Família diz que Prevent deixou idoso morrer

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Foto: Reprodução

Alvaro Bossa foi fundador de um colégio na capital paulista junto de sua esposa Neyva, com quem ficou casado por 62 anos antes de morrer. Ele foi pai de cinco mulheres e, desde jovem, bastante teimoso, generoso e independente —características que não perdeu quando chegou à velhice.

No começo de setembro, aos 82 anos, Alvaro sofreu uma queda enquanto tomava sol em frente a sua casa. Quebrou o fêmur e precisou ser operado. Recorreu ao seu plano de saúde e a cirurgia foi realizada em um dos hospitais da Prevent Senior, no bairro de Santa Cecília, em São Paulo.

Alvaro recebeu alta após dois dias. Em casa, teve uma hemorragia intensa. As filhas, assustadas com o sangue escuro, levaram o pai às pressas de volta ao hospital, dessa vez um pronto-socorro da Prevent Senior mais perto da casa da família, que mora no bairro da Mooca. A unidade, conforme mostrou a Folha de S.Paulo, funciona sem alvará para esse tipo de atendimento, assim como outros 13 hospitais da rede que atendem sem licença.

Ele precisava de um leito de UTI (unidade de tratamento intensivo), mas como não havia vagas, foi transferido para outra unidade, localizada no Morumbi, chamada de “Dubai”.

Chegando na unidade Dubai, Nadia Bossa, uma das filhas de Alvaro, estranhou o fato de o pai ser levado ao 18º andar, já que a UTI, de acordo com as informações exibidas em materiais oficiais do hospital, fica no 13º.

Mas, em resposta à reportagem, a Prevent Senior afirma que “os 130 leitos do Hospital Sancta Maggiore do Morumbi são todos conversíveis em UTIs para permitir a assistência e manejo seguro aos pacientes de alta complexidade. Portanto, não houve qualquer improviso [para a acomodação nele na UTI).”

De acordo com Nadia e sua irmã Rosa —que se revezaram para ficar ao lado do pai no hospital durante a internação—, Alvaro, intubado, nunca ficou sem a companhia de uma das filhas. No fim do segundo dia de internação, quando questionaram sobre o estado de saúde do pai e os cuidados que ele estava recebendo, as duas ouviram do médico responsável que “um familiar havia autorizado que ele fosse colocado no conforto [cuidados paliativos]”. As filhas negam que essa autorização tenha sido concedida por qualquer familiar —seja por escrito ou numa conversa com a equipe médica.

O prontuário —compartilhado com a reportagem e analisado por um médico de fora do hospital a pedido da família— indica que o paciente estava recebendo antibióticos e outras drogas, como medicamentos vasoativos, mas não o principal suporte necessário, a hemodiálise (um procedimento em que uma máquina limpa e filtra o sangue, ou seja, faz parte do trabalho que o rim doente não pode fazer).

Quando foi encaminhado para a UTI, além da hemorragia, o paciente tinha embolia pulmonar e os exames demonstravam que o nível da sua creatinina (uma substância que é produto da degradação da fosfocreatina no músculo e eliminada pelos rins) estava alterada.

De acordo com a SBN (Sociedade Brasileira de Nefrologia), se os rins não estão conseguindo eliminar a creatinina produzida diariamente pelos músculos, eles provavelmente também estarão tendo problemas para expulsar diversas outras substâncias metabólicas, incluindo toxinas. Portanto, o aumento da concentração de creatinina no sangue indica insuficiência renal, quadro que, de acordo com o prontuário de Alvaro, foi se agravando com o passar dos dias.

“Meu pai queria viver e nunca sequer foi discutido retirar o tratamento que ele necessitava para isso. Pedimos para ver essa autorização [dele ter sido colocado em cuidado paliativo] e perguntamos o nome de quem tinha autorizado. O médico não soube responder”, conta Rosa Bossa.

De acordo com Daniel Dourado, médico, advogado e pesquisador associado do Núcleo de Pesquisa em Direito Sanitário da USP (Universidade de São Paulo), o cuidado paliativo com a retirada de tratamento de suporte não pode ser feito sem que se avise a família.

“A autonomia do médico é limitada pela autonomia do paciente, o que está previsto no código de ética médica do CFM (Conselho Federal de Medicina). O cuidado do paciente é decidido por sua própria vontade, e se ele não puder manifestá-la, pela sua família. A decisão deve ser sempre para o beneficio da saúde e do bem-estar do paciente.”

Dourado explica também que é necessário ter essa autorização documentada. “O ideal é que a pessoa ou o familiar, inclusive, assine um documento. Em situações excepcionais, escreve-se no prontuário algo como ‘Conversei com tal familiar, no horário tal, que autorizou determinado procedimento’.”

Essa autorização não consta no prontuário compartilhado pela família com VivaBem —apenas a frase de que “um familiar autorizou” um dia após a internação e a negativa de Rosa Bossa ao cuidado paliativo exclusivo a partir do fim do segundo dia de internação.

