fazenda Dacar, no município de Vera, no Mato Grosso. Segundo Keve Zobogany de Szonyi de Silimon Junior, conselheiro do Meio Ambiente que validou as autuações, o desmatamento registrado pela Sema havia sido feito para acobertar derrubadas ilegais anteriores na propriedade, visíveis em imagens de satélite.

Mesmo tendo sua tese de defesa vencida, Galvan não pagou a multa. Em 2010, a Sema cobrou o débito, e como não recebeu resposta, a PGE inscreveu Galvan no cadastro de Dívida Ativa do Estado, uma lista que reúne quem dá calote no governo e precisa ser cobrado judicialmente.

Em dezembro de 2017, Galvan finalmente quitou sua dívida – mais de uma década depois de ser autuado.

Uma vizinha da Fazenda Dacar ingressou na Justiça, em 2016, pedindo reintegração de posse e acusando o presidente da Aprosoja Brasil de invadir suas terras, retirar um dos marcos de georreferenciamento que marcavam os limites da propriedade e substituí-lo por outro, para, em seguida, registrar 76 hectares que estavam do lado de lá da divisa entre as duas propriedades, em seu próprio Cadastro Ambiental Rural.

Neusa Giacomelli apresentou provas que a juíza Nattalia Karolina Pereira de Oliveira considerou suficientes para demonstrar que era dona de fato da área. Havia depoimentos de vizinhos, imagens de satélite, contratos e até um laudo da polícia civil confirmando a tese de tentativa de invasão. Por isso, ela conseguiu uma liminar proibindo o vizinho de se aproximar da linha de divisa entre as fazendas.

Mas Antonio Galvan protestou, sugerindo que a vizinha mentia em seus documentos, e a juíza determinou perícia técnica independente para esclarecer a disputa. Só que, desde março de 2017, foram três tentativas de nomeação de peritos judiciais no caso — Galvan impugnou duas delas e, um terceiro perito recusou a tarefa porque trabalhava para o sojicultor em outras demandas.

A reportagem telefonou e enviou mensagens ao telefone celular de Antonio Galvan e de seu filho, Albino, para solicitar esclarecimentos. Nenhum dos dois retornou os contatos.

Também escrevemos e telefonamos aos escritórios dos advogados que os representam nos processos judiciais em questão, mas até o fechamento desta reportagem, nenhum havia enviado comentários sobre os casos.

Solicitamos formalmente uma entrevista à assessoria de imprensa da Aprosoja Brasil, que informou que “o presidente Antonio Galvan não está se manifestando” e encaminhou o link de uma nota institucional publicada no dia 18 de agosto no site da entidade.

No caso em que é acusado de invadir uma fazenda vizinha à sua, a defesa de Antonio Galvan, comandada pelo advogado Orlando Cesar Julio, qualificou nos autos a ação de “tentativa de grilagem judicial” e apontou que há erros de informação, contradições em documentos e que as provas oferecidas pela parte autora não são confiáveis.

No processo que Antonio Galvan move contra a Secretaria da Fazenda do Mato Grosso, que o acusa de vender soja sem nota fiscal, seu advogado Victor Humberto Maizman argumenta que Galvan não era mais proprietário da soja carregada em sua fazenda. Ele apresentou contratos nos quais informa que a soja havia sido vendida meses antes do carregamento interceptado pelas blitz da Sefaz, mas permanecia em sua fazenda aguardando a carga determinada pelo comprador. O produtor, portanto, não teria mais responsabilidade sobre o produto.

Na ação a que respondem por plantio clandestino de soja, Antonio Galvan e seu filho Albino são representados pela advogada da Aprosoja-MT, Paula Maria Boaventura da Silva. Segundo a defesa, a norma que instituiu o calendário da soja no Mato Grosso foi “realizada sem estudo científico ou pesquisa”, o que torna ilegal a instrução normativa que instituiu as datas para o plantio. A defesa também assegura que o plantio em dezembro é o que demanda maior uso de agrotóxicos e argumenta que os produtores estão sendo penalizados por “querem fazer aquilo que o Estado não faz: confirmar a prejudicialidade ao meio ambiente e às pessoas que é a manutenção da Instrução Normativa na forma que está agora”.

Uol  

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