Conservadorismo irracional tira Brasil do mercado bilionário da cannabis

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Foto: Fernando Moraes

R$ 26 bilhões. Esse é o valor estimado que o mercado de cannabis (planta da maconha) no Brasil poderia alcançar em seu quarto ano de legalização de uso e cultivo em solo nacional em três esferas: medicinal, industrial e a recreativa.

A previsão é de um levantamento feito pela Kaya Mind, consultoria brasileira de inteligência de dados de cannabis. Para se ter uma ideia, esse montante bilionário equivale a toda a movimentação do mercado de compras por celular no Brasil em 2019. Ou, ainda, ao valor da produção de agrotóxicos e da venda de insumos para embalagens de plástico por aqui em 2018.

“É muito raro, no estágio avançado de maturidade que a economia global se encontra, surgirem novos mercados bilionários do zero, que é o que vem ocorrendo com o setor da cannabis com as recentes flexibilizações com relação à planta ao redor do mundo”, afirma Maria Eugênia Riscala, presidente-executiva da Kaya Mind.

“Somam-se a isso as inúmeras finalidades que a planta possui, podendo fornecer matéria-prima para os mais variados setores temos um mercado extremamente promissor dentro de suas limitações. A cannabis não substituirá todos os usos do medicinal ou da construção civil, mas pode beneficiar muitos desses mercados”, completa.

Outros dados da consultoria estimam que, mediante uma regulamentação mais abrangente, no quarto ano de legalização os cofres públicos poderiam ter uma injeção de R$ 8 bilhões em impostos.

Esse montante seria suficiente, por exemplo, para preservar o orçamento do Ministério da Educação, que teve corte de R$ 4 bilhões em 2021, ou cobrir os gastos do SUS (Sistema Único de Saúde) com dependentes químicos pela próxima década.

Um dos maiores entraves para o desenvolvimento desse mercado bilionário, segundo especialistas, é a regulamentação do plantio no Brasil.

Por mais que, desde 2015, a Anvisa libere caso a caso a importação de medicamentos derivados da cannabis, não ter a produção local implica que o acesso a esse tipo de produto ainda é restrito e caro.

Para se ter uma ideia, uma caixa com três frascos de 10 ml de Mevatyl, medicamento usado no tratamento de sintomas da esclerose múltipla (EM), sai em torno de R$ 3 mil.

Isso, porém, não impede que um ecossistema de startups relacionadas ao setor tenha sido criado no país nos últimos anos.

“A construção desse ecossistema ainda está no começo, mas startups brasileiras exploram da biotecnologia à economia criativa, passando por soluções financeiras e têm no meio acadêmico um berço importante”, diz Marcelo De Vita Grecco, diretor de marketing da The Green Hub, plataforma especializada em aceleração de startups, com foco específico em negócios voltados à indústria da cannabis.

“As iniciativas devem crescer e se multiplicar com o avanço deste mercado”, acrescenta o executivo.

Para Grecco, a impossibilidade de cultivo mais amplo da cannabis no país não impacta, necessariamente, iniciativas do tipo. Enquanto a liberação não acontece, a cadeia produtiva pode se desenvolver inicialmente por meio de importações legais dos derivados da planta, diz.

“Há muita oferta de matéria-prima, até mesmo em países vizinhos, como Uruguai e Paraguai. Com isso, estrategicamente, se desenvolveria no país tecnologia para as diversas aplicações, sistema logístico e, mais importante ainda, o mercado consumidor”, argumenta.

Oferta e procura: a conta precisa fechar
Analisando um potencial mercado da maconha no Brasil, Grecco destaca que, antes de focar tanto no cultivo, é preciso gerar demanda para absorver essa produção. Caso contrário, o país vai virar mais um produtor de matéria-prima e não de produtos finais (como os medicamentos a base da planta, por exemplo).

