Brasil terá Natal com preços altos

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Foto: Getty Images

O consumidor pode não encontrar exatamente o que procura ou ter que pagar mais caro na compras da Black Friday, em 26 de novembro, e de Natal deste ano, porque a falta de matérias-primas e componentes reduziu a produção na indústria brasileira. O problema é mais grave no setor de automóveis, mas atinge também o de eletrodomésticos e a construção civil, afirmam empresários do setor.

Além de haver menor oferta de bens duráveis, como automóveis, eletrodomésticos, eletroportáteis e telefones, as matérias-primas e componentes usados na produção desses itens estão mais caros, com reajustes que beiram 200%. E parte disso deve ser repassado ao consumidor final, admitem os empresários.

Pandemia afetou as cadeias de produção
A falta de componentes na indústria começou na pandemia, desde o ano passado. Primeiro, as medidas de isolamento para conter a covid-19 reduziram a produção de matérias-primas e o transporte das mercadorias. Depois, com a volta rápida das atividades em todo o mundo, os pedidos de fornecimento foram retomados ao mesmo tempo por todas as empresas dos mais diferentes setores.

Assim, toda a cadeia que abastece a indústria teve que dar conta dos pedidos atrasados e ainda encaminhar os novos pedidos.

Acúmulo de pedidos na retomada
O acúmulo de encomendas afeta ainda a logística de transportes. A quantidade de contêineres, navios e aviões não foi multiplicada para atender pedidos atrasados e novas encomendas simultaneamente.

O resultado disso é que a indústria não consegue produzir e entregar nos prazos o volume que os lojistas estão pedindo para atender consumidores nesta reta final de ano.

A falta de insumos nas cadeias de produção é um problema global que atinge vários setores também no Brasil. Quando tem o insumo, a indústria teve que pagar mais caro por ele.
Mario Sérgio Carraro Telles, CNI (Confederação Nacional da Indústria)

Segundo Telles, gerente de política econômica da CNI, a falta de matérias-primas e componentes afeta todos os setores da indústria brasileira —alguns mais, outros menos. Mas o mais impactado é o das montadoras de automóveis.

O problema também afeta a produção de campeões de vendas na Black Friday e no Natal, como geladeiras, TVs e celulares.

O presidente da Eletros (Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos), Jorge Nascimento, disse que os fabricantes vão conseguir atender os pedidos dos lojistas, mas o aumento de preços será inevitável.

Segundo o executivo, o aumento dos custos começa pelo frete. O transporte de um contêiner vindo da Ásia, que estava na casa de US$ 1.000 (R$ 5.524) antes da pandemia, agora oscila entre US$ 25 mil (R$ 138 mil) e US$ 30 mil (R$ 166 mil). O papelão e o aço também subiram. Estão 25% e 190% mais caros, respectivamente, do que antes da pandemia.

Segundo dados da consultoria GfK, os reajustes já estão acontecendo em diversos segmentos do setor, considerando os 12 meses encerrados em setembro. Veja exemplos:

Laptops: +40%
TVs: +30%
Smartphones: +30%
Geladeiras: +13%

O presidente da Eletros diz que os fabricantes estão tentando segurar ao máximo o repasse dos preços, com renegociação de contratos junto a fornecedores e transportadoras, maior automação nas fábricas e redução da margem de lucro.

Não deve faltar produto, mas estamos fazendo muito esforço para que os reajustes não cheguem ao consumidor. Hoje, estimamos um reajuste médio de 7% a 10%.
Jorge Nascimento, da Eletros

O executivo admitiu, entretanto, que algum evento inesperado ainda pode provocar desabastecimento. “Internamente, o maior risco de desabastecimento no nosso setor seria uma greve de caminhoneiros”, disse.

Com os gargalos na indústria, os lojistas já trabalham com cenário de estoques menores para atender a clientela nesta reta final de ano, admite o diretor de relações institucionais da Alshop (Associação Brasileira de Lojistas de Shopping), Luis Augusto Ildefonso.

Segundo ele, os lojistas buscam ter a maior diversidade de produtos para cada linha de modelos, com diferentes opções de preços, por exemplo, para poder atender amplo perfil de consumidores. Mas para esse ano, as alternativas deverão ser mais limitadas nas vendas de Black Friday e Natal exatamente pela menor disponibilidade dos fabricantes.

