Delegação brasileira chega à COP26 desmoralizada

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Foto: Igo Estrela/Metrópoles

A Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2021 começa neste domingo (31/10) em Glasgow, na Escócia, e será muito desafiadora para a comitiva do governo brasileiro, que tentará convencer a comunidade internacional de que seu compromisso com a redução do desmatamento e das emissões de gases que causam o efeito estufa é real. Os dados divulgados por diferentes fontes, inclusive órgãos públicos, jogam contra o país, que deverá ser alvo de protestos de organizações ambientalistas e de grupos como os povos indígenas brasileiros, que levam ao Reino Unido uma numerosa comitiva comprometida em acusar o governo de Jair Bolsonaro de genocídio.

Pressionado por setores do agronegócio que temem prejuízos com a péssima imagem de país negacionista climático que o Brasil assumiu, o governo federal correu nas últimas semanas para tentar criar uma agenda positiva para levar a Glasgow. O Ministério do Meio Ambiente lançou na última quarta-feira (27/10) um programa chamado Floresta+Agro, que estimula a remuneração de produtores rurais que protegem áreas de preservação permanente (APPs) e reservas legais.

Dias antes, o Planalto lançou o Programa Nacional de Crescimento Verde, com promessas de financiamentos e subsídios para projetos e atividades econômicas sustentáveis e o objetivo de neutralizar a emissão de carbono pelo país até 2050, cumprindo com 10 anos de antecedência a meta assumida pelo país no Acordo de Paris, de 2015.

A agenda de promessas está sendo coordenada pelo Itamaraty, mais especificamente pelo secretário de Assuntos Políticos Multilaterais da pasta, Paulino Franco de Carvalho Neto, que será um dos rostos do Brasil em Glasgow. Ele também liderou a costura para que o Brasil assine durante a COP26 um acordo internacional para a preservação das florestas, o “Forest Deal”.

“Enviamos comunicação formal aos promotores da iniciativa, confirmando nossa adesão. Isto demonstra, uma vez mais, a nova postura brasileira de compromisso com os temas de desenvolvimento sustentável e especificamente sobre mudança do clima”, disse Neto à agência internacional AFP na última sexta (29/10), num resumo do discurso que as autoridades do país deverão sustentar.

A ausência do presidente Bolsonaro no evento, aliás, é considerada positiva pela maioria dos integrantes da comitiva, já que o chefe do Executivo é identificado no mundo como símbolo do negacionismo climático e costuma dar declarações explosivas sobre o tema, provocando notícias negativas.

Preterido pelo próprio Bolsonaro de liderar a comitiva brasileira, o vice-presidente, Hamilton Mourão, confirmou esse pensamento na última sexta ao dizer: “É aquela história, o presidente Bolsonaro sofre uma série de críticas. Ele vai chegar num lugar e todo mundo vai jogar pedra nele”.

Além da comitiva oficial, liderada pelo ministro do Meio Ambiente e pelo chanceler Carlos França, o Brasil terá outros grupos em Glasgow, mas que deverão antagonizar com o governo federal. Devem viajar para a Escócia 10 dos 22 governadores que participam do Consórcio Brasil Verde, liderados pelo chefe do Executivo do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB/SP). O grupo pretende apresentar metas próprias de redução do desmatamento e das emissões, independentes das do Ministério do Meio Ambiente, e prospectar parcerias de negócios na chamada economia verde.

Também está na Escócia uma delegação de 40 indígenas brasileiros, a maior da história da mobilização dos povos tradicionais em conferências do clima. Lideranças e influenciadores indígenas deverão aproveitar a presença da mídia mundial para denunciar o governo brasileiro por genocídio no contexto da pandemia – a acusação que acabou retirada do relatório da CPI da Covid-19 no Senado, causando indignação entre povos do país inteiro.

“Moldamos e protegemos nossos biomas ao preço do sangue de milhões de parentes. O genocídio dos povos originários, a perseguição aos defensores dos territórios e a captura ilegal de nossas terras, é o maior e mais disseminado crime que a humanidade produziu ao longo de sua história. Este é um crime continuado e presente, o qual denunciamos em todas as instâncias que ocupamos”, diz mensagem da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).

“Nos colocamos contra falsas soluções baseadas em inovações tecnológicas elaboradas a partir da mesma lógica desenvolvimentista e produtivista que provoca as mudanças climáticas. Criticamos soluções que não reconheçam os povos indígenas e comunidades locais como o ponto central na defesa das florestas, da diminuição do desmatamento e das queimadas, e como essenciais para a garantir que a meta declarada de manter o aquecimento global abaixo de 1,5 graus Celsius”, destaca outro trecho da mensagem da Apib aos líderes mundiais, empresários, gestores públicos e organizações que irão estar presentes na COP26.

Também irá à Escócia, liderada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), uma comitiva de parlamentares da Casa. O “bonde” da Câmara, entretanto, será restrito. Mais de 40 deputados pediram para integrar a comitiva, mas Lira avisou que deve autorizar a viagem de apenas 10 parlamentares. Dentre eles, a presidente da comissão de Meio Ambiente, Carla Zambelli (PSL-SP), que não está vacinada contra a Covid-19 e terá que fazer testes constantes para provar que não está infectada pelo coronavírus.

Cada levantamento sobre desmatamento ou emissões de gases que é publicado fragiliza mais o discurso das autoridades brasileiras sobre o compromisso do país. No último dia 28 de outubro, relatório do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG) revelou que as emissões desses gases aumentou 9,5% em 2020 no Brasil – enquanto caiu 7% no mundo no mesmo período.

As emissões brasileiras são relacionadas principalmente ao uso da terra e ao desmatamento, e o fato de o Brasil chegar à Conferência do Clima com as emissões de gases estufa em alta é agravado por um ato governamental do ano passado que mudou a base de cálculo das metas brasileiras de redução.

O país se comprometeu, no Acordo de Paris, a reduzir em ao menos 43% as emissões de gases estufa até 2030. Com a mudança, chamada de “pedalada climática” por ambientalistas, o país pode até aumentar a quantidade de gases emitidos e dizer à comunidade internacional que reduziu – o difícil é achar quem acredite.

Também às vésperas do início da COP26, dados do Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD) do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) mostraram que a floresta teve o setembro de maior desmatamento dos últimos 10 anos. No mês passado foram desmatados 1.224 km² de floresta amazônica, uma área do tamanho da cidade do Rio de Janeiro.

Metrópoles