Nise Yamaguchi foi usada para convencer médicos a receitar “cloroquinas”

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Foto: Adriano Machado/Reuters

No auge da primeira onda da Covid-19 no Brasil, médicos da operadora de saúde Hapvida que foram coagidos a prescreverem hidroxicloroquina para pacientes com sintomas gripais receberam um longo material em defesa da droga atribuídos à médica Nise Yamaguchi. A pressão para que funcionários da rede, que atua principalmente nas regiões Norte e Nordeste, prescrevessem a hidroxicloroquina foi revelada pelo GLOBO na última sexta-feira.

A oncologista, que depôs na CPI da Covid em junho, atuou como consultora informal do Ministério da Saúde e desponta como uma das principais defensoras do remédio, que não é eficaz contra a doença.

A apresentação intitulada “Evidências científicas sobre o uso precoce da cloroquina no combate à Covid-19” consta de trocas de mensagens entregues à equipe da coluna por médicos que ainda trabalham na Hapvida. Ela foi distribuída em julho de 2020 pelo diretor de emergências da Hapvida, Alexandre Wolkoff, em um grupo de WhatsApp voltado para orientações médicas.

O documento, que tem 33 slides, ressalta em uma das telas que “Prevent Senior, Hapvida e planos do sistema Unimed, dentre outros planos de saúde”, defendiam o uso do medicamento no tratamento da Covid.

A apresentação distribuída aos médicos com o nome de Nise reserva um slide para cada rede, destacando argumentos para a defesa do chamado tratamento precoce. No caso da Prevent Senior, o slide diz que 5.400 pacientes receberam a hidroxicloroquina e que, destes, nenhum faleceu. Apenas 128 teriam sido internados depois de receber o remédio. Hoje se sabe que a rede paulista ocultou óbitos por Covid-19, fraudou prontuários e distribuiu o remédio sem o consentimento de diversos pacientes.

Desde maio, a Hapvida reviu e abandonou a orientação de uso da cloroquina (leia nota abaixo), mas naquele momento o plano não só recomendava seu uso como fornecia treinamentos para os médicos aplicarem a cloroquina nos tratamentos contra a Covid e impunha metas de distribuição aos pacientes.

A reportagem procurou Yamaguchi e a questionou sobre o material. Até o fechamento deste texto, a médica não confirmou e nem negou a autoria da apresentação. Também não respondeu se prestou consultoria a uma das redes privadas a respeito da hidroxicloroquina. Nós também perguntamos à Hapvida se a dra. Nise Yamaguchi participou de algum curso ou treinamento da empresa. A assessoria de imprensa afirmou que não.

O arquivo não é datado, mas foi gerado em 2 de julho de 2020, quatro dias antes de ser compartilhado no grupo interno da Hapvida. A data coincide com as investidas do governo federal em prol da cloroquina. Nessa época, o ministro era o general Eduardo Pazuello.

Como mostrou a coluna, em junho, a secretária de Gestão do Trabalho e da Educação do ministério, Mayra Pinheiro, conhecida como “capitã cloroquina”, tentou tornar obrigatório o uso de cloroquina para a Covid no SUS – e acabou impedida pelo Tribunal de Contas da União. Nessa época, também foi ampliada a indicação da cloroquina para gestantes e crianças. Em abril, uma nota técnica aprovada por Pazuello já autorizava a adoção do medicamento no combate ao coronavírus.

Os slides atribuídos a Nise também enumeram estudos que, àquela altura, já tinham sido questionados amplamente na comunidade científica internacional. Entre eles, o conduzido por Didier Raoult, em Marselha, na França – que em determinado momento chegou a ser considerado a prova de que a cloroquina funciona contra a Covid.

Posteriormente, o próprio Raoult admitiu erros graves apontados por colegas e, finalmente, neste ano, reconheceu que o remédio não é eficaz contra o coronavírus.

Outro trabalho usado na apresentação é o do ucraniano Vladimir Zelenko, um obscuro médico radicado nos Estados Unidos que atua no estado de Nova York.

