Ives Gandra é acusado por juiz de promover “mau direito”

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Foto: Reprodução/APD/PR

O presidente da Academia Paulista de Direito (APD), desembargador Alfredo Attié, diz que o parecer jurídico favorável ao presidente Jair Bolsonaro –firmado pelo jurista Ives Gandra Martins e três professores universitários– é “exemplo do mau direito que se pratica no Brasil”. O parecer exime Bolsonaro de qualquer responsabilidade sobre o agravamento da epidemia, considerado um genocídio.

“É lamentável que professores emprestem seu nome a um texto que nada traz de séria ciência jurídica”, afirma Attié.

Segundo o presidente da APD, o texto –que afirma a correção da gestão Bolsonaro em relação à pandemia, aos povos indígenas e à ordem constitucional– “mais se aproxima de um impressionismo jurídico que orna um conteúdo pesadamente totalitário, ou só autoritário, algo assim entre a reminiscência nacional-socialista, fascista, franquista ou udenista”.

O parecer pro bono foi solicitado pelo senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), líder do governo no Senado Federal, para subsidiar os membros da base governista que compõem a CPI da Covid-19.

Foi assinado em 27 de setembro último, dias depois da divulgação, pelo ex-ministro da Justiça Miguel Reale Júnior [governo Fernando Henrique Cardoso] de parecer preparado para a CPI da Covid no Senado, em que atribui uma série de crimes ao presidente Bolsonaro no combate ao avanço da epidemia.

Além de Ives Gandra Martins, assinam o documento Samantha Ribeiro Meyer-Pflug Marques, Adilson Abreu Dallari e Dirceo Torrecila Ramos. (*) Por sua vez, além de Miguel Reale Júnior assinam o documento Sylvia H. Steiner, Helena Regina Lobo da Costa e Alexandre Wunderlich.

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Eis a íntegra da nota de Alfredo Attié:

“O parecer jurídico divulgado por professores universitários, que afirma a correção da gestão Bolsonaro, seja em relação à pandemia, seja em relação aos povos indígenas, seja em relação à ordem constitucional, é exemplo do mau direito que se pratica no Brasil.

É lamentável que professores emprestem seu nome a um texto que nada traz de séria ciência jurídica. Suas conclusões conformam um amontoado de opiniões que mais caberiam num post de rede social voltado a difundir fakenews.

Quando falo do exemplo do mau direito, refiro -me ao fato de ter desaparecido da cena pública a importância da boa e sólida argumentação jurídica. Foi trocada, a preço vil, pelo mero termômetro político. Algo assim como “O que apraz à política vinga”, servindo o direito como mero ornamento de algo que já está decidido de antemão, segundo interesses os mais mesquinhos.

Quando falo em política, refiro -me não à democracia – exigência constitucional sempre vilipendiada- mas ao clube da elite no poder. Clube fechado, autoritário e que despreza qualquer menção a legitimidade.

O douto parecer transborda –se é que em algum momento cogitou de embarcar — dos mais simples princípios e métodos jurídicos. Mais se aproxima de um impressionismo jurídico que orna um conteúdo pesadamente totalitário, ou só autoritário, algo assim entre a reminiscência nacional-socialista, fascista, franquista ou udenista.

Segundo o entendimento apresentado, o governo federal se mostra um primor de probidade e de legalidade, interessadíssimo na saúde do povo, respeitador de direitos, cioso de cumprir deveres e de realizar políticas públicas.

Ou seja, o que a realidade escancara, o parecer esconde.

É triste ver a que ponto chegou nosso Brasil.

Mas é importante que à luz da realidade nem todos os gatos são pardos.

Há juristas cônscios de que devem pautar sua vida e suas palavras pelo Estado Democrático de Direito. É há os que penduram o direito e a ciência de um cabide, para adentrarem a ordem pública dispostos a dizer qualquer argumento, em nome da negação da civilização, em favor do poder que se corrompe e destrói o Povo que deveria ser seu fundamento. ” [Alfredo Attié, Titular da Cadeira San Tiago Dantas, presidente da Academia Paulista de Direito].

