A história de Zé Trovão

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Foto: Reprodução

“Parece que sou um bandido, alguma coisa que não presta. Mas minha vida se resume sempre a trabalho.”

Quem diz isso é Marcos Antônio Pereira Gomes, mais conhecido como Zé Trovão, o youtuber que incentiva paralisações e invasões ao STF e ao Congresso. A reportagem de TAB conseguiu entrar em contato com o caminhoneiro bolsonarista por meio de seu advogado, Levi de Andrade, numa tentativa de confirmar histórias que coletou ao longo dos últimos dias junto a parentes, vizinhos e amigos, procurados em pelo menos três cidades do país.

A partir de março, Marcos tornou-se conhecido no Brasil inteiro pela criação do canal “Zé Trovão, a Voz das Estradas”, hoje fora do ar. Chegou a ter em torno de 40 mil seguidores e depois migrou para um canal no Telegram com cerca de 20 mil seguidores. Apareceu ao lado do cantor Sérgio Reis e deputados apoiadores de Jair Bolsonaro. Em 29 de agosto, tornou-se alvo de uma investigação da Procuradoria-Geral da União, e sua prisão preventiva foi decretada pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF (Superior Tribunal Federal), em 3 de setembro, por envolvimento em atos antidemocráticos.

Ainda não se sabe como, e com quais recursos, Gomes escapou das buscas da Polícia Federal — é possível que ele já estivesse fora do país no dia das manifestações golpistas de 7 de setembro. Localizado pela PF num hotel na Cidade do México, avisou que iria se entregar. Chegou a gravar um vídeo dizendo estar “cansado” de fugir. Seu advogado tenta até hoje reverter a ordem de prisão preventiva. Sua fuga, porém, é apenas o capítulo mais recente de uma história fragmentada e obscura, cheia de pontos cegos.

Em entrevistas a veículos de imprensa, presidentes de sindicatos, organizações e associações de caminhoneiros deixaram claro que jamais tinham ouvido falar de Zé Trovão. Alguns até sugeriram que ele fosse um personagem “plantado” por gente do agronegócio interessada em confusão.

Em mensagens de áudio de WhatsApp, enviadas na noite de quinta-feira (30 de setembro), o caminhoneiro deu sua versão sobre os principais pontos abordados nesta reportagem. Em todos os áudios, é possível ouvir animais mugindo e a passagem de carros em alta velocidade — o que leva a indicar uma região rural, de beira de estrada. A princípio receptivo, Levi de Andrade não respondeu quando questionado sobre o atual paradeiro de Zé Trovão.

Espécie de “Mestre dos Magos” das estradas, Gomes surgiu e desapareceu sem deixar vestígios, levando seguidores a veredas discutíveis.

Marcos Antônio Pereira Gomes só queria ser caminhoneiro. Virou “liderança” de movimento golpista não reconhecida pela própria classe e hoje é um foragido internacional.

Garoto de origem pobre, criado pelos avós em um sítio de Taruaçu, distrito da minúscula Tarumirim (MG), ele via nas imponentes máquinas que cortavam as estradas da região uma rara amostra do mundo exterior.

Com base em dados disponíveis sobre Zé Trovão divulgados em uma ação civil pública contra ele e em um dos habeas corpus solicitados por bolsonaristas, o TAB encontrou dez endereços ligados a Marcos Antônio Pereira Gomes. Quatro em Arapongas, no norte do Paraná, um em Joinville (SC) e cinco na cidade de São Paulo.

Quatro dos logradouros paulistanos estão em uma mesma região, a Vila Arapuá, no sudeste da cidade, divisa com o ABC. Em duas tardes de sábado, a reportagem bateu em portas e portões em busca de alguém que conhecesse o novo-famoso-foragido.

Vila Arapuá é um bairro de classe média-baixa, cinzento, pacato e formado basicamente por casas, tipo de lugar onde os moradores provavelmente reconheceriam um antigo vizinho. Não foi, porém, o que aconteceu no primeiro endereço visitado.

Duas mulheres conversavam na garagem do sobrado estreito e bem cuidado de dois andares. Informadas de que aquela casa já constou como moradia de Marcos Antônio Pereira Gomes, o Zé Trovão, disseram não fazer ideia de quem era o rapaz.

