Covid matou mais na rede pública que na privada

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Foto: Mister Shadow/Estadão Conteúdo

Pessoas com 80 anos ou mais que se internaram na rede pública da capital paulista com covid-19 grave tiveram menos chance de sobreviver do que aquelas que buscaram atendimento privado, de acordo com números oficiais do Ministério da Saúde.

As informações constam da base de dados de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), abastecida com informações enviadas por unidades de saúde de todo país desde o início da pandemia e atualizadas até setembro deste ano.

De acordo com os dados do governo, a cada 100 pessoas dessa faixa etária que se internaram nas unidades estaduais e municipais de saúde da capital, 58 morreram, em média. Nas unidades privadas este número foi mais reduzido: 46.

O governo estadual informou ter encontrado divergências entre suas bases de dados internas e as informações do Ministério da Saúde. A Prefeitura de São Paulo disse considerar a comparação inadequada (veja mais abaixo).

O Ministério da Saúde é o único a divulgar dados de infecção pela covid-19 detalhados por unidade de saúde do país. Ainda assim, a alimentação de informações no sistema cabe aos responsáveis pelo atendimento na ponta, ou seja, os grupos de saúde privados, estados e municípios.

Os profissionais de saúde são orientados a preencher uma ficha em papel. Posteriormente, as folhas são digitadas num sistema conectado diretamente com Brasília. De acordo com o protocolo do ministério, o banco de dados considera apenas as internações com observação dos sintomas que caracterizam o quadro grave da doença.

Além de obter as informações diretamente do portal do governo federal, o solicitou a dois especialistas que fizessem o mesmo trabalho, para garantir a autenticidade dos números e a correção do tratamento aplicado a eles. Foram consultados uma economista do Banco Central e uma ONG de transparência de Mato Grosso.

Os dados apontam proporções de morte por internação na capital paulista distintas para pacientes idosos atendidos em unidades administradas pela prefeitura e pelo estado.

De acordo com a base, a cada 100 pacientes de 80 anos de idade ou mais com diagnóstico positivo para covid-19 atendidos em unidades municipais, 54 morreram. Na rede estadual, este número chegou a 62.

Como esperado, os maiores índices de morte ocorreram nas unidades que atuaram em casos de maior complexidade. No caso da rede municipal, os índices de hospitais municipais são piores do que os das UPAs (Unidades de Pronto Atendimento). No primeiro caso, são 53 mortes para cada 100 internados; no segundo, 49.

No caso da rede estadual, os piores dados estão nos hospitais gerais da periferia, como Vila Alpina (zona leste, 66 mortes por 100), Mandaqui (zona norte) e Pedreira, na zona sul (56 mortes por 100, cada).

Médico infectologista e especialista em saúde pública da Fiocruz Amazônia, Marcus Vinícius Lacerda acredita que a disparidade é esperada. Segundo ele, historicamente a rede privada dispõe de melhores equipamentos, insumos e profissionais especialistas que o SUS (Sistema Único de Saúde).

“Infelizmente, os nossos leitos de UTI não têm a mesma estrutura [da rede privada]”, disse. Ele lembrou ser usual na rede pública a falta de equipamentos para respiração extracorpórea, bons respiradores, profissionais especializados em UTI e sistemas adequados para diálise de pacientes.

“Isso explica aquele outro dado que vimos, desde o ano passado, de que pobre morria mais. Além da falta de acesso, diagnóstico tardio, o sujeito mais pobre vai pro leito público”, afirmou.

Condições prévias prejudicam SUS, diz pesquisador
Pesquisador em saúde pública da Fiocruz e coordenador do projeto Infogripe, que monitora os índices nacionais de covid-19, Marcelo Gomes lembra que condições prévias desfavoráveis de pessoas em situação de vulnerabilidade socioeconômica ajudam um pouco a explicar a diferença dos números nas redes público e privada.

“A maior incidência de diabetes e turbeculose, maus hábitos alimentares, de lazer e de saúde aumentam o risco de falecimento para covid-19. Mesmo se atendidos em rede privada, é possível que muitos desses casos tivessem o mesmo desfecho. Não se trata apenas de um debate sobre a capacidade do SUS de oferecer atendimento adequado”, argumenta.