Ildefonso diz que os lojistas terão ainda o desafio de fazer uma Black Friday com promoções que sejam mais interessantes que as praticadas em 2020, por causa dos reajustes de preços na indústria.

No ano passado, o lojista tinha mercadoria e bons preços, mas não tinha o cliente na loja. Hoje, é o contrário. O consumidor está presente, mas ou faltam produtos ou os produtos estão mais caros.
Luis Augusto Ildefonso, da Alshop

A falta de eletrodomésticos vai atrapalhar os planos de quem pretende mudar de casa neste fim de ano e equipar o novo lar. E esse não é o único problema do setor imobiliário.

Os gargalos nas cadeias de fornecimento de matérias-primas, como aço, ferro, cimento, fios e plásticos —também estão comprometendo as entregas de novos imóveis, segundo aponta o presidente da Comissão de Materiais, Tecnologia, Qualidade e Produtividade da Cbic (Câmara Brasileira da Indústria da Construção), Dionyzio Klavdianos.

O desabastecimento melhorou, mas persiste a dificuldade. Há casos de atraso de mais de um ano no cumprimento de prazos de entrega.
Dionyzio Klavdianos, Câmara Brasileira da Indústria da Construção

Montadoras não sabem quanto vão produzir
O presidente da Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores), Luiz Carlos Moraes, também diretor de comunicação corporativa e relações institucionais da Mercedes-Benz do Brasil, confirma que a dificuldade no setor é provocada principalmente pela crise dos semicondutores, componentes hoje essenciais na fabricação de um carro, e cuja produção mundial é concentrada na Ásia.

Sem saber quantos semicondutores chegarão ao Brasil, a Anfavea diz que a produção este ano vai depender do abastecimento para a produção das fábricas. A produção total este ano deve variar entre 2,129 milhões e 2,219 milhões, o que pode representar um aumento de 6% a 10% em relação a 2020.

Mas essa expansão é uma clara desaceleração na produção de carros no Brasil. Afinal, nos nove primeiros meses do ano, a indústria local já fabricou 1,649 milhão de unidades, ou 24% mais que em igual período do ano passado.

Estamos presenciando uma procura por parte dos consumidores para compra de novos produtos, mas não temos unidades para atender a demanda.
Luiz Carlos Moraes, da Anfavea

Segundo as fabricantes de carros, o setor está pagando muito mais caro por quase tudo que usa na produção, porque as matérias-primas subiram de preço. E as empresas ainda têm que colocar na conta a valorização do dólar, que subiu quase 30% em 2020 e acumula alta de 6% neste ano.

Veja quanto aumentaram nos últimos 12 meses os insumos de diferentes fornecedores, segundo dados da consultoria KPV para a Anfavea.

Resinas e elastômeros: +110%
Siderurgia: +84,5%
Plásticos: +43,3%
Borracha: +17%
Parte desses reajustes já está sendo repassada aos consumidores. Segundo levantamento da FGV (Fundação Getulio Vargas), o preço de carros novos acumula alta de 10,74% em 12 meses, na média, até setembro de 2021.

O coordenador do IPC da FGV Ibre, André Braz, diz que a falta de matéria-prima provoca inflação e influencia o consumo na indústria, começando pela automobilística.

Como a pessoa não encontra o carro novo, ela parte para os seminovos. Isso já está impactando também os preços dos seminovos. E esse problema deve chegar a outras cadeias da indústria.
André Braz, da FGV Ibre

Os gargalos na produção mundial e brasileira vão continuar afetando a indústria pelo menos até meados do ano que vem.

Segundo relatório da empresa de informações econômicas Moody’s Analytics, as interrupções na cadeia de suprimentos vão piorar antes de melhorar. A firma cita gargalos criados por controles de fronteiras, restrições de mobilidade e a indisponibilidade de um passe de vacina que seja global.

No Brasil, os empresários confirmam essa expectativa pessimista para a indústria local.

Só teremos uma normalização das cadeias de produção na indústria mais para o fim do primeiro semestre [de 2022]
Mario Sérgio Carraro Telles, CNI

Uol

 

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