Indústria de espetáculos testa fórmulas para retomada

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Foto: Raphael Dias/Getty Images

Dezoito meses catastróficos. A tragédia que a pandemia impôs ao planeta se abateu também com força no mundo da música: além do trauma e do luto gerado pela praga, a impossibilidade da realização de shows de qualquer porte praticamente extinguiu este mercado ao eliminar a principal fonte de renda do setor.

No Brasil, sem recursos públicos, com um parco auxílio emergencial e assistindo à escalada de uma crise econômica que só piora, a classe musical foi jogada à própria sorte, o que fez empresas falirem, casas de shows fecharem e trabalhadores mudarem de área de atuação.

E mesmo que a pandemia não tenha passado, o avanço da vacinação e o iminente colapso de toda a cadeia que gira ao redor dos shows e da gravação de discos obrigaram a mesma classe que cortou na própria carne no primeiro momento da tragédia a se sacrificar pela volta.

Aos poucos, os shows presenciais começam a acontecer, uma vez que parte da população de algumas das principais cidades do Brasil já está imunizada.

Isso, no entanto, não quer dizer que em breve voltaremos à normalidade. A retomada sequer pode ser chamada desta forma, uma vez que inúmeros palcos de diferentes portes não resistiram. E os sobreviventes aos poucos abrem suas portas para testar uma nova realidade.

“Chegamos à conclusão de que após 70% de pessoas com mais de 18 anos no Rio de Janeiro estarem com o esquema vacinal completo, poderíamos pensar em abrir”, explica o programador da histórica casa carioca Circo Voador, Alexandre Rolinha. Especialistas apontam que o Brasil ainda está longe desse patamar de maneira ampla e, por isso, a reabertura deve ser feita com uma série de cuidados e protocolos.

O Circo Voador volta à ativa no próximo dia 21 de outubro, quando o rapper Marcelo D2 pode tocar ao vivo pela primeira vez o disco que gravou no ano passado, “Assim Tocam os Meus Tambores”.

Os ingressos se esgotaram em seis minutos. “O povo está seco atrás de show!”, comemora Rolinha, antes de enfatizar que, além do atestado de vacinação, a casa exige máscara e inaugurou um aplicativo para compras de forma a evitar aglomerações e filas no bar.

“Existe uma parcela negacionista que nunca parou, existe uma parcela que parou pouco tempo e já voltou e existe quem está voltando agora”, enumera Mancha Leonel, coordenador de Centros Culturais e Teatros na Secretaria Municipal de São Paulo.

“Essa terceira parcela está tendo um cuidado maior, solicitando comprovante de vacinação, mantendo distanciamento e uso de máscara, o que é saudável. O ponto é que essa deveria ser a conduta de todos, não apenas desse terceiro grupo.”

Rubens Amatto, sócio-fundador da Casa de Francisca, clássico palco que hoje ocupa o centenário Palacete Tereza, no centro de São Paulo, vê o momento com preocupação. “A retomada me parece pouco cuidadosa, o distanciamento não tem sido respeitado, não há fiscalização e as plataformas de venda de ingressos não se prepararam para bloquearem lugares nas casas de forma a não permitir o compartilhamento das mesas”, explica o empresário.

A Casa de Francisca quase fechou as portas durante a pandemia – isso só não aconteceu porque frequentadores da casa e admiradores do trabalho de Rubens em todo o país se reuniram em um financiamento coletivo para arcar com os custos do estabelecimento, que também está retomando as atividades.

O Sesc (Serviço Social do Comércio) de São Paulo também está ensaiando a volta presencial aos shows, mesmo que nunca tenha parado de funcionar. Com as unidades fechadas ao público, a instituição foi um dos pilares a manter parte da cadeia da música funcionando, ao patrocinar lives com artistas de diferentes tamanhos e gêneros musicais. Aos poucos reabriu as atividades presenciais, primeiro com exposições, serviços odontológicos, bibliotecas e atividades físicas e esportivas.

“A prestação desses serviços, mesmo que de forma limitada, foi essencial para colaborar com a saúde mental e física das pessoas, como também a grande oferta de atividades culturais que foram disponibilizadas nas redes das 44 unidades e na plataforma Sesc Digital”, conta Joel Naimayer Padula, superintendente técnico-social do Sesc de São Paulo.

A volta aos palcos acontece nesta sexta-feira (15), quando, como parte do festival Sesc Jazz, teatros de algumas unidades recebem o público com 30% da capacidade total, com protocolos de segurança (distanciamento, comprovante de vacinação e máscaras).

“A retomada está acontecendo no momento certo”, opina o empresário Facundo Guerra, que está reabrindo o Cine Joia e o Lions, duas de suas casas em São Paulo. “Tive que literalmente reformar os dois lugares, porque um ano e meio parado deixou uma cicatriz enorme neles.”

O impacto da pandemia também recaiu sobre os festivais — e mais de uma centena de organizadores se reuniu para trazer de volta a Abrafin (Associação Brasileira de Festivais Independentes), que estava inativa havia pouco menos de uma década.

A Abrafin passou a investigar as possibilidades de sobrevivência de seus integrantes, acompanhando a forma como a área musical de outros países lidava com a pandemia ao mesmo tempo em que auxiliava com as alternativas criadas pelos festivais daqui para se manter em atividade.

