CPI desconfia de omissão na entrega de milhares de respiradores

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Foto: Leopoldo Silva

Uma auditoria da CGU (Controladoria-Geral da União) apontou ausência de comprovação de entrega pelo Ministério da Saúde e de efetivo recebimento por estados e municípios de 4.816 respiradores que custaram R$ 273,3 milhões ao governo Jair Bolsonaro.

A VTCLog, empresa alvo da CPI da Covid na reta final do colegiado, é a responsável por emitir os comprovantes de entrega. O depoimento de um dos sócios da VTCLog, Raimundo Nonato Brasil, está marcado para a manhã desta terça-feira (5).

Conforme o cronograma definido pelos senadores que controlam a CPI, esta é a última semana de depoimentos na comissão. A leitura do relatório do senador Renan Calheiros (MDB-AL) está prevista para o próximo dia 19, e a votação, para o dia 20.

A VTCLog, contratada pelo Ministério da Saúde para distribuir vacinas contra a Covid-19 e outros insumos, é investigada pela CPI em razão de diversas suspeitas.

Uma denúncia investigada diz respeito a um aditivo que elevou um contrato em R$ 88 milhões, durante a pandemia, a partir de uma suposta ação do então diretor do Departamento de Logística em Saúde, Roberto Ferreira Dias.

Ele foi demitido do cargo após um vendedor de vacinas inexistentes acusá-lo, em entrevista à Folha, de cobrar propina de US$ 1 por dose. O aditivo teria sido assinado na contramão de pareceres técnicos do ministério.

Outra suspeita investigada pela CPI é de pagamentos de boletos de Dias, no valor de R$ 47 mil, pela Voetur, uma subsidiária da VTCLog. A suspeita da CPI é que os pagamentos foram uma forma de propina ao então diretor.

Os senadores também tentaram rastrear, sem sucesso até agora, o destino de saques milionários em dinheiro vivo feitos por um motoboy da empresa. Os saques somaram R$ 4,7 milhões.

O motoboy prestou depoimento na comissão, disse ter frequentado o Ministério da Saúde e ter entregue um pendrive no andar onde atuava o diretor de Logística. A CPI não conseguiu avançar nesse caso.

A história dos respiradores ainda não entrou no radar da comissão. Ela está descrita em um relatório de 170 páginas da CGU, referente às demonstrações contábeis dos gastos do Ministério da Saúde no ano de 2020.

O documento foi concluído em 4 de agosto e inserido no sistema de consulta pública de auditorias no último dia 22. Os auditores constataram uma ausência de comprovantes de entrega que confirmem o “efetivo recebimento” de 4.816 respiradores por estados e municípios.

Em nota, a VTCLog afirmou ter entregue mais de 18 mil respiradores, “todos com comprovantes devidamente catalogados e enviados ao Ministério da Saúde”. O ministério não respondeu aos questionamentos da reportagem.

A aquisição dos aparelhos, com custo individual médio de R$ 60,6 mil, foi feita pelo Departamento de Logística em Saúde, o DLOG, comandada por Dias até ser demitido em junho.

Os equipamentos deveriam ser doados a estados e municípios. Até outubro de 2020, o valor gasto com material adquirido para doação na pandemia —respiradores, ambulâncias e outros equipamentos hospitalares— somava R$ 911,4 milhões.

“Embora o DLOG tenha realizado a aquisição com a finalidade de doar, isso não afasta a sua obrigação de fiscalização do contrato administrativo, principalmente quanto à compatibilidade dos produtos entregues com o objeto contratado”, afirmaram os auditores no relatório.

Cláusulas contratuais estabeleciam que só deveria haver liberação de pagamento após relatório do fiscal do contrato atestar a correspondência entre valores pagos e objetos entregues. Isto “só seria possível com a devida instrução processual das comprovações de recebimento”, conforme o relatório da CGU.

“Constatou-se ausência de comprovante de entrega que confirme o efetivo recebimento de 4.816 equipamentos pelos entes federativos, no total de R$ 273,3 milhões. Isto significa que 71,95% dos itens da amostra não possuem destinação rastreável por meio dos respectivos processos”, apontou o documento.

Os comprovantes de entrega são documentos emitidos pela VTCLog, conforme a auditoria, e deve haver um detalhamento da origem e do destino das mercadorias, com a correspondente nota fiscal. “Além disso, possuem assinatura do responsável pelo recebimento no local.”

Nos processos onde havia comprovantes de entrega, a CGU constatou ausência de detalhes dos números de série dos respiradores.

“Esta ausência de controle é crítica especialmente nos casos em que os produtos de uma mesma nota fiscal foram entregues a mais de um beneficiário. O detalhamento do quantitativo é por vezes confuso”, escreveram os auditores no relatório.

Os auditores identificaram uma planilha de Excel com detalhes das entregas pela VTCLog, mas não foi possível saber quem elaborou a planilha nem há informações sobre números de série e notas fiscais.

A auditoria não encontrou ainda termos de doação. Diante de todas essas inconsistências, os técnicos fizeram uma busca junto a estados e municípios, por amostragem, para tentar comprovar o recebimento dos respiradores.

O total fiscalizado foi de R$ 76,9 milhões, referente a 1.376 respiradores. Foram localizados 884 respiradores (64,2%) e 336 (24,4%) não foram localizados.

Ficou sem resposta o destino de 156 equipamentos (11,4%). Assim, dentro dessa amostra, não se sabe o que foi feito com respiradores que custaram R$ 26,4 milhões.

Análises prévias feitas pela CGU, ao longo de 2020, já apontavam uma “ausência de informações relacionadas a procedimentos de entrega pela empresa contratada, sem quaisquer informações relacionadas à estratégia de posterior distribuição desses equipamentos a outros entes da federação, para serem utilizados no enfrentamento à Covid-19”.

A auditoria concluiu que os controles de doações do Ministério da Saúde são inadequados. “Verificou-se, além da ausência de comprovantes de entrega, de guias de remessa e de termos de doação, a ausência de comprovação de recebimento dos aparelhos.”

Folha de S. Paulo

 

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