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Em maio, Alfredo Attié e um grupo de acadêmicos, advogados e professores ingressaram no STF com ação no Supremo Tribunal Federal pedindo declaração de incapacidade de Bolsonaro e seu afastamento da Presidência.

Assinaram a petição os professores Renato Janine Ribeiro, da USP; Roberto Romano da Unicamp –que morreu, vítima de Covid, em julho último; Pedro Dallari, da USP; José Geraldo de Sousa Jr., da UNB, e os advogados Alberto Toron e Fábio Gaspar.

Em 1996, Adilson Dallari foi autor de parecer, a pedido da empreiteira OAS, favorável à construção da sede do STJ (Superior Tribunal de Justiça), que marcou o início das megaobras superfaturadas de tribunais, a partir de projetos do escritório de Oscar Niemeyer. Dallari considerou que os contratos com a OAS atenderam “aos requisitos de legalidade, legitimidade e licitude”.

Em seu parecer sobre o STJ, alegou que “não se está diante de obras comuns, corriqueiras, da execução de projetos padronizados ou de simplicidade franciscana. Cuida-se, isto sim, de obra pública extremamente complexa, cuja licitação foi feita não a partir daquilo que a legislação considera como projeto básico, mas sim, a partir de um esboço, de um pré-projeto, sobre o qual foram feitos os cálculos estimativos, pois é assim que o renomado artista trabalha, desenvolvendo o projeto, detalhando-o, ao longo de sua execução”.

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Divergências entre pareceres

O Blog selecionou declarações de Reale Júnior sobre o documento enviado à CPI, comparando-as com trechos do parecer de Ives Gandra Martins:

a) Reale Júnior afirmou que “saúde e proteção à vida são deveres do Estado e que devem ser assumidos pelo presidente. Mas o que se viu foi que a Presidência se transformou em cúmplice do vírus, sem preocupação nenhuma com medidas de contenção.” Também atribui “o crime de epidemia, que é causar epidemia pela disseminação dos germes. Não é só dar início, é agravar o risco já existente”.

Ives Gandra: “a participação do presidente da República em eventos públicos não configura a prática de crime”. “Em nenhuma dessas ocasiões se mostra possível identificar o elemento dolo na conduta do presidente da República, nem o viés de promover reuniões com o objetivo precípuo de colocar em risco a vida e a saúde de outrem”.

b) Reale Júnior ressaltou o “crime de charlatanismo, também, porque através da cloroquina e da propaganda da cloroquina estava a se receitar um método infalível de cura. [Dizia-se] ‘tome cloroquina e tenha vida normal’”.

Ives Gandra: “nenhuma atitude do Presidente da República configurou o crime de exercício ilegal de medicina”. “Pelo contrário, todas as manifestações e atitudes do Presidente da República se pautaram em estudos científicos”.

c) Reale Júnior afirma em seu parecer que Bolsonaro prejudicou e retardou o acesso à saúde pública. “O que restou evidente até o momento da conclusão dos trabalhos da comissão de especialistas é a ocorrência de uma gestão governamental deliberadamente irresponsável e que infringe a lei penal, devendo haver pronta responsabilização.”

Ives Gandra: “não se mostra possível imputar ao presidente da República qualquer responsabilidade relativa ao colapso na saúde em Manaus, no Estado do Amazonas. O Governo Federal empreendeu esforços, dentro da competência da União, no sentido de conter a pandemia da Covid-19. No tocante à Manaus, foram repassados recursos, foi prestado auxilio no envio do oxigênio, bem como foi enviada equipe do Ministério da Saúde in loco para auxiliar na gestão da crise.

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Eis a íntegra das perguntas formuladas pelo senador Fernando Bezerra Coelho e a síntese das respostas publicadas no final do parecer de Ives Gandra:

1.Em face da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal na ADI n° 6.341/DF qual o papel da União no combate à epidemia em face do reconhecimento da competência dos Estados e Municípios?

Em face da decisão do Supremo Tribunal Federal na ADI n.°6.341/DF o papel da União no combate à epidemia ficou bastante reduzido, pois ficou consignado que a competência seria concorrente, e que os Estados e os Municípios poderiam adotar a forma que desejassem para combatê-la.