A reportagem, então, bateu em quatro casas vizinhas, sem sucesso. Em uma delas, dois homens se mostraram solícitos. Mas, após ouvirem sobre Zé Trovão e conferirem uma foto, foram enfáticos: aquele homem jamais havia morado ali.

Na mesma rua, em uma casa com garagem para carga e descarga de caminhões, um funcionário trajando cinta para proteção postural não sabia de Gomes e indicou a pessoa certa para responder à reportagem: um senhor calvo, de poucos cabelos brancos e malha soft, que conversava com outros dois homens a poucos metros.

Entre piadas sobre o PT e Sérgio Reis que não deixavam claro se tinham simpatia por um ou por outro, os três homens disseram jamais terem cruzado com Zé Trovão. Um deles aproveitou a conversa para tentar vender um carro usado à reportagem.

A não mais que dez passos de distância, pelo portão de uma casa de reboco aparente, surgiu um homem de fala tranquila — homem que, enfim, conhecera Zé Trovão. “O Marcos morava aqui antes de mim”, disse. “Que eu saiba, sozinho. Nunca conversamos muito, então não sei mais nada.”

O morador confirmou que, diferentemente do que foi dito à reportagem, Marcos havia sim morado na casa com a entrada para caminhões. Neste instante, uma garota que acompanhava a conversa da sacada do segundo andar desceu rapidamente até o portão. “Você quer saber do Zé Trovão? A gente não tem nada a ver com isso, não.”

Se em São Paulo restaram apenas fragmentos de memória, o jeito foi procurar em Joinville (SC), cidade onde a fama enfim o alcançou. Também com base no endereço disponível na ação civil pública, TAB foi atrás de vestígios do homem que sonhou parar o Brasil. E os encontrou no subúrbio de Aventureiro.

Por cerca de um ano, a família de Zé Trovão viveu em uma casa ampla do bairro, mas deixou o local há cerca de um mês. A rua não tem asfalto e a poeira invade as moradias.

A relação da família Gomes com os vizinhos nem sempre foi harmoniosa. “O morador ao lado disse graças a Deus quando foram embora”, conta um senhor de 60 anos, morador da localidade. Quando Zé Trovão não estava em casa, relata o vizinho, a esposa chamava as amigas para festas que se estendiam pela madrugada, com som alto.

Há cerca de cinco meses, Zé Trovão e a família toda se envolveram em um acidente na rua de casa. O carro que dirigia, um Volkswagen Gol, bateu em outro veículo. Ninguém se feriu. Até então, muitos dos vizinhos não sabiam quem era ele.

Foi uma maré de azar. Poucos dias antes, o bitrem (um tipo de carreta) dirigido por ele apresentou um defeito em Foz do Iguaçu (PR).

Apesar das rusgas, outros vizinhos tinham uma relação mais amistosa com Gomes. “Quando ele chegava de viagem, as crianças vinham correndo até o portão e falavam ‘o pai chegou’. E ele brincava com elas no pátio. Eu achava lindo, pois os três mais velhos são enteados. Os dois, três dias que ele ficava em casa valiam pelos vinte dias que ficava fora. Nem meu ex foi tão pai assim”, conta a vizinha, que preferiu não ser identificada.

Na semana anterior ao 7 de setembro, afirma a mulher, Jessica deixou a residência com as quatro crianças, sem Zé Trovão. Os vizinhos já haviam presenciado ao menos três visitas de agentes da Polícia Federal ao endereço.

Jéssica foi com os filhos para outra residência no mesmo bairro, a cerca de dois quilômetros da anterior, numa rua sem asfalto. De dia, a região é pouco movimentada. No começo da tarde, o lugar é tomado pela movimentação de crianças uniformizadas a caminho da escola. Na instituição, estudam as duas filhas de Jéssica.

No dia em que a reportagem esteve no local, o irmão mais velho delas, de 13 anos, foi até a instituição e as buscou. TAB foi até a casa da família. Poucos minutos depois de sermos atendidos pelo adolescente, Jéssica chegou de carro. Com o filho recém-nascido no colo, afirmou: “Como vocês descobriram onde estou morando? Eu informei para a Justiça hoje!”.