Um pedido de compartilhamento dessa autorização familiar que o médico afirma ter recebido, ou de ao menos o nome do familiar, foi enviado à Prevent Senior, junto com a autorização de Rosa Bossa. Em nota, a assessoria de imprensa respondeu que “o prontuário é sigiloso e não pode ser divulgado ou comentado pela Prevent, que nada tem a esconder”, diz a nota, afirmando que o documento só pode ser mostrado a ou pela família do paciente.

No terceiro dia de internação, ainda sem ver o pai receber a hemodiálise de que precisava e preocupadas em reverter seu quadro de saúde, Rosa e Nadia contataram um médico pneumologista de confiança da família, que já havia cuidado de Alvaro ao longo dos anos.

Como esse médico estava com covid-19, uma nefrologista de sua equipe visitaria o paciente dentro da unidade Dubai da Prevent Senior no dia seguinte —um procedimento, explica esse especialista, que não é muito comum, mas que foi concedido pelo hospital.

O pneumologista, que pediu para não ser identificado na reportagem, conversou com VivaBem e afirmou que, a pedido de uma das filhas, conversou com um nefrologista da Prevent Senior e deu sua opinião médica, com base nos resultados de exames que foram compartilhados com ele, sugerindo que o paciente recebesse o tratamento de hemodiálise lenta, já que sua pressão arterial estava baixa e a hemodiálise comum poderia baixá-la ainda mais. O médico do hospital, recorda ele, concordou com o diagnóstico.

A nefrologista que fez a visita pessoalmente no dia seguinte passou então todas as informações sobre o estado do paciente para o especialista conhecido da família, afirmando que a diálise aplicada era a comum, e não a lenta.

À reportagem, o pneumologista afirma que “a princípio, o caso de Alvaro não era para ser levado aos cuidados paliativos sem suporte, mas era, sim, um quadro agudo”, e que, na avaliação dele, “não haveria nenhuma justificativa plausível para não dar a hemodiálise ao paciente” nos primeiros dois dias de internação —o que segundo o prontuário e a família não ocorreu.

Alvaro foi levado para a UTI do 13º andar no dia 10 de setembro à noite, onde começou a receber a hemodiálise lenta. Ele faleceu na madrugada do dia 12, e as filhas consideram que o atraso no início do tratamento prejudicou a possível recuperação do pai.

Em resposta a VivaBem, a Prevent Senior afirmou que “o senhor Alvaro Antônio Bossa recebeu todo o tratamento necessário durante o período de internação, dentre eles a hemodiálise.”

“Queremos deixar claro que o que buscamos não é receber qualquer benefício do hospital, apenas queremos que isso não aconteça com mais ninguém. Infelizmente meu pai não volta mais”, diz Rosa.

A reportagem tentou contato com dois médicos nefrologistas não envolvidos com o caso para ajudar a entender o quadro clínico de Alvaro lendo o prontuário, mas eles se recusaram a fazer isso alegando que não poderiam analisar o trabalho de colegas.

É importante esclarecer que cuidados paliativos não significam deixar o paciente morrer ou mantê-lo confortável enquanto espera a morte. “É possível dar cuidados paliativos para cessar a dor, sem retirar o suporte de tratamento”, explica Rodolfo Moraes Silva, médico paliativista.

No caso de Alvaro, os cuidados paliativos mantidos foram apenas sedação e um medicamento antibiótico —de acordo com o prontuário médico—, mas o principal tratamento necessário para seu quadro, a hemodiálise, não foi realizada nos dois primeiros dias de internação.

A Prevent Senior vem sendo alvo de uma série de acusações. Algumas delas são em relação à negligência de tratamentos, como o caso de um homem que não estava em estado terminal e recebeu cuidados paliativos sem suporte de tratamento, assim como denuncia a família de Alvaro Bossa, e outro que afirma que o hospital tentou tirá-lo da UTI quando ele ainda estava com covid-19, somente para reduzir custos.

No dia 30 de setembro, a CPI da Covid aprovou quatro requerimentos para aprofundar as investigações sobre a operadora.

Outras acusações são sobre o “kit covid”, drogas sem comprovação científica distribuídas pela operadora para tratar covid-19. Médicos têm denunciado que, aqueles que se recusavam a entregar os remédios, sofriam ameaças ou eram demitidos.

A Folha de S.Paulo mostrou que, segundo um dossiê assinado por 15 médicos, além de os profissionais serem coagidos a prescrever remédios como hidroxicloroquina sem consentimento de parentes dos pacientes, eles eram obrigados a trabalhar mesmo quando infectados com o coronavírus.

O documento também afirma que a Prevent teria omitido sete mortes durante um estudo clínico sobre a eficácia dos remédios, algo que a operadora nega.

Uol

 

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