“Milhares de famílias de trabalhadores da cultura foram afetadas, muitos agentes, produtores, artistas, técnicos abriram mão da sua profissão para sobreviver em outra área. O prejuízo social é imensurável”, afirma a presidente da Abrafin, Ana Morena, que também é uma das sócias do festival potiguar Do Sol.

“Temos que nos acostumar com uma volta paulatina às atividades”, reforça Luciano Matos, sócio do festival baiano Radioca. “Parece que o momento é de fato favorável, os indicadores demonstram isso. Mas não é uma volta total, com grandes públicos e lugares fechados. Apenas aos poucos, em lugares abertos ou em situação de maior controle, como teatros. Respeitando estes limites, acho que é um momento adequado de irmos tentando esse retorno.”

Ana Garcia, sócia do festival pernambucano No Ar Coquetel Molotov, concorda, mas consegue ser otimista em relação à retomada: “Ao mesmo tempo que espaços e iniciativas se encerraram, o contexto deixa o terreno mais fértil para novos inícios após um período forçado de reavaliação de projetos, de busca por alternativas de financiamento, ampliação da política de editais em praticamente todos os estados via [lei] Aldir Blanc.”

Entre as iniciativas experimentadas estão as lives — apresentações ao vivo transmitidas pela internet. A princípio caseiras e rudimentares, usando principalmente a rede social Instagram como plataforma, as lives aos poucos foram ganhando outras caras e dimensões.

A própria Casa de Francisca foi pioneira ao entender shows como filmes e fechou uma parceria com a cineasta Laís Bodanzky, que fez a curadoria de diretores para assinar algumas lives, colocando nomes como Marina Person, Luan Cardoso, Heitor Dhalia, Bárbara Paz, Vera Egito, entre outros, para dirigir apresentações de diferentes artistas, como Arrigo Barnabé, Ná Ozzetti, Mariana Aydar, Guinga, Tulipa Ruiz, Metá Metá, Mônica Salmaso e mais.

A temporada de shows com direção assinada “Até O Fim Cantar” pode ser inclusive assistida on-demand, sem a necessidade de comparecer à transmissão ao vivo. Vários festivais optaram por esse formato, inclusive: gravar apresentações de forma prévia, cuidar com esmero do acabamento do vídeo, para, só então, exibi-lo pela primeira vez em transmissões ao vivo.

As transmissões via web abrem essa nova possibilidade para os shows e cada vez mais se fala sobre a possibilidade de integração entre apresentações online e eventos presenciais, reduzindo a capacidade de lotação das casas ao mesmo tempo em que se transmitem shows pela internet. Tal variação já é referida como um formato híbrido, termo que deve tornar-se constante nos próximos anos.

Ana Garcia comenta que a crise extrema neste meio acontece depois de um novo momento que o mercado atravessava, especificamente por conta da ascensão das redes sociais. “Já estávamos reticentes e céticos com os rumos da produção e da difusão de arte em tempos de Tik Tok, playlists, algoritmos e plataformas de streaming que remuneram mal. E com a pandemia todo mundo teve tempo e necessidade de explorar o que existia ou propor novos meios de se conectar com o público”, conta.

Ela reforça que acha que um público de dez pessoas numa live paga transmitida pelo Zoom é mais valioso do que o de 100 pessoas numa live gratuita em uma rede social.

E no meio dessa volta aos shows, há ainda quem esteja começando suas atividades justamente neste período, o que torna tudo ainda mais delicado. É o caso do Teatro B32, localizado na esquina das Avenidas Juscelino Kubitschek e Brigadeiro Faria Lima, em São Paulo, que deve iniciar as atividades com um show de Hamilton de Holanda, em novembro.

O espaço conta com 480 lugares e dois mezaninos, além de um sistema retrátil de assentos que esconde-os sob o piso caso opte-se pelo formato pista. Com arquitetura assinada por Eiji Hayakawa, o teatro conta com uma fachada de vidro atrás do palco, de onde é possível ver o horizonte da cidade ao fundo.

A programação inicia contará com recitais trazidos pelo teatro Cultura Artística, outro que reabrirá as portas, mas em 2022.

Segundo a diretora do B32, Sandra Rodrigues, o ambiente surge como um espaço para a música independente, com a possibilidade de transmissão via web (o “híbrido” mais uma vez), mas também terá aberturas para outras atividades.

Ela menciona a criação de um festival de dramaturgia para podcasts e a criação de uma companhia de teatro de marionetes, ambas iniciativas programadas para o ano que vem.

“Em virtude do momento histórico que estamos presenciando, nossa ideia é começar bem devagar, com muita cautela”, diz a diretora do teatro. “Acreditamos que a volta é necessária, por diversas razões, tanto pelos profissionais como pelo público, que está ansioso para voltar aos espetáculos presenciais. Entretanto, acreditamos que este retorno tenha que ser realizado com muito cuidado, de maneira paulatina. Serão solicitados os comprovantes de vacinação e não operaremos com 100% da capacidade de público. Temos que celebrar a vida, mas temos que respeitar e honrar o trágico momento atual.”

CNN Brasil

 

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