Transferiu-se, à evidência, a responsabilidade direta do combate àquelas unidades federativas, passando a ser supletivo o combate pela União, não mais formuladora do “planejamento” e da “promoção” da defesa contra a calamidade pública, mas acolitadora das políticas que cada unidade federativa viesse a adotar na luta contra o flagelo.

2.A quem compete promover a acusação do Presidente da República pelo cometimento de infração penal comum, cujo julgamento será feito pelo Supremo Tribunal Federal, considerando a competência privativa do Ministério Público, prevista no art. 129, inc. I, da Constituição Federal?

Compete privativamente ao Ministério Público, no caso, o Procurador Geral da República promover a acusação do Presidente da República pelo cometimento de infração penal comum, cujo julgamento será feito pelo Supremo Tribunal Federal, em face do disposto no art. 129, inc. I, da Constituição Federal de 1988.

3.Qual é o significado da expressão “violar patentemente” qualquer direito ou garantia individual ou direito social, literalmente constante do item 9, do art. 7º, da Lei nº 1.079, de 10/04/50?

O significado da expressão “violar patentemente” qualquer direito ou garantia individual ou direito social, constante do item 9 do art.7° da Lei n.°1.079/50 (que define os crimes de responsabilidade e regula o seu processo e julgamento), traduz-se a necessidade de verificar de maneira inquestionável a violação desses direitos pelo Presidente da República. O termo “patentemente” tem o condão de afastar qualquer acusação vaga, genérica ou imprecisa como ocorre no caso sub examine. A violação tem que ser objetivamente aferível, inquestionável, devidamente comprovada e nesse sentido faz-se indispensável que se indique qual ou quais daquelas 112 possíveis infrações previstas nos art.5° e 6° do Texto Constitucional teriam sido flagrantemente violadas. O emprego do vocábulo “patentemente” visa a excluir conjecturas ou inferências sem a descrição precisa de um determinado tipo sancionável.

4.Alguma atitude do Presidente da República configura crime de exercício ilegal da medicina, nos termos do art. 263 do Código Penal?

Nenhuma atitude do Presidente da República configurou o crime de exercício ilegal de medicina previsto no art. 263 do Código Penal. Pelo contrário, todas as manifestações e atitudes do Presidente da República se pautaram em estudos científicos, no Parecer nº 04/2020 do Conselho Federal de Medicina e no princípio da autonomia do médico, para no caso concreto, prescrever o medicamento que entender mais eficaz, desde que com a anuência do paciente.

5.A participação do Presidente da República em eventos públicos pode configurar o crime previsto no art. 132 do Código Penal, consistente em expor a vida e a saúde de outrem a perigo direto e iminente?

A participação do Presidente da República em eventos públicos não configura a prática de crime previsto no art. 263 do Código Penal consistente em expor a vida e a saúde de outrem a perigo direto e iminente. Em nenhuma dessas ocasiões se mostra possível identificar o elemento dolo na conduta do Presidente da República, nem o viés de promover reuniões com o objetivo precípuo de colocar em risco a vida e a saúde de outrem. Igualmente, não se pode inferir se as pessoas que se encontravam nos eventos públicos, já estavam imunizadas, vacinadas ou testarem negativo para o exame da Covid-19. De outra parte o tipo penal previsto, a despeito de mencionar qualquer pessoa, exige que haja uma vítima determinada o que é impossível nessa hipótese.

6.O Presidente de República foi acusado da prática de algum ato de improbidade administrativa, previsto na Lei nº 8.429, de 02/06/92?

O Presidente de República não foi acusado da prática de ato de improbidade administrativa, previsto na Lei nº 8.429, de 02/06/92 e da análise das manifestações e atitudes do Presidente da República não se vislumbra a ocorrência de nenhum ato de improbidade administrativa na gestão da Pandemia da Covid-19.

7.O Presidente da República foi acusado, diretamente, da prática de crimes previstos no Código Penal no art. 171 (estelionato), art. 317 (corrupção passiva) e art. 321 (advocacia administrativa)?