“É o caso de Uruguai e Equador. Ambos focaram muito na produção, têm muita gente plantando, mas ainda não há demanda suficiente para absorver. Com um mercado formado, quando o plantio for liberado no Brasil, o crescimento da oferta de matéria-prima vai ajudar a tornar os produtos finais mais baratos e acessíveis”, explica.

Pesquisa, cultivo e “banco da maconha”
Perguntado sobre quais empresas têm se destacado no setor, Grecco destaca iniciativas como:

The Dogons: pesquisa e desenvolvimento de produtos probióticos com infusão de canabinoides;

Kaneh Bosm Genes: pesquisa o cultivo aquapônico (na água) da cannabis;

Centro de Excelência Canabinoide: foco em atendimento clínico, educação e pesquisa relacionados ao uso medicinal da cannabis;

Scirama: estuda substâncias psicodélicas para uso em psicoterapia assistida;

Adwa: foco no melhoramento genético;

Rubian Extratos: soluções eficazes para a produção de extratos vegetais ricos em bioativos da cannabis.

Há ainda iniciativas voltadas à exploração financeira desse mercado, como a Cannapag Bank, fintech voltada a soluções financeiras para atendimento de pacientes, clínicas, associações e indústrias da cannabis.

A indústria criativa, como a Jamba Studios, que une arte e informação para desconstruir preconceitos contra a cannabis, abrangendo estratégias de storytelling e entretenimento educacional, também é outro braço de mercado.

Por ora, o plantio da maconha no país depende do Projeto de Lei (PL) 399/15, que foi aprovado em junho por uma comissão especial da Câmara dos Deputados e segue, em caráter conclusivo, para aprovação no Senado Federal.

Indústria farmacêutica
Enquanto o plantio e o aproveitamento da cannabis em outras áreas ainda não é realidade no Brasil, o consumo de derivados da planta ainda se concentra na indústria farmacêutica.

E mesmo nesse ponto e em termos mundiais, a sensação é que apenas estamos “arranhando a superfície” quando falamos do potencial da planta, de acordo com os entrevistados.

“É seguro dizer que apenas começamos a entender a cannabis e sua relação com nosso organismo, apesar de seu uso remontar há mais de mil anos”, diz Marcelo Falchi, psiquiatra e pesquisador na Unicamp especializado em neurociências dos psicodélicos.

Segundo o cientista, até pouco tempo a ciência não conhecia tanto sobre o sistema endocanabinoide. Ao compreender melhor seu funcionamento, os estudos passaram a contribuir para o entendimento dos mecanismo fisiopatológicos — estudo do impacto de doenças no organismo — de como operam os canabinoides em potenciais processos de cura.

Tratamentos promissores com a cannabis
Atualmente, derivados da cannabis têm evidências consistentes, que inclusive atestam segurança e eficácia, no tratamento de enfermidades neurológicas, como epilepsia, espasmos, dor crônica, náusea e vômitos.

No caso de quadros psiquiátricos como ansiedade, psicose, depressão (entre outras), essas substâncias são promissoras, ainda que careçam de níveis mais altos de evidências, explicam os especialistas.

A maioria dos estudos são feitos com princípios ativos isolados, enquanto a prática clínica pode ser feita com fitocomplexos, que reúnem diversos princípios ativos e tornam o tratamento consideravelmente distinto.

Para Renato Filev, doutor pelo programa de pós-graduação em neurociências da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e especialista em cannabis e sistema endocanabinoide, a falta de regulamentação e a criminalização da cannabis afeta a todos, mesmo quem nunca consumiu a planta.

“A proibição das drogas acaba gerando mais custos e danos sociais e em saúde pública e individual do que aqueles que a política visa combater. O resultado é que pessoas que enfrentam alguma condição de saúde para a qual a cannabis poderia ser empregada é afetada pela proibição em diferentes camadas”, afirma.

“A falta de regulamentação dificulta o acesso a opções e variedades com perfis moleculares distintos e, consequentemente, a pesquisa”, complementa.

Uol

 

 

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