Ativista da área de transparência pública, o advogado e integrante do Observatório Social de Mato Grosso Pedro Valim Fim disse que a informação sobre a mortalidade nos hospitais deveria ser divulgada com mais facilidade para os cidadãos, assim como o número de mortos, ocupação de leitos e média móvel de mortos para covid-19, não apenas em âmbito nacional como em âmbito regional.

Atualmente, para ter acesso aos dados de covid-19 nos hospitais, é preciso baixar no site do Ministério da Saúde arquivos que somam quase 2 gigabytes e que precisam ser trabalhados em softwares específicos. Não há visualização simplificada dos números, como ocorre com outros indicadores gerais do enfrentamento à pandemia no país.

Valim Fim lembra que o diretor do equivalente ao SUS na Inglaterra, o NHS, obrigou unidades de saúde a divulgarem taxas de sucesso das cirurgias cardíacas e isso melhorou a qualidade do atendimento.

Para ele, o aumento da transparência sobre a mortalidade nos hospitais favorece uma cultura de “concorrência saudável entre instituições e avaliar quais são as melhores práticas”. “O que esse hospital que tem melhores indicadores faz de diferente?”

A epidemiologista Ana Paula Muraro, professora do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Mato Grosso, disse que as condições dos pacientes do SUS prejudicam o sucesso do atendimento. “É preciso considerar as desigualdades de acesso e perfil do paciente que provavelmente são os fatores determinantes do prognóstico, e não apenas o atendimento recebido na hospitalização especificamente”, disse ela.

Governo diz que público diferente impede comparação
Por meio de nota, o governo do estado informou que não considera correto comparar “serviços com perfis assistenciais diferentes, que consequentemente receberam pacientes com perfis distintos”.

O governo lembrou que os hospitais estaduais são focados em “média e alta complexidade”, o que explicaria a ocorrência de números distintos da rede primária, municipal, a quem cabe a absorção de casos “menos complexos”.

“Na fase pré-pandemia, os hospitais sob gestão estadual já respondiam por mais de 65% dos leitos clínicos e de UTI entre os serviços do plano de contingência de enfrentamento da Covid-19 de São Paulo, absorvendo os casos mais graves da doença desde o início da pandemia”, escreveu a assessoria.

O governo registrou também que são estaduais os principais serviços de referência para pacientes graves, unidades de caráter regional e responsáveis por atender pacientes originários de hospitais menos estruturados e e diversos municípios.

“Diferentemente do que convencionalmente ocorre com serviços municipais ou privados, que em geral atendem a população residente na cidade onde estão instalados”, completou.

O governo de São Paulo disse dispor de índices de mortalidade diferentes para os hospitais do Mandaqui, Pedreira e Vila Alpina, em sua base de dados, mas não soube explicar por que as notificações ao Ministério da Saúde são distintas dos dados que possui.

Nos registros do governo, os índices de morte de internados com 80 anos ou mais na Vila Alpina seriam de 39%; na Pedreira, 44% e, no Mandaqui, 28%.

A Prefeitura de São Paulo classificou a comparação de mortes e internações entre esferas de gestão como “simplificada” e inadequada. Disse considerar necessária uma “análise complexa” que considere as características específicas de cada serviço, os níveis de complexidade do atendimento, a quantidade de leitos disponíveis e o perfil dos pacientes, entre outros fatores.

“Esse tipo de comparativo não retrata a realidade e leva a interpretações equivocadas da situação da pandemia no município de São Paulo.”

O UOL pediu à prefeitura uma análise própria a respeito dos dados, à luz da complexidade e dos fatores por ela citados. A administração municipal não respondeu.

Para o médico sanitarista Gonzalo Vecina, a comparação não é indevida. “Ela deve ser feita para termos condições de melhorar o atendimento do SUS. Os dados se mostram importantes para que se realize esse tipo de reflexão.”

Uol

 

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