Tendo em vista os trabalhos realizados pela Comissão Parlamentar de Inquérito – “CPI da Covid-19” e o teor do Parecer Jurídico elaborado pelos Professores Miguel Reale Jr., Dra. Sylvia Steiner, Helena Regina Lobo da Costa e Alexandre Wünderlich não se verifica a acusação, direta, da prática de crimes previstos no Código Penal no art. 171 (estelionato), art. 317 (corrupção passiva) e art. 321 (advocacia administrativa) pelo Presidente da República.

8.Alguma atitude do Presidente da República pode ser considerada como ataque generalizado ou sistemático contra a população civil por motivo político, configurando crime contra a humanidade, conforme previsto no art. 7º do Estatuto de Roma, sujeito a julgamento pelo Tribunal Penal Internacional?

Nenhuma atitude do Presidente da República pode ser considerada como ataque generalizado ou sistemático contra a população civil por motivo político, configurado crime contra a humanidade, conforme previsto no art. 7º do Estatuto de Roma, sujeito a julgamento pelo Tribunal Penal Internacional. O Governo Federal, dentro de sua competência, tomou a iniciativa de empreender esforços para evitar o contágio da Covid-19 nos povos indígenas, se antecipando a própria Organização Mundial de Saúde.

Foi adotada uma política de natureza eminentemente assistencial e de suporte aos povos indígenas. Também, não restou comprovado a presença do dolo que é exigida no tipo penal referido. No caso da crise de oxigênio ocorrida em Manaus, também não se mostra juridicamente possível qualquer tentativa de caracterização de crime contra a humanidade cometido pelo Presidente da República, eis que lhe falta o elemento essencial o dolo, ou seja, a intenção. A atuação do Governo Federal na crise de Manaus, foi tempestiva. Frise-se, também que a atuação do Tribunal Penal Internacional se dá forma subsidiária ao sistema jurídico pátrio.

9.Pode-se imputar alguma responsabilidade ao Presidente da República pelo colapso na saúde ocorrido no Estado do Amazonas?

Não se mostra possível imputar ao Presidente da República qualquer responsabilidade relativa ao colapso na saúde em Manaus, no Estado do Amazonas. O Governo Federal empreendeu esforços, dentro da competência da União, no sentido de conter a pandemia da Covid-19. No tocante à Manaus, foram repassados recursos, foi prestado auxilio no envio do oxigênio, bem como foi enviada equipe do Ministério da Saúde in loco para auxiliar na gestão da crise. Registre-se, que os Estados e municípios têm autonomia e competência para adotarem as medidas que entenderem necessárias para conter a pandemia. Não se pode igualmente imputar qualquer responsabilidade ao Presidente da República por não ter decretado intervenção federal no Estado do Amazonas em face da crise de insuficiência de oxigênio que hipoteticamente se daria com base no art. 34, inc. VII, alínea b da CF/88: “assegurar a observância dos direitos da pessoa humana.

Nesse caso cabe, exclusivamente ao Procurador-Geral da República representar e ao Supremo Tribunal Federal dar provimento autorizando a intervenção federal e não ao Presidente da República. Outrossim, em face da decisão do próprio Supremo Tribunal Federal na ADI n.°6.341/DF não subsistiria fundamento jurídico para o Presidente da República decretar intervenção federal no Estado do Amazonas, com base nos demais incisos do art.34, além dessa medida não se mostrar a mais eficaz, vez que toda a ajuda já estava sendo prestada pelo Governo Federal, respeitando, claro a autonomia estadual e municipal constitucionalmente assegurada.

10.Em face das incertezas no tocante à própria pandemia e aos meios para combate-la, e considerando os termos aparentemente leoninos da proposta da Pfizer, a demora na contratação pode ser havida como negligência ou inoperância, ou, ao contrário, configura atitude prudente e estritamente conforme à legislação?

Não houve negligência, mas, sim, o necessário cuidado em face da legislação sobre licitações e contratações então vigente. Cabe lembrar que a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro -LINDB, em sua redação atual, determina que se levem em consideração as consequências práticas da decisão e especial cuidado com peculiaridades do caso.

Na verdade, o suporte legal para a contratação surgiu apenas com a promulgação da Lei nº 14.125, de 10/03/21, que estabeleceu medidas excepcionais para a aquisição de vacinas, entre as quais o pagamento antecipado e a não imposição de penalidades ao fornecedor.

Folha  

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