Se a atual companheira de Zé Trovão se mostrou surpresa, a ex-esposa recebeu o TAB com uma crise de riso. “Nunca na minha vida imaginei ter um ex assim”, diz N., que prefere o anonimato e vive em Arapongas (PR).

“Ele sempre teve um sonho de ser famoso. Tinha complexo de inferioridade. Bastava você conversar com ele para ver que era uma pessoa amarga. Juro que não é papo de ex-mulher”, faz questão de repetir.

N. tem um palpite sobre quando Zé Trovão percebeu que a política talvez fosse um “caminho fácil”. “Na primeira greve dos caminhoneiros, em 2018, ele gravou uma entrevista quando estava parado na estrada. O vídeo teve milhões de visualizações e ali percebi que a coisa subiu à cabeça dele.”

De acordo com a ex, só em 2016 Gomes conseguiu, enfim, trabalhar como caminhoneiro. Antes disso, foi monitor de hotel e corretor de imóveis. Ela diz que o ex-marido nunca foi exatamente uma pessoa empática, e que isso poderia explicar o porquê de quase ninguém na Vila Arapuá se lembrar dele. N., aliás, confirma que ele morou no bairro.

É também dela a suposta versão de Gomes para outro fato obscuro de sua biografia. Antes de se encrencar com instâncias superiores, Zé Trovão enfrentou outros problemas com a Justiça.

Ele tem uma condenação por receptação no município de Itapecerica da Serra, na Grande São Paulo. O crime ocorreu em 2007, quando Gomes tinha 19 anos, e lhe rendeu uma pena de um ano e quatro meses de prisão.

A sentença a que TAB teve acesso não dá detalhes, mas é provável que o crime não tenha envolvido grandes valores, porque a pena foi substituída por prestação de serviços à comunidade.

“A história que ele me contava era que, na época, trabalhava como vigia noturno e arranjou briga com um policial, que armou essa situação para ele”, diz N.

Até então difícil de localizar, a família de Zé Trovão, enfim, falou. Em conversa com o TAB por telefone, um primo o descreveu como “guerreiro”, um homem “espetacular”. Ele confirma que os pais do caminhoneiro “viraram as costas” para o filho. “A gente vem de uma família humilde”, diz V. “Marcos perdoou os pais quando cresceu e se reinventou várias vezes.”

É de V. o relato sobre a infância de Marcos que abre essa reportagem. “O que ele estava fazendo [o envolvimento em atos antidemocráticos] não era em prol de político algum, mas das pessoas”, diz o primo. “É um cara muito inteligente e sábio. A vida o ensinou, ele não teve estudo.”

Para o primo, Zé Trovão “deixou luz” onde quer que tenha pisado. “Mágoa, nunca.”

Nas mensagens de Zé Trovão, ele confirma dados sobre sua infância. “A relação com meus pais de criação, meus avós, sempre foi boa. [A relação com os pais biológicos] É meio nula porque não convivi com eles. Fui morar com meu pai no Japão, onde ele residiu muitos anos, mas nossa relação não conseguiu ser muito tratativa”, diz Gomes, sobre ter sido “rejeitado”. “Aprendi a ser homem com meus avós. A questão desse abandono nunca mexeu com o que eu acredito.”

Também confirmou que morou na Vila Arapuá, em São Paulo, “entre 2003 e 2004, não me lembro da data. Nunca fui de ter muito contato com vizinhos”.

Nos primeiros áudios, Zé Trovão estava sereno. Ele só se irritou quando questionado a respeito da condenação em Itapecerica da Serra. Afirma que “foi provado que ganhou na Justiça”.

Ao menos nos documentos disponíveis até 2017, não há indício de anulação de sentença. Para Levi de Andrade, advogado de Zé Trovão, o cliente apenas usou força de expressão para dizer que está em dia com a Justiça. O que é verdade, ao menos em relação ao caso de receptação. Andrade prefere não dar mais detalhes sobre a situação do cliente para não prejudicar o pedido de revogação de sua prisão preventiva.

Uol  

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