Zelenko, considerado uma referência pelos seguidores do chamado tratamento precoce, fez chegar sua tese ao então presidente americano, Donald Trump, que a abraçou por influência do então aliado Rudy Giuliani. O discurso enfático de Trump a favor da cloroquina viria a influenciar um de seus mais importantes aliados, Jair Bolsonaro

Embora a autoria do documento não seja confirmada, a própria atividade de Nise Yamaguchi nas redes sociais indicam que Raoult e Zelenko foram grandes fontes de inspiração para o embasamento da oncologista na defesa do tratamento precoce. O ucraniano, inclusive, é próximo de Nise.

A médica fez questão de destacar em uma rede social, em julho de 2020, um texto em sua defesa que teria sido assinado por Zelenko. “Tenho colaborado com a Dra. Nise Yamaguchi do Brasil. Ela é uma liderança excepcional e tem salvado milhares de pessoas da Covid-19”, diz trecho da mensagem.

Em nota enviada à reportagem, a Hapvida reconheceu ter defendido e disseminado o uso da hidroxicloroquina no tratamento da Covid-19, por considerar que na época havia um entendimento de que a substância podia trazer efeitos benéficos aos pacientes. Afirma, ainda, que não indica mais a prescrição de cloroquina “por não haver comprovação científica de sua efetividade”.

Mas em julho de 2020, época em que a apresentação em defesa da cloroquina foi distribuída nos grupos de WhatsApp pelo diretor de emergências, já havia estudos sólidos indicando que o remédio, usado contra lúpus e malária, não era eficaz no combate à Covid-19. Um dos principais ensaios clínicos sobre o tema, realizado no Brasil no primeiro semestre de 2020, apontou inclusive para os riscos do uso da droga em pacientes cardíacos.

Mesmo assim, a Hapvida se engajou diretamente na promoção do remédio e na coerção de seus médicos ainda neste ano, como indicam mensagens também obtidas pela reportagem.

Leia a nota enviada à imprensa pela Hapvida:

“A fase inicial da pandemia do Coronavirus foi marcada por incerteza e imensa preocupação em todo o mundo, principalmente quanto à existência de vacinas ou medicamentos que pudessem tratar a doença. No Brasil, não foi diferente. Desde essa etapa, em que pouco se sabia sobre o coronavírus, o Hapvida não mediu esforços para garantir a melhor assistência a seus beneficiários.

Foram abertos mais de mil leitos de UTI e contratados mais de 6 mil profissionais de saúde. Houve a compra de mais de 260 respiradores, além do aluguel de prédios para a ampliação dos espaços de internação e a aquisição de equipamentos de proteção em grande quantidade para reforçar a segurança dos profissionais. Além disso, o Hapvida e sua controladora cederam e doaram equipamentos e unidades móveis de terapia intensiva para o SUS em diversos Estados. Tais investimentos ultrapassaram meio bilhão de reais.

No passado, havia um entendimento de que a hidroxicloroquina poderia trazer benefícios aos pacientes. No melhor intuito de oferecer todas as possibilidades aos nossos usuários, houve uma adesão relevante da nossa rede, que nunca correspondeu à maioria das prescrições. Nas ocasiões em que o médico acreditava que a hidroxicloroquina poderia ter eficácia, sua definição ocorria sempre durante consulta, de comum acordo entre médico e paciente, que assinava termo de consentimento específico em cada caso. Ainda assim, há meses, não se observa a prescrição dessa medicação nas nossas unidades.

A adoção da hidroxicloroquina foi sendo reduzida de forma constante e acentuada. Hoje a instituição não sugere o uso desse medicamento, por não haver comprovação científica de sua efetividade. Mas segue respeitando a autonomia e a soberania médica para determinar as melhores práticas para cada caso, de acordo com cada paciente.

Desde o primeiro momento, o Hapvida defende e promove a vacinação, o uso de máscaras e as práticas de distanciamento social. A organização agradece ao empenho de seus mais de 67 mil profissionais que continuam lutando no enfrentamento dessa pandemia e reforça a todos os brasileiros seu propósito de servi-los com medicina de alta qualidade de maneira acessível.”

O Globo

 

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